A leste

José Alberto Rio Fernandes, geógrafo, professor catedrático UP, Presidente da Associação Portuguesa de Geografia

O aumento das condições de mobilidade tornou o mundo mais acessível. Contudo, há ainda no Norte quem nunca tenha ido ao Algarve e muitos no Grande Porto que não conhecem Miranda do Douro, ou Melgaço. Mas, o que é mais surpreendente, para mim pelo menos, é verificar que muitos não conhecem boa parte do concelho onde moram. No Porto, por exemplo, quantos já não terão estado em Londres e Paris e, todavia, não sabem onde fica na sua cidade o lugar da Granja, nem o nome de mais que uma ou duas ruas situadas a leste da VCI? Muitos!

Há um evidente efeito de barreira que se estabelece com o caminho de ferro e a Via de Cintura Interna. Há ainda, para quem mora a Oeste, a perceção de limite associada ao declive a leste da estação que leva até a que se pense que o espaço irrigado pelo Tinto e pelo Torto já não é Porto. Mas é!

Diz-se que o que não sabemos que existe, é como se não existisse! Ora, apesar de alguns esforços políticos e bons trabalhos de jornalismo, o extremo oriental permanece desconhecido da larga maioria. Deve ser isso que, no lugar da Granja não há passeios, se veja lixo nas bermas e se acumulem as silvas e canas a tapar o Rio Torto e a ponte sob a qual passa. Seria isto possível na Boavista, na Ribeira, ou na Foz? Não!

Deve ser por isso também que, quando se fala de habitação, haja referências ao turismo e ao imobiliário, mas se fale tão pouco da falta de condições de habitabilidade das casas na Granja, em Pego Negro, ou Pinheiro de Campanhã, e nem sequer se lembre as pessoas que vivem em barracas do lado “de lá” da Circunvalação, junto ao Bairro do Cerco do Porto. Que esquecida que anda a limpeza, entre parques e descarbonização, e que esquecido que anda o direito à habitação, entre negócios e prémios do imobiliário. Sobretudo a leste: do desenvolvimento!

Crónica publicada no JN, transcrita com autorização do autor

CBD

Centro e periferia são conceitos geográficos essenciais à compreensão do mundo. Ajudam na consideração do aumento de influência da China e da periferização da Europa, por exemplo. Na dimensão urbana, o conceito de centro está associado, regra geral, a comércios inovadores e especializados, vários tipos de serviços, monumentos e gente na rua. É o centro, “baixa” ou “downtown”, o que não deve ser confundido com o Central Business District (C.B.D.) ou “área central de negócios”, lugar de concentração de “arranha-céus” ocupados por grandes empresas, designadamente do sector financeiro. 

Todavia, há dias, em palestra a estudantes de Geografia no ensino secundário, surpreendi-me (mais uma vez!) ao verificar que estes continuam a aprender a chamar CBD ao centro da generalidade das cidades, incluindo as portuguesas. Mas, onde estão as grandes torres do setor financeiro no Porto, Braga, Vila Real ou Viana do Castelo? Lamentavelmente, são os livros escolares que reproduzem a falha, apesar de o CBD não constar das “aprendizagens essenciais” recentemente aprovadas! 

Nada disto retira pertinência ao conceito de centro e ao de periferia, nas suas várias dimensões, escalas e combinações, apesar de valorizarem uns mais que outros aspetos ligados à economia, à política, à antiguidade, à acessibilidade ou à cultura. São estes conceitos – e o de (in)justiça espacial (que não consta dos manuais) – que nos ajudam a ver melhor muito do que se passa à nossa volta, por exemplo a forma como os gondomarenses e valonguenses (da periferia), que têm de recorrer ao transporte coletivo, são desvalorizados quando há obras no (centro do) Porto. Ou porque é que se consideram prioritárias mais duas estações de metro da Baixa à Boavista.

José Alberto Rio Fernandes, geógrafo, professor universitário e Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos