Ó João!

OPINIÃO |

por Carlos Ribeiro

Ó João! 

Agora é a tua vez.  

Ministro é ministro. Tem poder, para além de querer. 

Nos Copos Prá Viva, e compreende-se porque és uma pessoa afável, ninguém ousava fazer a pergunta: 

Então João, depois do que assististe e partilhastes por aqui, as políticas públicas para a Educação de Adultos vão levar uma reviravolta? 

E tu adiantavas, como podias, as respostas evasivas, as frases amigáveis sobre as muitas batalhas que estão pela frente, sobre os recursos limitados, a importância da certificação para as empresas contratarem, as exigências da OCDE de aumentarmos os níveis médios de qualificação, enfim, sobre a reviravolta, pouco ou nada. 

Cá entre nós pensávamos, o João é apenas Secretário. Ele deve pensar que a educação de adultos deve ter outro rumo e deixar de ter esta função de segunda linha que é Certificar, certificar e finalmente ….certificar, mas….

Os Secretários são autónomos até um certo ponto.

Mas os Ministros…. 

Ah! Os Ministros, esses sim podem. Mas têm que querer, é verdade! 

Ó João, muda lá o paradigma! 

O João de certeza que quer que a Educação de Adultos seja uma alavanca para a transformação social. Ele sabe que a escolarização dos processos de educação para adultos impede o desenvolvimento de competências e inviabiliza reais aprendizagens porque não se baseiam em princípios andragógicos que colocam no centro das atividades formativas a experiência e o desejo de resolução de problemas que os adultos transportam com eles e que são o principal capital para concretizar o seu “poder de agir”. Certificar na base de dinâmicas formativas transformadoras é um imperativo. Desenvolver dinâmicas formativas só para certificar é um desrespeito pelo adulto. 

Ó João, acaba lá com o precariado! 

O João de certeza que quer acabar com o financiamento precário dos Centros de Educação de Adultos – Centros Qualifica, etc – porque não é justo!  

Mas então estes centros não são estruturantes de TERRITÓRIOS APRENDENTES? É possível imaginar um município que só pensa educação em função das escolas, dos transportes escolares, da segurança rodoviária para os alunos, etc e que não constrói uma visão do desenvolvimento das competências e das qualificações de forma integrada no seu território? Compreende-se esta postura face a estruturas precárias e descartáveis.

Um financiamento de estruturas educativas em função do cumprimento de metas é razoável. Mas dentro de regras de jogo marcadas pela estabilidade mínima. Ver um financiamento reduzido ou ajustado, em função do cumprimento de determinados objetivos, não fere ninguém. As Unidades de Saúde Familiar também funcionam assim. E são da área delicadíssima da saúde. Mas são estruturas permanentes. Mas isso faz toda a diferença! 

Ó João! o RVCC não é pau para toda a colher! 

O ponto de partida são as competências desenvolvidas pelos adultos ao longo da vida. O centro do processo realizado nos Centros é a VALIDAÇÃO, ou seja, trata-se de uma relação entre um Referencial de Competências e a identificação de competências desenvolvidas na vida, na ação prática, realizada através de uma Metodologia que desenvolvemos em Portugal (sim, em Portugal desenvolvem-se coisas boas e criativas, não temos que ser finlandeses para ter soluções para a educação) que combina Balanço de Competências com Histórias de Vida. Esta combinação é muito exigente, mas é apaixonante. Como investigador irias gostar de viver uma experiência desta área do desenvolvimento educativo. Então porque não instalar um ACELERADOR PARA ANIMADORES DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS (e não apenas para os adultos) para melhorarmos a qualidade dos Centros naquilo que é essencial? 

A verdade é quanto mais o RVCC é contaminado pela formação, menos potencial ele desenvolve no adulto de transformação social. Se o RVCC se posiciona nos problemas e nas situações de vida do adulto então a sua aproximação é espontânea porque têm a ver com as suas prioridades pessoas, familiares e profissionais imediatas. O risco que está a emergir com o “RVCC Pau para toda a colher” é que nem uma, nem outra. Quere-se tudo e fica-se com pouco, ou quase nada (em matéria de transformação social, claro).  

Ó João, juntos somos mais fortes! 

Isto é um slogan desportivo por excelência. Mas aplicado aos Centros de Educação de Adultos tem todo o sentido aqui e agora. O isolamento dos centros e a lógica punitiva dos sistemas de acompanhamento deve dar lugar a dinâmicas de rede de cooperação, de promoção da inteligência coletiva no sistema e de autoformação através de Comunidades de Prática e outras formas de auto-organização dos profissionais da educação de adultos. 

