Valorizar a missão mediadora nos territórios, na educação de adultos

COMENTÁRIO PÓS-WEBINAR da Comunidade de Prática de 15 de junho 2021. Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos | EPALE

Não atender à diversidade de situações que existem nos territórios relacionadas com a panóplia de percursos de qualificação e com as mais variadas necessidades dos adultos em matéria de educação-formação é restringir o investimento público em dispositivos de apoio de base territorial a uma missão única e unilateral: recuperar os baixos níveis de escolaridade da população portuguesa que são consequência dos tempos do regime salazarista inimigo declarado da educação para todos e dos períodos crónicos de elevado abandono e insucesso escolar.

Educação de adultos e dinâmicas dos territórios

Para um país com recursos limitados e com profundas necessidades de ajustar as suas competências coletivas aos desafios de uma economia local mais verde, mais criativa, mais sustentável, mais relacionada com as dinâmicas do desenvolvimento local dos territórios, com temas como a comercialização de produtos locais em circuitos curtos, a ecoconstrução, o turismo sustentável, a produção local com incorporação de mais-valias de design e de bases identitárias locais, é um LUXO andar a tratar de recuperação e remediação fechando os olhos à realidade existente. Veja-se a dinâmica da Dieta Mediterrãnica no sul; as rotas turísticas naturais, a nova restauração baseada nos produtos locais; os espaços comerciais partilhados- as pop stores-, o turismo literário, a recuperação de património esquecido, as dinâmicas cidadãs locais…

Podem as políticas públicas de educação de adultos de um país alhearem-se disto tudo?

Será que isto pode continuar?

Podem os profissionais desta área de atuação sentir uma verdadeira realização profissional e viverem num sistema que não interage com as dinãmicas inovadoras e criativas dos territórios?

Podem os adultos que poderão sentir um novo impulso pelo valor das aprendizagens manterem-se afastados destas oportunidades?

Será legítimo negar ou excluir dos benefícios do financiamento publico em educação a esmagadora maioria dos adultos dos territórios em nome de uma missão que importa cumprir mas não eleger como única e até canabilizadora das energias locais para iniciativas de aprendizagem?

O financiamento e as políticas públicas

O que impede que haja equilíbrio e espírito de inclusão neste terreno de difícil gestão e de dinamização que inclui à partida as escolas, os diversos estabelecimentos de ensino , as bibliotecas?

A existência de uma estrutura cuja missão poderá ser a de uma plataforma de incentivo, de prática e de animação de processos educativos de base local que se articule com trabalho, cultura, cidadania ativa, animação digital e que estabeleça pontes com todas as entidades da educação-formação e de cultura e recreio locais, impõe-se!

Até agora foi sempre declarado pelos decisores, não há dinheiro para tudo e para esta tarefa de elevar os níveis de qualificação dos portugueses e de trabalhar fundamentalmente para a Certificação tem financiamento comunitário. Há dinheiro de Bruxelas para isto e é isso que se faz!

O que fazer?

Com o PRR e as verbas adicionais que serão colocadas à disposição de Portugal para educação-formação admitia-se que o argumento do dinheiro e de quem paga sairia enfraquecido. Mas não. O reforço orçamental é para aumentar o número de certificados!

Resta saber se as associações que existem neste campo sistematicamente secundarizado nas políticas públicas de desenvolvimento do país se vão manter silenciosas e a gerir pequenos projetos locais ou se admitem que a Grande Coligação pela Educação em Portugal terá que fazer-se com a educação de adultos e com os adultos portugueses e juntar as entidades representativas das Coletividades de Cultura e Recreio, as Universidades e Academias Seniores, o INATEL, os Clubes de Leitura, as Cooperativas Culturais, das Bibliotecas e assumir que a construção de territórios aprendentes carece de INVESTIMENTO PÚBLICO pelo menos igual ao das empresas e dos negócios

Existe um Programa de Valorização do Interior! Pois que avance um Programa de Valorização das Competências Coletivas, com Unidade de Missão, com fase-piloto, com financiamento intensivo e apoio do Conselho Nacional da Educação!

Impõe-se pois um serviço público de educação! Já não se trata de educação de adultos mas de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PAÍS!

Carlos Ribeiro, 21 de junho 2021

Dispositivos de educação de adultos fecharam. Mas nós não!

Carlos Ribeiro | Praça das Redes | Caixa de Mitos 1 de Abril de 2020

É justo que se valorizem os professores.

Arregaçaram as mangas e mesmo sem orientações precisas das instituições supervisoras avançaram para o essencial no primeiro dia do encerramento das escolas: manter o contacto com os alunos e abrir novos canais de comunicação e de interacção com as turmas.

