STCP

José Alberto Rio Fernandes, geógrafo, Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos

Governo, AMP, os 6 municípios do “núcleo duro” da AMP e a STCP assinaram, em tempo de férias e eleições à porta, um memorando para a transferência da STCP para o Município do Porto, que fica com 54% do capital, escolha de administrador e capacidade de definir as prioridades gerais do sistema. É certo que há nisto uma efetiva descentralização, o que só se pode aplaudir em país tão centralista. Mas também o ónus para os 6 dum investimento global que pode chegar aos 10M€/ano até 2023. Regista-se também, com natural agrado, um entendimento entre o Porto e todos os municípios que o rodeiam, coisa que não se via há muito. Mas, o essencial é mesmo o regresso do “portocentrismo”, com um município que representa pouco mais de 25% da população a controlar algo essencial para cerca de 1 milhão de pessoas, tendo por base um indicador que desvaloriza a distribuição geográfica das pessoas. Além disso, dá-se um golpe sério na credibilidade da AMP que, em assunto tão relevante e de tão clara dimensão supramunicipal, prescinde (em silêncio) de qualquer papel.

Como seria tão melhor para todos se tivesse sido reconhecida a importância da coesão territorial num espaço alargado e multimunicipal e envolvidas também as empresas privadas. Até porque, ao contrário do que se passa em Lisboa, sendo o concelho central tão pequeno, há muitos elementos essenciais à cidade alargada que estão da “parte de fora”, como porto, aeroporto, áreas empresariais, centros comerciais, estúdios de televisão e reservas naturais, e a rede de privados presta há muito serviço público.

Além de tudo, em matéria de coesão, não devia o Porto dar o exemplo que pede a Lisboa e ao centralismo?Pois é, a entrega da STCP ao Município do Porto (e aos outros, em minoria) não me parece uma boa ideia. Esperemos que esteja enganado.

A leste

José Alberto Rio Fernandes, geógrafo, professor catedrático UP, Presidente da Associação Portuguesa de Geografia

O aumento das condições de mobilidade tornou o mundo mais acessível. Contudo, há ainda no Norte quem nunca tenha ido ao Algarve e muitos no Grande Porto que não conhecem Miranda do Douro, ou Melgaço. Mas, o que é mais surpreendente, para mim pelo menos, é verificar que muitos não conhecem boa parte do concelho onde moram. No Porto, por exemplo, quantos já não terão estado em Londres e Paris e, todavia, não sabem onde fica na sua cidade o lugar da Granja, nem o nome de mais que uma ou duas ruas situadas a leste da VCI? Muitos!

Há um evidente efeito de barreira que se estabelece com o caminho de ferro e a Via de Cintura Interna. Há ainda, para quem mora a Oeste, a perceção de limite associada ao declive a leste da estação que leva até a que se pense que o espaço irrigado pelo Tinto e pelo Torto já não é Porto. Mas é!

Diz-se que o que não sabemos que existe, é como se não existisse! Ora, apesar de alguns esforços políticos e bons trabalhos de jornalismo, o extremo oriental permanece desconhecido da larga maioria. Deve ser isso que, no lugar da Granja não há passeios, se veja lixo nas bermas e se acumulem as silvas e canas a tapar o Rio Torto e a ponte sob a qual passa. Seria isto possível na Boavista, na Ribeira, ou na Foz? Não!

Deve ser por isso também que, quando se fala de habitação, haja referências ao turismo e ao imobiliário, mas se fale tão pouco da falta de condições de habitabilidade das casas na Granja, em Pego Negro, ou Pinheiro de Campanhã, e nem sequer se lembre as pessoas que vivem em barracas do lado “de lá” da Circunvalação, junto ao Bairro do Cerco do Porto. Que esquecida que anda a limpeza, entre parques e descarbonização, e que esquecido que anda o direito à habitação, entre negócios e prémios do imobiliário. Sobretudo a leste: do desenvolvimento!

Crónica publicada no JN, transcrita com autorização do autor