Ó João! não queremos acreditar que seja entendido centralmente que os modelos de gestão autocráticos sejam os mais adequados para cumprir os os objetivos de desenvolvimento na educação de adultos.  

Construir Comunidades Aprendentes implica cooperar e desenvolver parcerias em trabalho colaborativo. 

Bem Ó João, temos confiança em ti!  

Sabemos que vais ser Ministro a sério, e nós cá estamos para colaborar. 

Como cidadãos e como profissionais do desenvolvimento dos territórios. 

Carlos Ribeiro, 28 de março de 2022

Skills ou PC?

EDUCAÇÃO DE ADULTOS | Sem PC não há nada para ninguém!

por Carlos Ribeiro – Caixa de Mitos

A encomenda que é feita aos sistemas de educação-formação nos nossos tempos é clara como água: preparar os adultos para o emprego e para as necessidades das empresas embrulhando as ações a realizar ou realizadas numa espécie de grande meta coletiva denominada empregabilidade.

Empregabilidade é, recorde-se, a disponibilidade para todo e qualquer adulto ou jovem ser mobilizado pelas empresas ou outras organizações empregadoras, quando e como elas quiserem. Soit disant a vontade de empregar não dependeria dos empregadores mas antes da economia.

Estamos perante um conceito pré-militar que as organizações para -militares bem conhecem, com continência a reforçar: SEMPRE PRONTO!

O sistema de educação-formação está alinhado com o objetivo da competitividade das empresas e dos negócios e prossegue o trabalho normativo e normalizador da formação inicial enquadrando os adultos em processos de aprendizagem escolarizados que omitem as diferenças profundas e radicais que existem entre o adulto que tendo cessado uma participação escolar aprende agora a partir de experiências e tendo em conta a sua experiência peculiar.

O modelo escolar transferido para a salas de formação e de educação de adultos é profundamente discriminatório porque coloca o adulto em situação de relação com o conhecimento num quadro desfavorável e inapropriado (anti-andragógico) e ainda por cima etiqueta as abordagens nesse campo com o conceito de competências e consequentemente manipula os adultos num terreno que exige ação, mobilização de recursos e demonstração concreta de um processo combinatório visando a resolução de problemas. Ou seja vende-se gato por lebre.

O que pode ser feito para colocar a educação de adultos e a ALV ao serviço do desenvolvimento sustentável e humano e não apenas ou principalmente do mercado e das empresas?

A primeira linha de atuação é assumir que mais vale um PC na mão que muitos skills a voar!

Sendo aqui PC as iniciais de PENSAMENTO CRÍTICO e de rotura com a educação-formação normativa e controladora no plano ideológico e social.

A segunda linha de atuação passa por estruturar a participação ativa dos adultos em iniciativas e causas locais, impulsionando processos de educação-ação e de educação comunitária que facilitem as aprendizagens de cada um dos participantes em função das suas opções e preferências e prioridades na própria vida.

Duas linhas de atuação que justificam aprofundamento, em próximos capítulos.

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos – 10 de junho 2021

A certificação, um bem que vem por mal

DEBATE| Educação de adultos

Nos debates da última iniciativa promovida pela Lifelong Learning Platform – LLL Lab que dirigentes portugueses como Luis Costa e Susana Oliveira conduziram com arte e engenho, a par de outros protagonistas europeus, uma verdadeira questão foi colocada de forma informal mas com peso e medida que foi a seguinte: sim, aprendizagem ao longo da vida mas qual é a verdadeira finalidade?

A questão colocada num plano político deixou de ser uma mera curiosidade numa conversa entre peritos da ALV, que como sabemos é o que acontece sistematicamente neste tipo de eventos,

O emprego ou a vida…

A aprendizagem ao longo da vida e a educação de adultos terão por finalidade uma preparação para o mundo do trabalho e para o emprego ou a sua missão está principalmente associada à auto-construção de cidadãos ativos e conscientes que na sua relação com a vida quotidiana e com os desafios do futuro constroem percursos de uma vida que tem valor aos seus próprios olhos e não necessariamente a vida que lhes querem indicar como senso a vida que devem viver.

João Costa, Secretário de Estado da Educação presente no Encontro a quem se reconhece enormes qualidade de governante nestes domínios, colocou-se num dos lados da barricada e foi muito claro: primeiro a CERTIFICAÇÃO , depois as outras consequências ou impactos dos processos de aprendizagem.

Falas muito porque já és diplomado

O argumento utilizado foi decepcionante e roçou a demagogia quando Costa adiantou que quem já tem certificados e diplomas é que os desvaloriza, porque já os tem. No fundo colocando os detentores de diplomas e que pretendem uma outra abordagem para a educação de adultos como cegos e egoístas.

