Da Nuvem e de Juno (e dos seus indesejados frutos…)

Artur José Vieira, 9 de abril de 2020

(Coordenador do Centro Qualifica do Agrupamento de Escolas Damião de Goes, Alenquer)

Trata-se de um texto de opinião; o seu conteúdo não vincula o Centro Qualifica nem, muito menos, a sua entidade promotora…

Conta a lenda grega – que chegou até hoje através dos romanos – que Íxion (o primeiro humano a assassinar um familiar, gente fina, já se vê…), após matar o sogro, foi acolhido no Olimpo pelo próprio Zeus e aí pretendeu conquistar a esposa do Pai dos deuses, Hera (rebatizada pelos romanos de Juno). Conta a tradição que Zeus lhe enviou uma nuvem, com a exata aparência de Hera, pela qual Íxion se perdeu de amores…

Um sol salvador

A analogia surgiu-me como evidente, ao acompanhar com entusiasmo e franco otimismo, os testemunhos de tanta gente, da rede Qualifica e da Educação de Adultos ao ensino formal de jovens e crianças: de repente, no meio da tragédia, mais do que a Luz ao fundo do túnel, um novo Sol que tudo cura e tudo salva: o Ensino a distância e as tecnologias e plataformas digitais. Eu incluído, claro está…

Desenrrascanço ou a sério?

Não estamos todos a «descobrir» o Ensino a distância (E@D): nem as Escolas, nem as Universidades, nem os Centros Qualifica. Estamos, muito lusamente, a «desenrascar», a usar procedimentos e meios de comunicação e interação a distância, contornando o isolamento forçado. Mas o ensino a distância não é exatamente isto que vemos agora: quando existe, e existe em alguns lados e muito bem feito, ele é um Modelo Pedagógico Integrado, com coerência entre objetivos e finalidades, currículos, metodologias, dispositivos de avaliação, organização de tempos, adequação aos públicos-alvo, enfim um modo coerente de organização do Ensino para um tipo específico de Aprendizagem. No caso dos processos de RVCC no quadro do Programa Qualifica, há ainda especificidades que tornam tudo um pouco mais complexo.

Na Ágora de Atenas

Algumas delas: na verdade, de um certo ponto de vista mais rigoroso, o RVCC não é, tipicamente, um processo de ensino-aprendizagem. É-o também, e deverá sê-lo: mas na verdade, em muitos aspetos, é quase o seu oposto. É um encontro entre dois mestres e, em simultâneo, dois discípulos. O processo de Reconhecimento é, por natureza, um diálogo entre «quase iguais»; mais adequado à intimidade e proximidade de um Sócrates (o Antigo: que irritação, a necessidade de esclarecer…), a subtileza da Ironia e da Maiêutica, fazendo nascer o caminho para a desocultação do aprendido (ao longo da Vida). Mais do que a simples tradução da linguagem de Um para a linguagem de Outro. Que seja este diálogo nos pórticos da Ágora de Atenas, aproveitando a frescura da sombra, ou à velocidade da luz, no mais updated gadget, é irrelevante. A nuvem é um simulacro. 

Mestre ourives ou formador turbinado

O mesmo da construção da narrativa (auto)biográfica: o trabalho meticuloso de alargar, aprofundar e enriquecer o seu conteúdo e construir o sentido (evidência da competência) requer muito mais da minúcia, paciência e precisão de um mestre ourives, adoçando e moldando o metal para produzir uma filigrana de sentidos e coerência, do que a elevada performance de um formador turbinado em inúmeras plataformas, ambientes e recursos digitais. O objeto do amor é Juno. A nuvem é bela, sedutora e, afinal, obra divina. Mas a amada é Hera.

Centauros, os frutos indesejados

Deixemo-nos, pois, seduzir, encantar, até mesmo apaixonar pela nuvem. Mas o nosso amor deverá ser todo para Juno. Senti um arrepio quando li: «A qualificação à distância de um clique!» – já passámos por isso.

Voltando à lenda: Íxion copulou com a nuvem e dessa união resultaram frutos indesejados, os Centauros, metade homens, metade cavalos. Símbolos da força bruta, insensata e cega. Nestes tempos de isolamentos e tragédias, tratemos de continuar a ser sensatos e clarividentes. E ativos, como felizmente estamos.