Como afirma Ana Água no Publico de hoje “A educação tinha de permanecer viva, mesmo a respirar debaixo de água”.

Isso mesmo a educação. E não apenas as escolas.

Mãos à obra

Em todo o território nacional foram centenas de profissionais da educação de adultos, dos Centros Qualifica, da Rede Valorizar nos Açores, nas associações dinamizadoras de processos de alfabetização e de outras entidades que trabalham na proximidade com adultos que meteram mãos à obra. Contactos por mail, telefonemas, envios de documentos pelo WhatsApp, autobiografias partilhadas no Drive, primeiras reuniões no Skype, sessões alargadas de equipa no ZOOM. Aconteceu tudo e mais alguma coisa. Um turbilhão de iniciativas e tarefas que envolveram praticamente toda a gente.

Estes são apenas uns casos ao acaso

Nos Açores arrancam novas turmas, novos grupos em ilhas diferentes, que irão funcionar a distância. Em Tomar concretiza-se um primeiro júri de certificação recorrendo ao Zoom, em Torres Vedras no RVCC Pro já se partilham vídeos para validação de UCs , em Setúbal os adultos apoiam-se uns aos outros e valorizam a nova situação e em Vila Verde quem já passou no processo de validação e está a aguardar pelo júri afirma que é mais um desafio a vencer. Estes são apenas uns casos ao acaso. Mas a energia que ressalta destas experiências concretas só confirma o potencial humano e de desenvolvimento da educação de adultos.

Vírus da amizade

E querem saber mais? Imaginem um Clube de Velhos Amigos. Gente que se encontra para a boa conversa uma vez por semana e que tece ligações de aprendizagem com amizade e boa disposição. Pois neste contexto, em Vila Nova de Poiares o clube foi apanhado pelo Vírus da Amizade, ou seja, não desistiram de se encontrar e continuam através de meios de comunicação a distância a contactar com iniciativas de educação-formação.

A adaptação está a decorrer com grande mérito, mas também com inúmeras dificuldades. É mais uma batalha entre as inúmeras que o país está a travar.

Mas porra, digam alguma coisa desta gente que faz das tripas coração para que “A educação permaneça viva, mesmo a respirar debaixo de água”.

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Qualificar o Qualifica

Carlos Ribeiro / Caixa de Mitos

Pare, escute e olhe. Um resultado pode esconder um impacto indesejado.

Foram recentemente divulgados dados provenientes do MTSS sobre a execução dos últimos dois anos do Programa Qualifica que teve início em 2017 e para o qual foram estabelecidas metas até finais de 2020.

Balanço e reflexão

A intenção de apresentar um balanço para um período de actividade de dois anos é muito positiva e esta avaliação, a meio caminho, poderia até suscitar alguma reflexão sobre uma iniciativa que é da maior importância para o desenvolvimento do país e o bem-estar dos portugueses.

Tudo indica que o assunto foi tratado em círculo fechado e na base de dados meramente quantitativos, informações e estatísticas que permitiram aos responsáveis e protagonistas das acções levadas a efeito afirmar com grande satisfação: “missão cumprida! Estamos no bom caminho para atingir as metas apontadas para o final do Programa, ou seja, a inscrição de 600.000 adultos!” Para este efeito fizeram fé os 315.000 que foram registados nos 300 Centros Qualifica espalhados pelo país.

Qualificar é preciso

O relançamento de um Programa para os adultos portugueses terem acesso a dispositivos de educação e formação, outros que aqueles que integram o sistema formal de ensino e formação profissional, deve ser valorizado porque exprime uma política pública inclusiva visando alargar o campo de oportunidades a todos aqueles que não puderem, pelas mais variadas razões, concretizar o percurso de qualificação que poderiam e eventualmente desejariam, a seu tempo, ter realizado.

Nestes termos a organização de equipas e centros especializados para intervir nesse domínio específico constitui uma aposta plenamente justificada e o investimento de 200 milhões de euros, de fundos comunitários, um valor bem utilizado na educação e na qualificação.

Os conceitos, esses chatos que podem incomodar

Se nos ficarmos pela rama e à superfície deste processo necessariamente complexo poderemos partilhar da satisfação que os resultados anunciados provocam. Se entendermos que a matéria exige um pouco mais de profundidade teremos que adiantar algumas notas, sobre alguns conceitos-chave nomeadamente sobre as noções de resultado e de impacto e ainda sobre a relação deste quadro de actuação com o desenvolvimento sustentável.

Adiantamos de seguida algumas notas sobre mitos e utilizações enviesadas de conceitos estruturantes e comentamos algumas práticas que, eventualmente, poderiam melhorar.

Sacré Charlemagne!