Segundo Costa o certificado é indispensável para todo e qualquer desempregado encontrar emprego e as atividades informais de educação-formação deveriam convergir para o sistema de RVCC para traduzir em diplomas as aprendizagens realizadas.

Na verdade esta afirmação da relação entre certificado e emprego está longe de ser verdadeira. A sua absolutização esconde outras preocupações que mereceriam ser reveladas, como é caso da pressão da OCDE sobre Portugal para que eleve os níveis de escolaridade da sua população ativa. Importa pois relativizá-la sem a desvalorizar.

Valor do certificado

Este campo do valor do certificado para o empregador adquire importância, em áreas profissionais nas quais a oferta de emprego é seletiva ao ponto da certificação exigida ser resultado de ciclos de certificação.

Não é o caso dos empregadores que maioritariamente se relacionam com os desempregados cujos ciclos de certificação são curtos ou inexistentes. Para estes funciona principalmente uma relação de proximidade e de contactos diretos, muitas vezes entre pessoas conhecidas e com contratações baseadas antes de mais na experiência e nas garantias de assiduidade e de responsabilidade.

Importante, mas não determinante

O certificado é importante, é! Mas não é determinante. Temos 500.000 trabalhadores pobres no país e nesta imensa fratura social o certificado não se articula com o elevador social.

Se um adulto que frequenta processos de aprendizagem em dispositivos de educação-formação locais tiver à saída do seu processo formativo ou de RVCC um portefólio de contactos, de experiências e de interações que o liguem ao meio profissional, que facilitem iniciativas de aproximação relacionadas com o emprego ou o trabalho, podemos admitir que se o certificado também o integrar, poderá ser uma mais-valia, mas nestes terrenos da relação profissional é o conjunto que funciona bem e não o certificado per si!

Continuar a atrofiar a educação de adultos em nome do certificado é afinal de contas consensual nas políticas públicas de educação-formação. Para enfrentar esta dramática convergência negativa contra a educação de adultos valeria a pena criar um organismo autónomo de cúpula da EFA portuguesa e, de baixo para cima, dinamizar autênticos Territórios Aprendentes que dêem expressão a uma convergência positiva em torno de uma educação de adultos transformadora.

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos

É possível ser professor e rejeitar o imperativo da autoconstrução do saber?

Praça das Redes | 5 de outubro 2020 | Carlos Ribeiro | Hoje Dia Mundial do Professor, escrevo duas palavras, corrijo, três ou quatro. A grande angústia do professor é que ele já não é que o que era dantes e não sabe o que é ser depois. Mas com isto pode ele bem.

Problema, problema é a mentira da transmissão.

Disseram que era a essência da profissão, transmitir conhecimentos e sentidos para as coisas e afinal, não é nada disso.

No plano sociológico, há hoje uma clarificação do ser social para o qual a transmissão foi pensada que afasta toda e qualquer atuação que não tenha em conta a subjetivação e o homem plural e, consequentemente, coloque o processo das aprendizagens do lado do aprendente exigindo uma nova relação pedagógica absolutamente ajustada aos mecanismos individuais da apropriação ativa. Mesmo o habitus de Bourdieu, que legitimava tanta coisa nesta esfera, evaporou-se e as abordagens estruturalistas, que emprestavam ao assunto um ar de seriedade inquestionável, caíram em desgraça. Tornou-se impossível ignorar o imperativo da auto-construção do saber.

No plano psicológico, as teorias monolíticas tais como o freudismo e o comportamentalismo (infelizmente para os comportamentalistas já não se pode afirmar que em relação à mente só se consegue medir os stimuli , ou seja as entradas e as saídas, o resto seria uma caixa negra indicifrável), que fazem da aprendizagem um processo principalmente dependente de elementos externos, importa reafirmar que o mecanismo complexo da construção activa dos conhecimentos desenvolve-se de forma exigente no processamento sistemático da informação (percepção, atenção, representações, memorização, problematização, organização cognitiva e metacognição) o que torna o sujeito aprendente muito mais desafiador e coloca os processos de tiro ao alvo do conhecimento transmitido, como algo enfadonho e numa linguagem produtivista, taylorista.

E não são as metodologias activas que alteram a essência da questão. Ser muito dinâmico num processo de transmissão resulta apenas numa transmissão mais animada e menos violenta para o alvo do processo educativo ou formativo.

Mas se as abordagens pela mediação pedagógica são muito mais apaixonantes  e se a desvalorização dos processos prescritivos, de controlo social e de condicionamento que estão associados à transmissão na ação formativa emerge como pouco ou nada interessante, porque é que os professores não rasgam definitivamente o Manual da Transmissão que tanto os angustia?

Carlos Ribeiro, Caixa de Mitos – Agência para a Inovação Social.

