19 de Março, 2024

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Jornalismo cidadão | Redes e Comunidades

Projetos locais, nem tudo o que vem à rede é peixe

As categorias coletivistas

Estamos de acordo. O projeto pelo projeto, nem pensar, não vale a pena. São muitos recursos mobilizados e energias despendidas, para pouco ou nada. Então coloca-se a questão da sua utilidade ou do seu sentido, para quem?

Se a utilidade não deve ser para a entidade promotora na ótica egoísta da mera gestão dos seus recursos, então deve ser para quem?

Os adultos em primeiro lugar

Certamente para os adultos em primeiro lugar e ainda para o sistema de educação-formação local pensado como um conjunto de atores que procuram promover e implementar estratégias de desenvolvimento sustentável nos territórios.

No segundo grupo de uma tipologia rudimentar sobre as formas de agir face aos projetos locais encontramos um segundo grupo de entidades que não tendo uma perspetiva utilitarista e até mercenária dos projetos acabam por cair na lógica do projeto pelo projeto, isto apesar de não ser a sua intenção inicial. Vejamos algumas categorias a título de exemplo:

Os parceiristas

Desde o início do século XX, e sobretudo depois das experiências em larga escala que a Iniciativa Comunitária EQUAL proporcionou em todo o país, a ação nos territórios passou a ser assumida de forma generalizada em parceria. Uma nova metodologia com um formato colaborativo passou a dominar os projetos locais. O ciclo de aprendizagem do funcionamento em parceria foi realizado em ritmos bastante diferentes e houve mesmo enriquecimento das práticas colaborativas com novas figuras como as Comunidades de Prática, as Redes de Cooperação, entre outras.

O tempo veio no entanto firmar no terreno modelos dominantes de parceria que de alguma forma se tornaram até hegemónicos. Estes modelos baseiam a sua dinâmica de funcionamento na colaboração e não na cooperação. Ou seja, estabelecem nas parcerias relações hierárquicas que no fundo acabam por colocar vários parceiros, tidos por secundários, ao serviço de um parceiro-líder que não coopera (no sentido da não-partilha de conhecimentos, da não-rotatividade nas lideranças operacionais, da não-integração das mais-valias das diferenças e das diversas culturas de intervenção, da não-inclusão das organizações tradicionalmente discriminadas, etc.). ,

As parcerias, se não forem elas próprias um processo co-construído, entre pares, em pé de igualdade, como podem ser úteis para o desenvolvimento sustentáveis dos territórios?

Os parceiristas são tradicionalmente gente de braços abertos, pena é que tenham a cabeça fechada à verdadeira cooperação e que se sintam felizes com atividades nas quais os outros “colaboram”!

“É muito difícil trazê-los para o trabalho em parceria. São muito fechados. Só com muita insistência admitem fazer uma ou outra coisa que os interesse!!!!!” assim desabafam os nossos parceiristas. “Ao menos forneceram-nos uma lista de formandos, já não foi mau! Mas agora somos nós que temos que fazer o trabalho todo!” completam com muita lamentação à mistura.

Os comunitaristas

Os comunitaristas, na sua relação com os projetos, funcionam em funil. Começam por anunciar que o projeto é de toda e para toda a comunidade local, de seguida substituem a comunidade por parcerias soit-disant alargadas, em fases mais avançadas do projeto trabalham com um núcleo restrito de entidades locais e, finalmente, concretizam os objetivos específicos do projeto em formato de parceria clássica com duas ou três entidades a realizarem as tarefas que deveriam ter sido levada a efeito “pela comunidade”.

No fundo, no mesmo estilo de afirmações esclarecedoras do Rei Sol, Luis XIV de França, sobre o Estado, assumem sem querer que “A comunidade sou eu!”. Ou seja a comunidade são aqueles que “estão á minha volta”.

Por isso as intenções de envolver as comunidades locais em processos de educação-formação coloca a exigência de uma grande objetivação do conceito de comunidade e sobretudo estabelecer relações de poder no projeto que coloquem a gestão do projeto nas mãos dos adultos e das entidades nas quais estes se enquadram. Se o projeto visa promover a leitura na comunidade local devem ser os adultos com ligações às Bibliotecas, às Livrarias, aos Clubes de poesia e leitura, a organizar as atividades e a assumir a condução das iniciativas. Não se trata pois de organizar uma “visita de cidadãos adultos à biblioteca local”. O protagonismo terá que estar do lado dos adultos que decidirão auto-organizar-se numa lógica mais restrita ou dirigir-se de forma mais ampla a toda a comunidade. Nesta matéria deve funcionar um processo democrático de decisão que deve respeitar os interesses específicos da situação. A banalização da chamada dinâmica comunitária leva muitas vezes a passar por cima das regras elementares da democracia, promovendo uma lógica de “comunidade de massas” que surge muitas vezes como plataforma de uma identidade propositadamente inventada.

Os idealistas

O grande handicap dos idealistas é a sistemática confusão entre passado, presente e futuro. Alimentam o seu quadro de referências em Educação de Adultos com as teorias e experiências mais incríveis que podem ser identificadas na literatura, nos anfiteatros das universidades, nas experiências consultáveis no Youtube.

Quando surge a oportunidade de um novo projeto afirmam com prazer e alegria “Vai ser desta!”. Recuperam o essencial da matéria escrita para candidaturas realizadas no passado. “Esta parte está com plena atualidade!” afirmam numa primeira releitura. “Mas esta também!” prosseguem de forma entusiástica. Até que chegam à conclusão que todo o projeto tem uma atualidade inquestionável.

E avança uma iniciativa, que mais uma vez, irá “mudar o paradigma” da EFA em Portugal.

O problema dos idealistas não é terem idealismo a mais. Antes pelo contrário. sem idealistas, sistemas que funcionam ao som de tambor da “competitividade da economia” e do “serviços ao emprego e às empresas” seriam plataformas normalizadoras da sociedade com tendência a consolidarem dinâmicas cada vez menos humanas e com menos preocupações sociais.

A questão que se coloca também é do lado da sociedade civil com as suas dificuldades em funcionar em bases de autonomia e incentivar processos de contaminação através das várias correntes e formas de agir face aos projetos. A simples pergunta, porque é que as entidades que têm os seus projetos aprovados não criam redes autónomas de partilha e ficam à espera que o topo centralizador tome alguma iniciativa nesse sentido, pode encontrar explicação nas relações de poder instituídas, nas velhas relações com o Estado do tempo do regime salazarista e na forma como os financiamentos comunitários são olhados, na maior parte das vezes desligando as suas origens dos impostos dos cidadãos e empresas europeias.

Afinal haverá alguma forma de dinamizar projetos locais com utilidade social?

Essa será a base do debate que iremos realizar brevemente. Da minha parte participarei com ideias e sugestões sobre uma categoria que denomino Navegadores e que se movem nos espaços dos Territórios Aprendentes e que funcionam na base dos ESPAÇOS PATILHADOS DE APRENDIZEGEM-

Mas isto é matéria para outra abordagem escrita. Muito brevemente.

Carlos Ribeiro

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