Desde logo o slogan NUNCA É TARDE PARA APRENDER. A sua utilização como referência central radica na própria negação do sentido fundamental do programa. Porque o que se pretende em primeira instância é valorizar o que o ADULTO JÁ APRENDEU e em segundo lugar porque as aprendizagens realizam-se em todos os contextos de vida e NÃO PRINCIPALMENTE NOS CENTROS QUALIFICA. No fundo há aqui uma recuperação de uma ideia de fundo que é a do REGRESSO À ESCOLA. Ou seja, não seria demasiado tarde para regressar aos bancos da escola.

Importa resistir a essa tentação escolarizadora do sistema, resistência tanto mais difícil quanto a localização da grande maioria dos Centros ser nas escolas e o próprio ambiente condicionar as melhores intenções que possam existir de uma abertura do sistema ao não-formal e informal da aprendizagem.

O que é parcial é (pode ser) bom!

Uma segunda referência, que importa interpelar, consiste na dinâmica “certificadora” nos processos de RVCC. Sendo um processo de validação de adquiridos pela experiência, o mais natural do mundo, será que os adultos – candidatos a uma certificação vejam as suas competências validadas, as que corresponderem ao enunciado do Referencial de Competências, mas que o processo de certificação acabe por ser preenchido apenas parcialmente atendendo às competências demonstradas. É O MAIS NORMAL DO MUNDO e um adulto que vê validadas competências para TODAS AS ÁREAS EXIGÍVEIS para concluir o processo de certificação (que sabemos estabelece uma equivalência aos diplomas de base escolar e profissional) é no mínimo “empurrado” para algo que ele próprio não acredita e que o coloca numa situação auto-avaliativa de desvalorização do seu esforço e da sua dedicação. Prevalece, em muitas destas circunstâncias,  uma cumplicidade informal em torno de um objectivo meramente pragmático “obter um certificado” e desaparece o valor do desenvolvimento pessoal e simultaneamente o próprio valor social das competências que se diluem numa nova expressão da promoção social através de um diploma.

Ai! formação, formação!

Uma terceira referência prende-se com o mito da formação. Instalou-se a ideia que a formação, como processo participado e/ou assistido pelo adulto, desenvolve competências. Um equívoco dramático, que serve as estratégias “formalistas” da “caça às evidências” para justificar complementos formativos para os processos de certificação. Importa relembrar que estamos a lidar com COMPETÊNCIAS, ou seja, a demonstração na acção da capacidade de enfrentar e resolver situações problemáticas mobilizando conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas às situações concretas e contextualizadas.

A formação pode ser útil ou até profundamente inútil (muitas vezes, quando decorre em ambiente escolar, fortemente orientada pela figura professoral, aumenta o sentimento de impotência e reforça a necessidade de mobilização de recursos internos para desempenhar o papel de “formando”) mas não pode ser a base para validar competências, tout court.

Experiências com valor transformador

Uma quarta referência tem a ver com o quadro de participação nas actividades que são proporcionadas aos adultos. Predomina a lógica da OFERTA (o que temos para OFERECER aos “utentes/clientes”), sessões, visitas, formação…. A base de actuação poderia estar focada na organização de acções em torno de projectos orientados para a resolução de problemas dos próprios adultos participantes. E, cada um-a poder  encontrar nas ações em desenvolvimento algo que seja importante e prioritário para a sua própria vida. No centro do processo pedagógico/andragógico deveria estar a acção e a possibilidade de viver experiências com valor transformador.

Educação comunitária, para comunidades sustentáveis

Uma última referência relaciona-se com o esforço que importa realizar para integrar as dinâmicas dos Centros nos processos de Educação Comunitária local. A ligação às associações, aos clubes, aos grupos de teatro, às escolas de dança e de música torna-se essencial. A título de exemplo podem ser co-construídas peças colectivas de Teatro Comunitário e serem dinamizadas iniciativas concretas relacionadas com o desenvolvimento sustentável como a produção de artesanato a partir de objectos reciclados. A paixão pela aprendizagem, pela leitura, pela cooperação, pela partilha e pelo sentido de comunidade tem que ser incentivada. Caso contrário os Centros tornam-se lugares tristes e  acabam por imitar muitas das situações que os alunos mais jovens conhecem nas suas escolas “aborrecer-se de morte nas aulas” quando há tanto para aprender e viver, de forma entusiástica, na relação com o conhecimento.

600.000

600.000 até finais de 2020. Inscrições. Mas quantos processos de desenvolvimento pessoal e comunitário que acrescentam valor e que se inscrevem nas dinâmicas do desenvolvimento sustentável? Opção entre resultados sem (ou com pouco) impacto social ou impacto social através de resultados que importa atingir, para que o impacto seja efectivo.

Carlos Ribeiro, 18 de Abril de 2019

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