Ana Vale, uma humanista facilitadora de inovação

PR | 28 de setembro de 2020 | Informação

por Carlos Ribeiro

Deixou-nos Ana Vale e com ela desaparece a referência central da Inovação Social em Portugal cuja expressão máxima residiu na Iniciativa Comunitária EQUAL que funcionou entre 2001 e 2007.

As marcas do Programa foram de tal ordem que a sua eliminação pura e dura depois do primeiro ciclo de execução representa o primeiro grande sinal da imposição do neoliberalismo nas políticas da União Europeia e o fim das expectativas de um Estado Social com outras vertentes que não as destinadas à mera remediação.

Exigência e flexibilidade

Ana Vale era conhecida pelo rigor e pela persistência nos objetivos e nos rumos definidos. Combinava exigência com flexibilidade. Ouvia e incentivava a escuta activa em todos os sistemas de inovação.

Com ela alguns conceitos fundamentais como discriminação, empoderamento, participação, comunidade de prática, interculturalidade, responsabilidade social, inclusão, parceria, rede, empreendedorismo social, e muitos outros, passaram a ter um novo significado e uma nova abordagem no processo de mudança e inovação social no país.

Nada sobre nós, sem nós!

Nada sem nós, sobre nós! Foi o grande Manifesto dos discriminados e desfavorecidos deste país que tiveram palco, presença e participação activa nos seus destinos durante os anos de vigência da IC Equal e da liderança facilitadora de Ana Vale.

Quando o primeiro ciclo da IC Equal terminou foi proposto que 5% das verbas do FSE fossem dedicadas à Inovação Social para intensificar o esforço colectivo realizado e fornecer uma nova escala às experiências bem-sucedidas daquela fase inicial. A recusa desta proposta em nome de uma futura abordagem transversal da inovação social bloqueou um autêntico Movimento de esperança e de potencial reforço da coesão social, da criatividade colectiva e da justiça social.

O assassinato deliberado

Depois deste assassinato, Ana Vale nunca mais acreditou na possibilidade de uma mudança social a sério no país.

Recentemente quando surgiu o Programa DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária no qual antevi elementos muito próximos das estratégias da IC Equal e envolvi-me nas iniciativas de dinamização do programa, contactei a Ana Vale para ela participar numa sessão sobre Inovação Social e ela respondeu-me “Ó Carlos você ainda acredita nessas coisas!”.

Para além da Equal

Foi esta amargura e de alguma forma a desilusão que levou uma pessoa discreta por natureza a retirar-se do espaço público e a colocar-se numa posição reservada, privando o país de saberes e uma experiência absolutamente únicos.

Ana Vale não foi só IC Equal. Foi muito mais que um Programa Europeu. Foi a todos os títulos uma mulher defensora de novos direitos e de novas condições sociais.

Uma facilitadora de inovação com profundas convicções humanistas e com uma visão única do sentido de comunidade.

Marcou-nos. Marcou-me para sempre.

© foto IC Equal .

OPINIÃO | Libertem as competências da prisão neoliberal

PR | 15 setembro 2020 | OPINIÃO

Por Carlos Ribeiro, Caixa de Mitos

Nas atividades formativas que não se inscrevem nos processos lineares da formação inicial e da formação contínua e que se inscrevem no registo da educação a escolha é simples: ou se forma para a competitividade ou para a pessoa e para a sua liberdade.

Não, não! As meias tintas não valem! O argumento de ser inevitável também formar para o emprego, para a dita empregabilidade, para aquilo que “as empresas necessitam” serve apenas para autovalorizar os processos formativos e contornar o que é essencial em educação.

Precários e formação

Não iremos tanto pelo lado das teorias do precariado “porquê formar se os empregos disponíveis são precários e mal remunerados” ou dos “empregos de merda -título de David Graeber) afinal “que formação é necessária para empregos tendencialmente pouco qualificados?”, mas mais pelo lado da desocultação de um conceito feito prisioneiro pelo neoliberalismo ascendente na Europa em meados dos anos 90 do século passado e que, nos tempos que correm, está cada vez mais consolidado, para mal dos nossos pecados.

Isto a propósito das capacidades e dos saberes dos adultos que alguns teimam, propositadamente, em denominar competências.

Conceito não admite fragmentação

O conceito que na sua dimensão plena, leboterfiana, desenha um quadro de desenvolvimento e integra uma dinâmica criativa no processo de combinação das três vertentes estruturantes, o conhecimento, o desempenho técnico e a atitude adotada na situação concreta de mobilização das duas outras, foi propositadamente capturado pelo mundo empresarial e pelas estratégias desenvolvimentistas para simular inovação e uma nova abordagem (dita não-taylorista) da formação.  