Editado, subtítulos, Carlos Ribeiro – Praça das Redes

Dispositivos de educação de adultos fecharam. Mas nós não!

Carlos Ribeiro | Praça das Redes | Caixa de Mitos 1 de Abril de 2020

É justo que se valorizem os professores.

Arregaçaram as mangas e mesmo sem orientações precisas das instituições supervisoras avançaram para o essencial no primeiro dia do encerramento das escolas: manter o contacto com os alunos e abrir novos canais de comunicação e de interacção com as turmas.

Como afirma Ana Água no Publico de hoje “A educação tinha de permanecer viva, mesmo a respirar debaixo de água”.

Isso mesmo a educação. E não apenas as escolas.

Mãos à obra

Em todo o território nacional foram centenas de profissionais da educação de adultos, dos Centros Qualifica, da Rede Valorizar nos Açores, nas associações dinamizadoras de processos de alfabetização e de outras entidades que trabalham na proximidade com adultos que meteram mãos à obra. Contactos por mail, telefonemas, envios de documentos pelo WhatsApp, autobiografias partilhadas no Drive, primeiras reuniões no Skype, sessões alargadas de equipa no ZOOM. Aconteceu tudo e mais alguma coisa. Um turbilhão de iniciativas e tarefas que envolveram praticamente toda a gente.

Estes são apenas uns casos ao acaso

Nos Açores arrancam novas turmas, novos grupos em ilhas diferentes, que irão funcionar a distância. Em Tomar concretiza-se um primeiro júri de certificação recorrendo ao Zoom, em Torres Vedras no RVCC Pro já se partilham vídeos para validação de UCs , em Setúbal os adultos apoiam-se uns aos outros e valorizam a nova situação e em Vila Verde quem já passou no processo de validação e está a aguardar pelo júri afirma que é mais um desafio a vencer. Estes são apenas uns casos ao acaso. Mas a energia que ressalta destas experiências concretas só confirma o potencial humano e de desenvolvimento da educação de adultos.

Vírus da amizade

E querem saber mais? Imaginem um Clube de Velhos Amigos. Gente que se encontra para a boa conversa uma vez por semana e que tece ligações de aprendizagem com amizade e boa disposição. Pois neste contexto, em Vila Nova de Poiares o clube foi apanhado pelo Vírus da Amizade, ou seja, não desistiram de se encontrar e continuam através de meios de comunicação a distância a contactar com iniciativas de educação-formação.

A adaptação está a decorrer com grande mérito, mas também com inúmeras dificuldades. É mais uma batalha entre as inúmeras que o país está a travar.

Mas porra, digam alguma coisa desta gente que faz das tripas coração para que “A educação permaneça viva, mesmo a respirar debaixo de água”.

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Cada coisa a seu tempo, mas tem que se olhar para o horizonte

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos | 23 de Março de 2020

Não se pode fazer tudo de uma só vez, sobretudo quando há tanta coisa para fazer. É pois razoável a implementação de estratégias gradualistas e seguras que garantam  a melhor forma possível para lidar com as mudanças em curso nos processos de aprendizagem.

Etelberto Costa, companheiro de processos de sensibilização e co construção em matéria de inovação na educação de adultos adiantava numa recente partilha de opiniões a ideia que face a pressão que se está a verificar para uma entrada em força nas soluções digitais de educação-formação que os actores desta mudança não deveriam “deixar-se enfeitiçar pelas tecnologias”. Depreendo que devam usá-las com audácia e criatividade, adaptando-as às necessidades de cada um e de cada grupo e assumindo a sua importância relativa e proporcional no processo complexo da aprendizagem.

Outro modelo

Isto porque esta mudança, se for apenas tecnológica, não resultará naquilo que é essencial, ou seja numa reformulação profunda dos sistemas de aprendizagem baseados no modelo taylorista para a educação e a formação.

Seguem-se apontamentos genéricos sobre alguns desafios que se colocam de imediato e para os quais impõe-se que exista uma aproximação gradual e consequentemente uma gestão individual adequada para os enfrentar e ultrapassar:

Aprendemos todos, uns com os outros

1º Da mesma forma que muitos professores,  formadores e outros animadores de aprendizagens estão a colocar abertamente aos seus pares, em grupos online de apoio e de entreajuda por exemplo no Facebook ou no WhatsApp, as dificuldades concretas que sentem na utilização dos meios digitais que estão a descobrir, deveriam admitir que os seus alunos ou formandos poderiam e deveriam usar o mesmo princípio da aprendizagem colaborativa e entre pares, para a matéria que irão tratar e desenvolver com os alunos. Ou seja, para além de uma abordagem pedagógica baseada nas metodologias participadas e de descoberta, fomentariam dinâmicas de inteligência colectiva e introduziriam mais-valias no processo de aprendizagem combinando abertura com regulação e sistematização das ideias e das experiências vividas por todos. Esta recente experiência do manuseamento dos novos meios tecnológicos pode favorecer uma ruptura positiva com a ideia do ensinar e favorecer uma abordagem mais integrada centrada no facilitar, no acompanhar e no sistematizar. 

Cuidar da vida comum

2º No arranque desta fase de rápida adaptação às novas modalidades de comunicação e de funcionamento foi necessário realizar uma avaliação dos recursos disponíveis e potencialmente utilizáveis por cada um dos membros do grupo de participantes. Compreende-se que numa primeira etapa a questão da continuidade das actividades fosse central. Mas agora e muito rapidamente o grupo precisa de CUIDAR das condições de participação de todos os seus membros. Quem tem computador, quem não tem, quem precisa de software, quem pode facilitar a todos a utilização de um equipamento de que dispõe. Essa deve ser uma tarefa de TODOS OS MEMBROS DO GRUPO. Cuidar de uma relação inclusiva não é matéria vaga e de frases bonitas. Trata-se de encontrar soluções, de ultrapassar barreiras e dificuldades e neste processo forjar uma cultura de SOLIDARIEDADE e de cooperação no seio do grupo. Os valores, que tantos apregoam como fundamentais nos processos educativos, não devem ser apenas matéria para aula e ou para exposição temática do professor ou professora. Devem ser o cimento da relação entre os grupos de aprendentes.

Os novos papéis na dinâmica colaborativa

3º As condições logísticas do funcionamento dos grupos de aprendizagem ou de processo de RVCC nas actuais circunstâncias obrigam a uma reformulação das interacções anteriores tendencialmente fortemente hierarquizadas e de sentido top-down por sistema.

Novos papéis podem ser assumidos nos grupos de forma partilhada e até rotativa.

A função de INFOR-HELP pode ser assumida por um formando ou um aluno com uma preparação elevada nos domínios do hardware e do software e que pode apoiar todos os outros, o formador ou professor inclusive. Se no grupo estas competências não existirem disponíveis, uma das tarefas do grupo é encontra alguém exterior ao grupo que de forma voluntária desempenhe esse papel determinante;

A função de NET-BIBLIOTECÁRIO pode ser desempenhada por alguém do grupo que organiza de forma regular toda a documentação temática associada às sessões, que a disponibiliza de forma dinâmica e que a reforça com sugestões próprias validadas pelo professor / formador;

A função REPÓRTER DIGITAL pode ser desempenhada por um pequeno grupo (dois, máximo três) que escreve e produz materiais multimédia para ilustrar as actividades formativas que são levadas a efeito. Esta informação reforça a identidade e a cultura de grupo e tem a dupla vantagem de sistematizar as principais ideias das aprendizagens em curso e em aprofundamento.

E outras funções existem e voltaremos a elas.

Por agora fazemos um caminho inverso ao copy.paste das actividades presenciais no universo digital porque pretendemos que esta nova oportunidade não seja principalmente tecnológica mas acima de tudo um reatar profundo da educação e da educação de adultos com o desenvolvimento das pessoas, das organizações e dos territórios.

Juntos

José Alberto Rio Fernandes, Professor Catedrático UP, Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos

Precisamos de nos afastar uns dos outros. Recomendam-nos que fiquemos em casa e, tendo de sair, que nos mantenhamos a uma distância de segurança. O resultado é desolador: as ruas e praças estão praticamente vazias e os equipamentos públicos fechados; não há pessoas nas esplanadas, nem nos jardins públicos e os turistas, que eram mais que os residentes, são agora raros, tendo até passado a ser vistos com estranheza.

MAIS JUNTOS QUE NUNCA
Todavia, estando nós afastados uns dos outros e alguns até completamente sós, é bom perceber-se que estamos, contudo, mais juntos que nunca.
Há insegurança no ar e é compreensível que alguns tendam a criticar (quase) tudo e todos, quaisquer que sejam as medidas, por serem poucas e tardias, ou em excesso. Todavia, importa confiar e, de forma geral, temos confiado nos políticos que nos dirigem, no governo, ou no nosso município – e obedecido!

PREOCUPAÇÃO COM A COLETIVIDADE

Além de reconhecermos a sua importância, importa-nos também a qualidade do serviço nacional de saúde e dos seus profissionais. E é excelente. Confiemos, pois! Porque não é este o tempo para o debate sem sentido, mas sim para o sentido de Estado e para a preocupação com a coletividade, para com os nossos mais próximos e todos os demais também, porque todos dependemos uns dos outros.

COMBATE À SOLIDÃO
Felizmente, por todo o lado há bons exemplos. É o caso de amigos, como o João, no Porto, que telefona a pessoas idosas e fala com os vizinhos, à distância, incentivando outros pelo facebook a mostrarem solidariedade e a serem gentis; ou da Inês que, em Braga, se disponibiliza a fazer compras a quem tenha necessidade de ficar em casa; ou ainda do José Carlos que, em Aveiro, criou uma rede virtual para combate à solidão que já tem mais de 7.000 seguidores. Três de muitos. Um abraço a eles. E a todos.
Estamos juntos!

Editado, texto original para subtítulo | Praça |CR

Que gente é esta?

Helder Costa, dramaturgo

Há dias ficámos – mais uma vez – perplexos e indignados com uma proposta do palhaço com chinó loiro dos States. Queria esse menino comprar a patente de uma vacina anti -vírus que estaria a ser estudada na Alemanha. Oferecia milhares de milhões de dólares para ficar dono e senhor e absoluta exclusividade dessa descoberta! Ou seja, abaixo o mundo, a baixo os outros, abaixo os aliados, etc.

SAUDADES DO AL CAPONE

Um verdadeiro Inimigo Público nº1 Começamos a ter saudades do AlCapone. Ironicamente, este assassino e Rei da “lei seca” foi apanhado porque não pagava impostos! Coisa que nunca acontecerá a esta lamentavel figura porque também não paga impostos, não apresenta despesas, etc. e nada lhe acontece. Pobres Estados Unidos! a célebrada grande democracia Mundial. Voltando ao negócio da vacina, o sr. Dietmar Hopp, dono do laboratório, não aceitou e declarou que a descoberta será para toda a gente.

LABORATÓRIOS E FUTEBOL 

Mas como é que o Americano conhecia o Alemão? Não sei, mas há uma hipótese. Esse senhor é proprietário também de um clube de futebol que ele dirige com discriminação económica para favorecer os accionistas. Acontece que as claques desse clube são de esquerda , contestatários , e calmamente sociais democratas que lutam contra essa gestão. Talvez o sr. Dietmar tenha decidido corrigir a sua péssima imagem com esta recusa do sinistro negócio desse Americano que seria talvez um velho compincha recrutado pelo Steve Bannon . Talvez.

A CHINA EM ACÇÃO

Mas há uma boa notícia. A China declarou que descobriu a vacina anti -vírus ( como já tinham descoberto para o ébola), e que será posta à disposição de toda a Humanidade. Ao mesmo tempo, está a oferecer máscaras, materiais e dinheiro para Itália e Espanha. Talvez não fosse mau que o nosso 1º Ministro pedisse esse auxílio à China. Espero que a digna e séria oposição tenha vergonha e não comece a falar em ditaduras ou em conflitos sino- soviético. Já chega de conversas para ajudar o tal Chega.

Editado, subtítulos da Praça|CR

Repensar a educação

Carlos Ribeiro

Tendencialmente o quadro sugerido para a educação ser repensada é a escola. O insucesso escolar, a resistência dos professores à mudança ou às mudanças, a tirania do método expositivo, os métodos participativos e a relação entre alunos e professores, a importância da valorização da diversidade, do reconhecimento de cada aluno como parte activa de um processo de aprendizagem, o papel dos pais e da família e dos modelos a serem seguidos, etc.

Na verdade tenho ideia que os grandes problemas da educação não estão nos métodos de ensino ou de aprendizagem. Esses são problemas reais mas não os fundamentais. A educação precisa de ser pensada na sua relação com o desenvolvimento e o que acontece é que o paradigma dominante é o do desenvolvimento “insustentável”. Importa antes de mais estabelecer qual é o papel da educação no desenvolvimento que desejamos promover e viabilizar. Não é por termos métodos mais participativos e mais colaborativos nos processos de aprendizagem que a lógica competitiva e de promoção social não- equitativa através da educação vai mudar. Poderá até ser uma via para camuflar de forma “simpática” a relação profundamente discriminatória que se forja nas salas de aula.
Como para os territórios fragilizados pelo despovoamento ditos de baixa densidade ou do interior, as medidas compensatórias ou de coesão deveriam existir na educação por forma a salvaguardar dinâmicas de progressão justas e compatíveis com um modelo social harmonioso e equilibrado.

Da mesma forma a relação dos alunos com os conhecimentos, os saberes técnicos e as atitudes positivas e até apaixonadas pelos processo educativos deveria ser construída em torno de referências úteis para as comunidades e consequentemente ligadas a acções relacionadas com o desenvolvimento sustentável.

Neste domínio o que predomina nas escolas é o faz-de-conta. Muita pintura verde, muita eco-qualquer coisa e pouco ou nada sobre a sustentabilidade e os verdadeiros desafios dos nossos tempos.

Outra educação é possível e claro, desejável!
Carlos Ribeiro

ABSTINÊNCIA SEXUAL

Helder Costa | Dramaturgo


Há muito tempo que os críticos e comentadores se lamentam da esterilidade inventiva da política. Mas chegou uma boa nova. Deu -se o ressurgimento de um partido da direita assumindo -se “sexy”- o que é uma aposta perigosa e audaciosa – e avançaram com uma ideia pouco definida sobre “abstinência sexual” . Que se trata de uma falsa novidade. 
Em 2004, George W Bush, o saudoso presidente dos USA, decidiu participar na luta internacional contra a sida. E ofereceu 5 mil milhões de dólares ( 4 mil e 200 milhões de Euros, 8 milhões e 200 mil contos), em programas de prevenção baseados na abstinência sexual!
Não sabemos se isso deu resultado, mas pensa -se que os seus conselheiros sugeriram contacto com o João Paulo II que aconselhou escolher Portugal como país piloto para essa experiência. Porquê? porque além de célebres qualidades genéticas dos indigenas (Obrigado VPV), têm uma manifestação anual de 500.000 para Fátima, garantia de êxito Universal quando essa multidão desfilar com camisolas e bandeirolas ” Sexo, nunca mais!”.
Proposta aceite, em Wall Street 2 empresas criaram imediatamente o creme ” Redusex”, para reduzir o tal orgão e facilitar a abstinência, e o produto foi lançado com uma canção do Michael “Tudo o que é pequenino é engraçadinho”.
Quanto a Portugal, sabe -se que nessa altura o governo era dirigido pelo revolucionário Durão Barroso em estágio antes de ir tratar da saúde da Europa para aterrar no merecido colo do patrão Goldman Sachs.
Trata -se de uma sugestão para esse novo partido “sexy”.
De nada.

HAVERÁ ALTERNATIVA À PRÁTICA ADQUIRIDA DAS REPROVAÇÕES?

Lucília Salgado, investigadora em Ciências da Educação, dirigente da APCEP – Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente                                                                                  

Gostei de ver, no Eixo do Mal, o problema das reprovações tratado fora da escola, com outra lógica: a da cidadania. Gostei de ouvir o Daniel Oliveira chamar “deprimente” à polémica que, sobre este tema, se desenrolou, a propósito do Programa do Governo. Triste é, para mim, a dicotomia “chumba”/não “chumba”, sem qualquer outra ponderação, que se verifica na maioria das práticas do sistema escolar, por vezes parecendo indiferentes  ao que acontece à criança que, com isso,  sofre. Gostei de ver colocada, pelo Daniel Oliveira, a questão de saber o que acontece a quem chumba. Na maior parte das vezes, “dá-se-lhe mais do mesmo”, mostrando-se o sistema indiferente à identificação e correção das causas que levaram à reprovação. 

A maioria das reprovações no Ensino Básico

Sabemos que haverá crianças, ou adolescentes, que terão alguma dificuldade, de ordem psicológica ou mesmo de motivação; sabemos que outras sofrem de problemas, mais ou menos graves, de ordem social ou familiar. Mas, o que os números mostram, e a sociologia da educação – que foi sendo retirada das escolas de formação de professores! – explica, é que  grande parte dos alunos que reprovam tem caraterísticas comuns, tendo na sua origem as baixas qualificações escolares dos pais. Como estas crianças não são menos dotadas do que outras, teremos de concordar que a oferta educativa lhes é inadequada.

A sociologia da educação, desde os anos 80, apresenta para este insucesso escolar precoce – surge nos primeiros anos de escolaridade – atribuições causais, primeiro de natureza sociocultural, seguidamente de origem socioinstitucional. É verdade que na origem estará algo de natureza sociocultural mas, aprofundando, encontramos a razão socioinstitucional: a escola não oferece as respostas adequadas. 

Um sistema educativo que se desresponsabiliza 

Pesquisando os fatores socioculturais, encontraremos, nas famílias dessas crianças, duas ordens de razões. Por um lado, ausência de literacia familiar: a prática da leitura e da escrita funcional não existe, o que não permite criar na criança a necessidade e a vontade de ler, não a leva a entender a sua funcionalidade – onde se lê, para que se lê, o que é ler… – nem a ir descobrindo como se organiza a escrita, quais as suas concetualizações. Quando a criança chega à escola, o “PA-PE-PI-PO-PU” não lhes diz nada e não lhe permite fazer os exercícios concetuais que levam à leitura. Mas o que é grave é que esta condição não conduz, apenas, a reprovações à partida. Por razões administrativas ou outras, estas crianças chegam mesmo aos 2º e 3º ciclos sem a competência de literacia estar adquirida. Isto é, não têm a capacidade de extrair o sentido de um texto escrito, necessário ao seu quotidiano (definição de Literacia). Ora, na escolaridade do Ensino Básico, esta competência é necessária, num quotidiano essencialmente letrado, onde é preciso estudar, responder a testes, ler enunciados de problemas. Digamos que não reprovam logo à partida, o sistema vai-as fazendo avançar sem o necessário conhecimento adquirido, até que acabam por reprovar e vir a engrossar os números da morbilidade escolar. 

Uma segunda razão, tem a ver com a ausência de consciência, na família, da importância da escola. Os pais terão para os filhos um projeto de vida, mas ele não passa, obrigatoriamente, pela sua escolarização. A maior parte das práticas escolares são, para eles, incompreensíveis e mesmo ao relacionarem-se com professores ou pessoas escolarizadas, dificilmente conseguem ser por eles esclarecidas. A título de exemplo: podem não saber se uma nota negativa é “bom” ou “mau” (no campo da saúde é normalmente “bom” um determinado exame acusar “negativo”!). A escolaridade obrigatória foi tardia em Portugal e só em 1975 foram criadas condições efetivas para todos frequentarem a escola. A cultura escolar ainda não entrou em todas as famílias. É, por vezes difícil, aos pais, motivar os filhos e orientá-los na complexidade do universo escolar. Com a reprovação destas crianças, também estamos a reproduzir e a acentuar esta cultura.  

Alternativas de natureza sistémica

É isto que faz diferentes estas crianças. Na escola, se não aprende, diz-se que a culpa é da família, que a escola não pode resolver os problemas da sociedade e… torna-se a criança vítima do seu próprio destino. O seu desenvolvimento fica afetado, podendo vir a acarretar outros problemas de inserção social. Mas, se olharmos para todo o sistema educativo, sabemos que esta situação não é fatal. Muita da investigação dos últimos anos tem elucidado este problema e encontrado algumas respostas. No entanto, nem todos estes novos conhecimentos chegam às escolas, aos professores.

Começando pela administração escolar, ter-se-ia de resolver a colocação e garantir, tanto quanto possível, a continuidade dos professores nas escolas. Não é possível, a uma criança de meio não letrado, aprender o que quer que seja com 3 ou 4 professores num ano. E é isto o que se passa em algumas turmas do interior do país e em zonas suburbanas. Será também necessário criar equipas multidisciplinares e habilitar o corpo docente com os conhecimentos necessários às intervenções adequadas. A prevenção parece ser fundamental. Talvez o recurso às tutorias merecesse a pena, nas situações mais difícieis. No entanto, desde o jardim-de-infância, poder-se-iam prosseguir estes objetivos: não se trata de ensinar a ler, mas de utilizar funcionalmente a leitura e a escrita na relação com as crianças e com as famílias. As crianças teriam oportunidade de ser interessadas na escrita e de aprender a descobri-la autonomamente, a saber como, onde, quando se utilizam estes meios e a ir desenvolvendo concetualizações acerca do ato de ler e escrever (psicogénese da leitura e da escrita). Indo mais longe, dever-se-ia começar este processo na creche, tornando até o livro o brinquedo preferido das crianças. Acompanhando este trabalho com a inserção dos familiares, cedo, nas práticas educativas, poder-se-ia encontrar um meio para levar a literacia para a família. Conhecemos boas experiências. 

O sistema educativo teria de chegar aos familiares destas crianças, muitos deles analfabetos – ou não andaram na escola ou foram já vítimas de insucesso – procurando responder às suas necessidades de aprendizagem, consideradas esta como um direito de cidadania. Numa investigação nacional em 2009 tivemos oportunidade de verificar que pais, que estavam em processos de educação de adultos adequados (RVCC) e que tinham, simultaneamente, filhos a frequentar o 1º Ciclo do Ensino Básico, desenvolveram a literacia familiar no contexto doméstico e adquiriram autoeficácia para intervir na escola dos filhos e apoiar as crianças. Se, em Portugal, estes processos fossem generalizados, reconhecidos e apoiados, poder-se-ia inserir esta perspetiva nos programas de combate ao insucesso escolar e todos ganhariam: as crianças, os adultos, a sociedade, o desenvolvimento do país. Será necessária uma abordagem sistémica, bem diferente do “chumba” ou “não chumba”.

Publicado no Jornal de Letras de 1 a 14 de Janeiro de 2020 pg. 5  

Foto: SIC, Eixo https://sicnoticias.pt/programas/eixodomaldo Mal

O bom gigante

Helder Costa, dramaturgo

Coimbra, 1962. Eu estudava na faculdade de Direito, estava na Secção Internacional da Associação Académica, escrevia na “ Via Latina” dirigida pelo meu colega José Carlos de Vasconcelos, vivia na República Pra – Kys-tão e também estava no Citac, grupo de teatro. Acabo de descrever a vida de muitos estudantes dessa época, fugindo à monotonia do ensino e tentando colaborar e enriquecer –se para  combater o regime fascista.

Entre esses muitos que se juntavam apareceu José Mário Branco, jovem do Porto que terminava o Liceu. Foi apanhado por uma razia da Pide e esteve preso em Peniche. Quando saiu , recusando a guerra Colonial, apanhou o combóio para Paris. Foi dos primeiros a praticar esse acto de recusa, seguido por muitos milhares de portugueses. Eu escapei dessa prisão porque não pertencia ao PCP, mas fui escolhido pela “prestimosa” instituição para ser o jovem estudante que iria reabrir a Companhia Disciplinar de Penamacor. Passados uns meses, o Bcg descobriu –me uma mancha num pulmão e fiquei isento do serviço militar. Deus, às vezes , não dorme.

Em Lisboa, continuei com a actividade Associativa, e com alguns amigos organizamos redes de apoio e fuga para refractários e desertores. A luta contra a guerra colonial era uma chave fundamental dessa juventude. Por se perceber que era uma guerra inútil que só existia para manter um regime moribundo, e porque os estudantes oriundos da Colónias – e nossos camaradas de luta – , tinham desaparecido para irem lutar pelos seus países. Entretanto, reorganizei o Cénico de Direito e começámos a ir ao Festival Mundial de Teatro Universitário em Nancy. Eu aproveitava para passar por Paris e uma vez o José Mário disse –me que estava a ficar interessado em trabalhar no campo Cultural e fundamentalmente na  Música.

Em 1967 fui obrigado a apanhar o tal combóio para Paris, no dia seguinte fui à “ Joie de Lire”, livraria de Maspero – ponto de encontro de revolucionários,  e encontrei o Zé Mário que me levou para sua casa, onde estive um mês e ouvi o início de “O soldadinho” e assisti a um concerto das suas canções em Francês na festa do “ L ‘Humanité”.

O seu trabalho musical nunca mais parou e participou em muitas sessões que eu fazia ao fim de semana em bairros de lata e foyers com o meu grupo “ Teatro Operário”. A amizade e a fraternidade foi –se desenvolvendo, e a seguir ao 25 de Abril os laços tornaram –se mais sólidos e eficazes. Tive a sorte de ser convidado para participar como dramaturgo e assistente de encenação no 1º espectáculo montado a seguir à data libertadora : “ Liberdade , Liberdade”.É evidente que teria de convidar o José Mário Branco para música, canções, e direcção do conjunto musical. Entretanto, ele tinha terminado o seu casamento e eu apresentei –lhe a Manuela de Freitas, minha amiga desde o Cénico e já actriz na Comuna. Foi um encontro feliz afectiva, artística e profissionalmente. E ele deu mais um salto em frente fazendo música e canções originais para “ A mãe” de Brecht, em vez de recorrer ao Kurt Weil.

No desenvolvimento das lutas políticas pós – 25 de Abril, eu abandonei a luta partidária e dediquei –me ao trabalho teatral na Barraca. Mas convidaram –me para dirigir a FAPIR – Frente da Artistas populares e intelectuais Revolucionários” que eu aceitei com a colaboração  do Zé Mário, Manuela, Raul Calado, Domingos e outros. Publicamos 2 revistas – O Boletim, dirigido por Jorge Serrão e “Resposta” por Luís Tavares, e entre outras iniciativas o Zé Mário fez o Festival Popular 25 de Abril no Porto em 1977. Em Lisboa, fizemos um Carnaval durante 4 dias na Fac de Letras, e principalmente o Dia mundial do Teatro- 27 de Março 1978 – com um desfile de 18 grupos de teatro em camionetas de caixa aberta para mostrar cenas e cenários — pela Avenida da Liberdade.

O percurso profissional do Zé Mário foi fascinante e transformou –o num nome Maior  da Cultura e Música Portuguesa e Internacional. Sempre capaz de correr com prazer atrás de riscos e invenções. Por isso, convidei –o a fazer canções e música para “ Gulliver”, minha adaptação de Swift. Foram 10 obras primas de que depois ele fez um disco. Onde estão “ Do que um homem é capaz” , e “Amor gigante” ,de que ele falou inventando uma bela metáfora : “para mim , a menina gigante era a Música, e como é que eu, um liliput, a podia enfrentar?”. Pois o que se pode dizer é que a Música/ menina Gigante teve muita sorte em lhe aparecer pela frente um Gigante, um Bom Gigante.

O Zé Mário teve sempre uma curiosa inquietação e mal –estar por não ser militante político mais activo. Por isso esteve na Udp, depois no Bloco e ainda tentou o “ Mudar de vida”. Sempre me convidou e pressionou para eu o acompanhar nessas tentativas, e eu sempre invoquei a minha falta de paciência para repetir intermináveis reuniões sobre tácticas e estratégias partidárias. E assumi que, nesse campo, só lutaria pela unidade das esquerdas. E disse –lhe muito seriamente que ele tinha de perceber que uma canção ou um concerto dele tinham muito mais efeito e importância que algumas tentativas políticas. 

E subitamente, veio a notícia horrível. Tu tinhas nos deixado. Um ataque brusco…coração?

Dor, raiva, sentimento de injustiça, porquê? Pobre Manuela, pobre família, pobres amigos.

Essa perplexidade, essas lágrimas correram em milhares de pessoas, o povo anónimo seguiu-te e cantou –te. Finalmente, Portugal mereceu – te.

Um beijo, querido irmão.

Teu Hélder

Foto TeleS

O ” Jornal de letras” convidou -me para escrever sobre o José Mário Branco. Decidi recordar factos que desenharam o nosso percurso cultural e político, para oferecer mais conhecimento sobre esses “anos de chumbo”, de luta e de esperança Utópica ( para continuar a andar, citando Galeano). Helder Costa

O MURO de BERLIM

Helder Costa , dramaturgo


Agora que estamos em grandes comemorações da queda do muro de Berlim, recordei uma entrevista enorme que dei ao jornal “O Diário” no dia 17 de Fevereiro de 1990…
Entre várias coisas, desmistificando a campanha Norte – Americana que a década de 1990 seria de Paz…!!!, disse
” A década de 90 será de guerra e não de Paz. Com a chegada do Leste a Oeste, o conflito é inevitável. Talvez o Ocidente tenha de criar um novo muro de Berlim para evitar infiltrações. O que não será mau, na medida em que, daqui a dez anos pode -se vender , a bom preço, bocados do muro com grafitis do Yves Saint- Laurent”
Tenho dito.

Foto do muro: Reuters/BBC