As formulações foram sendo cada vez mais ambíguas, mas os resultados esperados mantiveram-se os mesmos: formar para a qualidade/produtividade na vida profissional e exigir o “zero defeitos” através de estratégias colaborativas e punitivas de formação em torno das denominadas competências.

A motivação de pacotilha

Importa destacar o aproveitamento realizado pelos “formadores de competências” que destacaram as abordagens “atitudinais” de forma isolada das outras dimensões da competência e situarem os quadro formativos principalmente das dimensões motivacionais o que justificou o surgimento dos subprodutos como os Team Buildings, os Out-doors motivacionais, as dinâmicas de equipas baseadas nas ditas competências sociais, etc.

Mas o contrabando não consegue fazer esquecer que houve o Relatório da UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI “Educação: um tesouro a descobrir” que Jacques Delors coordenou e que desta reflexão de fundo sobre o futuro da Europa emergiram 4 pilares com quatro tipos fundamentais de educação: 

  • aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), 
  • aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), 
  • aprender a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades humanas), e finalmente 
  • aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores).  

Estas quatro vias do saber, na verdade, constituem apenas uma, dado que existem pontos de interligação entre elas., eleitos como os quatro pilares fundamentais da educação.

Delors existiu, mesmo

Os 10 anos de Delors à frente da Comissão Europeia, até 1995, lançaram as bases de  uma nova visão para a educação na Europa. Entretanto surgiu Mastricht, Santer colocou-se ao leme de um barco que pessoas sinistras como Durão Barroso veio a comandar e que atualmente tem a sua continuidade com Von der Leyen do mesmo grupo ideológico.

A abordagem pelas competências se é desligada da sua dimensão libertadora e criativa reduz-se à eficácia e à eficiência útil aos negócios. Estar a funcionar numa ótica neo-talorysta do conceito deve ser triste e enganador. Mas o pior é não saber ou nem sequer pensar no assunto. Ou então aplica-se o provérbio “O pior cego é aquele que não quer ver”.

Carlos Ribeiro

OPINIÃO | O Lixo

Por Helder Costa, dramaturgo

O Lixo, aquela coisa desagradável, feia, ordinária e repelente, causador de doenças e epidemias, invade – desde sempre – os nossos dias.

Péssimas condições de vida, saúde e habitação ajudam ao seu aparecimento e desenvolvimento.

Mas a questão fundamental é que somos nós quem cria esse lixo.

Mais grave ainda, é que existem o Lixo físico e o mental.

O que é o Lixo mental? é um desânimo que se acumula, que nos paralisa e faz com que a nossa auto -confiança nos abandone. Porque olhamos à nossa volta, e vemos crescer incompetências, crimes e impunidades.

Os exemplos são diários e permanentes. Falando do nosso Presidente, não, não sejam ingénuos , não é o Marcelo, chama –se Trump, dono e senhor da guerras, dos roubos e falências, um genocida que apela à morte de gente que reage contra o racismo e contra a miséria a que são reduzidos milhões. Um exemplo grave do Lixo mental? Estão a sair vários Livros que denunciam os crimes, as mentiras e a manipulação do sujeito…

Ao mesmo tempo, as suas sondagens sobem!

O que é que isto prova? Que os milhões de fanáticos que o apoiam ou não sabem, ou não querem ler. Porque têm medo de “ abrir os olhos” e mudar de opinião. O grande manipulador tem milhões para corromper e comprar votos, e já provou que está disposto a tudo para boicotar as eleições.

Quando chegamos a este ponto …em que o Lixo avançou e te submergiu…

 Que fazer, senão intensificar a luta, acreditando na força das ideias?

Eu sei que o problema é grave – HOJE, infelizmente Mundial, com culpas acrescidas para a nossa Europa – de quem se fala da grande herança cultural.

Há realmente motivos para querer defender essa herança – o brilhante século XVI com Da Vinci, Durer, Maquiavel , Erasmo, Thomas More, e tantos outros que  ajudaram a criar um novo mundo longe das trevas inquisitórias da Idade Média e do fundamentalismo Islâmico. Pagando com perseguições, exclusão social e a morte 

Mas no século XIX  comentando essa época , alguém elogiou “ essa gente com a plenitude e força de caracter que os faziam homens completos. Mas acrescentou…” Os sábios de gabinete são excepção. Ou se trata de gente de segunda e terceira ordem, ou de filisteus prudentes que não querem queimar os dedos —Engels – “ Dialéctica da Natureza”

Programas de intervenção nos bairros e o poder de agir das populações locais

PR | 13 setembro 2020 | A propósito do programa Bairros Saudáveis e de outros que não saem da cepa torta.

Quando surgiu a primeira linha de apoio específico para os bairros ditos críticos , depois da vaga de incidentes nos bairros a nível europeu e com destaque para a La Courneuve nos arredores de Paris, o desenho do programa foi realizado com o envolvimento de organizações diversas e foram até experimentadas metodologias de levantamento de problemas participadas e de construção de soluções numa abordagem colaborativa.

A ideia-força que presidiu a todo o processo foi a da construção de autonomias e até de empoderamento das populações locais. Mas na verdade os resultados ficaram muito aquém do esperado. Importa saber porquê e sistematizar algumas ideias para as ações futuras.

A experiência que vivi nesse âmbito foi no Porto, no Bairro do Lagarteiro, como coordenador dos temas do emprego, da formação e do empreendedorismo numa equipa da FLUP – Faculdade de Letras da Universidade do Porto liderada pela Teresa Sá Marques.

Boas intenções

A abordagem que tinha sido sistematizada em ações de formação com equipas do ISCTE e do Instituto de Urbanismo e Habitação assentava na organização de grupos locais que seriam o suporte das iniciativas de diagnóstico e da posterior implementação de medidas e ações do plano de intervenção local.

Tendo sido uma das primeiras equipas a ir para o terreno, levávamos connosco intenções de promoção do autoemprego, de processos de validação de competências numa base comunitária, de iniciativas de cultura popular e até de modalidades de auto-organização que tínhamos experimentado nas Oficinas de Projectos em São João da Madeira. Ou seja, da nossa parte não íamos descalços e teríamos sempre algo a sugerir ou a propor face a condições locais muito concretas.

O universo do bairro

Realizávamos as nossas atividades de auto-organização na escola, um espaço central no bairro que beneficiava de uma espécie de estatuto de “equipamento intocável”.

Ali não entravam dealers, bebidas alcoólicas, confusões inter-familiares e tudo o que no dia-a-dia marcava aquele território.

Recordo-me que para entrar no bairro tinha o cuidado de telefonar antecipadamente a alguém que asseguraria que a viatura passaria pelas malhas da “operação stop” física ou de observação a distância, sem problemas.

Os elementos metodológicos estruturantes e até críticos da primeira fase de intervenção podem resumir-se a algumas referências centrais tais como:

  • transparência nos processos pondo todas as cartas em cima da mesa e principalmente partilhando as dificuldades e até as incompatibilidades. Uma delas consistia na secundarização dos elementos da comunidade de etnia cigana que no entendimento de muitos não deveriam participar nos projetos concretos;
  • a co-gestão das atividades e a comunicação sistemática das decisões tomadas e da evolução das tarefas em curso. Existia um painel (papel cenário) de grandes dimensões com um cronograma das ações e com informação sobre recursos, responsabilidades e períodos de execução. Uma das incompatibilidades situava-se na composição da estrutura de coordenação do projeto que devendo ter maioria dos residentes deveria também assegurar uma representação com igualdade de género o que não acontecia por opção de várias mulheres que não queriam participar certamente pressionadas pelos maridos ou namorados;
  • a co-responsabilização na implementação das medidas, sendo invariavelmente um elemento da comunidade local o-a coordenador-a de cada projeto específico. A incompatibilidade neste campo das relações de poder e da construção dos processos de autonomia surgia por via da contradição que se verificava nos timings desenhados para as ações e as disponibilidades reais dos residentes do bairro para assegurarem, por eles próprios e ao ritmo compatível com as suas ocupações, as ações previstas.

 Estes três elementos de processo são apenas ilustrativos de algumas questões que se colocam neste tipo de programas nomeadamente a criação de condições para que alguns objetivos fundamentais sejam atingidos:

Facilitar e promover o Pode de Agir

1º O primeiro objetivo de toda e qualquer associação não-local ou estrutura de intervenção neste tipo de situação

é de assegurar que se torna dispensável no final do programa.

Para tal terá que ter um projeto preciso, dentro do programa,  de promoção do PODER DE AGIR das pessoas e das comunidades locais facilitando processos de autonomia e de auto-organização.

2º Os programas com financiamento público devem ser colocados à disposição das populações locais e devem ser avaliados localmente nas suas vertentes programáticas e financeiras. Uma total transparência deve ser assegurada e todos os elementos relativos aos projetos devem ser públicos.

3º O programa deve ser coordenado por uma Equipa mista que deve incorporar maioritariamente homens e mulheres do local.  

A relação das comunidades locais com o programa não deve ser de participação apenas, deve assumir um caráter de comprometimento e de co-responsabilização que necessita de ser traduzido numa co-gestão democrática e sistematicamente negociada.

4ª As funções de coordenação e animação nos projetos devem ser partilhadas e progressivamente colocadas na responsabilidade dos membros da comunidade local. As competências dos técnicos que intervêm neste tipo de programas devem ser avaliadas principalmente nesta vertente da construção de novas relações de poder no seio das equipas.

5º A batalha pela continuidade das ações que o programa lançou, quando ela se justifica, deve ser assumida pelos participantes naquelas ações em concreto e, ainda no decorrer do processo, serem levadas a cabo iniciativas nesse sentido.

6º As ações para serem viáveis e exequíveis têm que basear-se nas prioridades dos potenciais participantes. Nesses termos a ideia dominante deverá ser sempre resolver problemas imediatos com recursos de pequena escala e imediatamente mobilizáveis. Nesta linha de simplicidade e utilidade é possível assegurar processos de co-gestão e de governança geral participada.

Estes temas serão partilhados no âmbito da consulta pública a decorrer no Programa Bairros Saudáveis.

Carlos Ribeiro – 13 de setembro de 2020

Metam COVID-19 nas aprendizagens!

PR | 10-09-2020 | Educação de Adultos | EPALE

A máscara não se coloca nos olhos! Eleger a situação de pandemia como ponto fulcral das aprendizagens na educação de adultos.

Por que raio não é em torno das questões complexas e de difícil gestão, no plano pessoal, social e profissional, relacionadas com a pandemia de COVID-19 que se concretizam todas as aprendizagens na alfabetização e na educação não-formal e informal de adultos?

Podemos imaginar contexto de aprendizagem mais evidente e mais adequado para abordagens educativas, formativas e promotoras da cidadania que aquele que a pandemia de COVID-19 proporciona de forma espontânea e natural?

Outra abordagem pedagógica

Claro, todo e qualquer contexto de aprendizagem tem que resultar de processos de negociação e até de co-construção com os adultos envolvidos, mas está à vista que é preciso ADAPTAR URGENTEMENTE A ABORDAGEM PEDAGÓGICA a uma situação tão gravosa que condiciona e aflige as famílias, os cidadãos e os territórios locais no seu quotidiano.

Mas ao assumirmos simultaneamente que as dinâmicas da vida quotidiana podem constituir per si um quadro potencialmente relevante para as aprendizagens, podemos então combinar os acontecimentos da jornada do dia-a-dia com as ligações e com os riscos da COVID-19 desenhando um percurso de aprendizagem pragmático e claramente percetível por parte dos adultos.

Temas fulcrais

PODE, A PRÓPRIA PANDEMIA DE COVID-19 SER A BASE DE TODAS AS ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM, nas ações relacionadas com a educação de adultos?

O contrário é que é absurdo, adultos que estão a viver um período absolutamente extraordinário, dramático e de alto risco que são envolvidos em temas de aprendizagem impingidos à força, como se nada estivesse a acontecer na vida quotidiana de quem participa em processos de alfabetização ou qualificação.

Que temas emergem como evidentes? Três exemplos apenas:

O tema do “viver juntos”

A consciência da importância dos comportamentos solidários em matéria de prevenção sanitária constrói-se na compreensão e na apropriação dos mecanismos do contágio e das formas de o contrariar com pleno conhecimento de causa. A resposta coletiva, como é caso do confinamento, deve ser associada a outras realidades históricas e a processos gregários no plano antropológico e sociológico. A solidariedade salva vidas e reforça a capacidade dos coletivos.

Os temas da saúde.

Afinal porque se fala de grupos de risco? Quem são? Porque o são? O prórpio/ria pertence a esse grupo? Que iniciativas podem ser levadas a cabo para contrariar uma fragilização face a situações críticas de saúde pública.

O tema da alimentação

A reformulação dos processos de abastecimento dos alimentos-base e a necessidade de reequilibrar a composição das refeições, nomeadamente com o consumo de produtos locais e da época.

Educação de adultos e desenvolvimento social

Estas abordagens estão focadas no quotidiano e nas questões concretas que a pandemia coloca.

Mas pode ainda haver outra abordagem que radica na resposta a uma interrogação central do desenvolvimento social:

PODE A EDUCAÇÃO DE ADULTOS CONTRIBUIR PARA AJUDAR A COMBATER A PANDEMIA E A REFORÇAR AS COMUNIDADES LOCAIS?

Ou seja, estabelecer como finalidade das atividades de educação de adultos o seu contributo para a resolução de problemas da sociedade e a mobilização dos recursos locais para reforçar as comunidades e o sentido da vida em coletivo.

Carlos Ribeiro

EDUCAÇÃO |Nano-Manifesto. Coisas simples para fazer amanhã, na alfabetização

PR | 5 de setembro 2020 | DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO | Nano-Manifesto. Coisas simples para fazer amanhã, na alfabetização | Por Carlos Ribeiro

Estes dias internacionais servem sobretudo para proferir grandes declarações. Frases pomposas e afirmações de confiança no futuro.

Não se começa assim “no ano passado havia 750 milhões de jovens e adultos que não sabiam nem ler nem escrever e dois-terços eram mulheres. Este ano são 710 milhões e 60% são mulheres. Valeu a pena o Dia Internacional da Alfabetização do ano passado. E esperemos que os próximos anos também valham”.

Não. Não é isto que acontece. A conversa repete-se de ano para ano.

Então mais vale definir metas de pequena escala e de implementação simplificada.

É esse o objetivo deste Nano-Manifesto. Aqui vai:

Princípio geral

A prioridade é agir com os mais pobres, com os mais desfavorecidos e nos territórios mais necessitados.

Repete-se,

a prioridade é agir com os mais pobres, os mais desfavorecidos e nos territórios mais necessitados e, sendo os recursos do país limitados no investimento em educação, no mínimo 70% das verbas para a educação de adultos e alfabetização devem ser canalizadas para esta prioridade.

Princípios básicos para a implementação

Nada sobre nós sem nós!

Todas as instituições e profissionais que intervêm nos domínios da alfabetização assumem que os adultos que participam em ações de educação-formação passam a dispor de mecanismos de auto-organização e desta forma disporem de condições para integrar o sistema de governança da alfabetização nos seus territórios.

Só poderão aceder a fundos públicos instituições que comprovem ter instalado sistemas de auto-representação dos adultos aprendentes

Nunca é tarde para (decidir o que) aprender

Todo e qualquer adulto tem o direito de exigir que os contextos de aprendizagem no seu percurso formativo que sejam co-construídos com os animadores de educação-formação e estejam relacionados com as suas experiências e a sua vida quotidiana.

Está vedada a apresentação de programas obrigatórios e pré-definidos para formação de adultos nas atividades de alfabetização

Com artistas sociais as aprendizagens tornam-se efetivas

A arte de acompanhar os adultos aprendentes nos seus percursos de aprendizagem implica colocar o adulto no centro do processo e negociar permanentemente a sua progressão em função das suas prioridades. Desenhar contextos de aprendizagem e  cenarizar terrenos de aplicação e de experimentação requerem facilitadores em vez de professores e formadores que tendem a prescrever programas pré-definidos. Artistas sociais na educação, precisam-se!

30% das equipas pedagógicas desenvolvem competências de facilitação das aprendizagem e concretizam processos de RVCC nesse âmbito ao longo do ano.

Aprender para viver

A vida e as necessidades das comunidades locais são a matéria-prima fundamental das aprendizagens colaborativas

As tensões económicas, sociais, ambientais, culturais dos territórios e as abordagens ao seu desenvolvimento sustentável são um ponto de partida para o envolvimento dos adultos que recorrem às aprendizagens para reforçar a sua capacidade de compreensão e de intervenção na justa medida daquilo que cada um ou cada uma entender.

Uma causa local deve estar associada ao programa de ação de toda e qualquer estrutura de educação-formação, por opção dos adultos que participam nas suas atividades

Espaços partilhados de aprendizagem

As diversas entidades deste universo da educação permanente precisam de trabalhar em rede e tornarem-se permeáveis e acessíveis para todo e qualquer adulto que deseje participar em atividades educativas e formativas. Não se trata de encaminhar, trata-se de criar interseções operacionais entre as diversas instituições e estabelecer uma postura de fundo para todas sem exceção de funcionarem a partir das dinâmicas da procura e não na base da oferta e dos produtos estandardizados.

Uma atividade anual de cada instituição que age no universo da alfabetização deve realizar-se nas instalações e em parceria com uma das restantes entidades locais.

Princípio da inteligência coletiva

Sendo curtas e sintéticas as referências relacionadas com a mudança que importará dinamizar, para as aprofundar e para as operacionalizar, estabelece-se a figura da Comunidade de Aprendizagem e Inovação como modelo de auto-organização dos atores dos territórios interessados em melhorar e adaptar os processos de alfabetização e de educação-formação. Nestas diretores, professores, monitores, vereadores, técnicos ORVC, educadores sociais, voluntários, bibliotecários, adultos anteriormente envolvidos e outros poderão partilhar as suas experiências e opiniões e agir conjuntamente para tornar os seus territórios mais aprendentes.

  • Carlos Ribeiro
  • Caixa de Mitos – Agência para a Inovação Social
  • Embaixador EPALE para a Educação Não-formal e Informal

4 de setembro de 2020, Por ocasião do Dia Internacional da Alfabetização 2020 – 8 set| UNESCO