OPINIÃO |Agitar as águas da Educação para a Cidadania

PR | 04-09-2020 | José Carlos Mota, docente da Universidade de Aveiro

No discurso de 5 outubro de 2007, o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva desafiou os portugueses para «um novo olhar sobre a escola e o modelo escolar, construído à luz da ideia da inovação social».

Cavaco Silva defendeu, na altura, «a implementação de novas estratégias, conceitos e práticas», apelando ao envolvimento mais ativo e participante dos pais, das autarquias e da sociedade civil de forma a «promover um verdadeiro sentimento de comunidade em relação à escola e ao sucesso educativo» (RTP, 5/10/2007 – *1).

A formação cívica é essencial

Mais tarde, na alocução das comemorações do 25 de abril, Cavaco Silva alertou para o desinteresse dos jovens face à política. Numa sessão posterior com representantes de associações juvenis, referiu que «a formação cívica é essencial para a qualidade da democracia». Ouviu recomendações para que se «integrasse a formação cívica nos planos curriculares». A sugestão feita «unanimemente foi a de se promover a educação para a cidadania». No final da reunião que considerou muito importante, um verdadeiro «agitar das águas», prometeu dar conta das conclusões a todos os órgãos de soberania referindo que aquelas deviam «ser conhecidas por todos aqueles que se preocupam com a qualidade da nossa democracia e não se resignam à fatalidade» (JN, 13/05/2008 – *2).

Os jovens participam civicamente…desde que

As intervenções do Presidente tiveram eco e contribuíram, por exemplo, para inspirar a realização de um concurso escolar sob o tema «Cidades criativas – reflexão sobre o futuro das cidades portuguesas» (2007/08), desenvolvido no âmbito da Área de Projeto do 12.º ano (*3). O concurso teve uma inesperada adesão, mobilizando mais de 2.000 alunos e 275 professores de 130 municípios que ao longo de nove meses realizaram centenas de projetos num exercício prospetivo das suas vilas e cidades, resultado de uma forte comunhão de esforços entre escolas, famílias, autarquias e os agentes culturais, sociais e económicos locais, mostrando que os jovens participam civicamente desde que se criem as condições adequadas.

Apenas «19% dos jovens se dirigiu às urnas

Treze anos passados, apesar de muitas e meritórias iniciativas de promoção da Educação para a Cidadania (*4), o problema de fundo – o déficit de cidadania jovem – mantém-se. Por exemplo, nas últimas eleições apenas «19% dos jovens se dirigiu às urnas», já o último Eurobarómetro refere que «só 3% dos jovens portugueses admite estar absolutamente seguro da sua participação no próximo ato eleitoral» (*5), um sinal preocupante.

Cidadania ativa

Conscientes de que se trata de um problema global, várias organizações internacionais têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de colocar a Educação para a Cidadania no centro da ação política dos governos. As Nações Unidas, por exemplo, consagram-na na meta da Educação (4.7) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015) e a União Europeia conferiu-lhe importância como eixo principal da Estratégia para a Juventude (2010-2018), o que conduziu a que 2011 fosse considerado o Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa (*6).  

Cavaco promulgou

A nível nacional, a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), promulgada quando Cavaco Silva era primeiro ministro, fundamenta nos seus princípios gerais «a importância do sistema educativo português na formação de cidadãos e cidadãs livres, responsáveis, autónomo/as, solidário/as, que respeitam a outras pessoas e as suas ideias, capazes de intervir democraticamente na sociedade e de se empenharem na sua transformação progressiva». Recentemente, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017) recomendou «o reforço da implementação da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento em todos os níveis de educação e ensino».

Promover a participação

Num estudo realizado pela Comissão Europeia em 2017 (*7), foram analisados vários programas educativos europeus e concluiu-se que a educação para a cidadania está integrada nos currículos nacionais do ensino geral em todos os países. Reconhecendo a heterogeneidade de contextos, são referidas três grandes conclusões: a existência de modelos alternativos de formação, em alguns casos integrados noutras disciplinas; a necessidade de promover a participação dos alunos e encarregados de educação na governança da escola; e a importância de haver professores com formação especializada.

Escola é muito importante

A unidade curricular Educação para a Cidadania foi criada com o objetivo de «contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo» (*8).  Certamente que qualquer cidadão consciente deseja que estes princípios estejam presentes na formação dos jovens deste país. O trabalho da escola pode ser, nesse sentido, muito importante e útil. Certamente que há limitações na capacidade de alcançar aqueles objetivos, seja pela formação e motivação dos professores, seja pela maior ou menor cultura cívica instalada. É, pois, possível que haja aspetos menos conseguidos na lecionação ou práticas que possam, em alguns casos, desvirtuar os pressupostos para que foi criada. Contudo, é importante alguma ponderação na avaliação dos meios e dos resultados e ter o cuidado de «não deitar o bebé com a água do banho».

1 – Cavaco, novo olhar sobre a escola

2 – CavacoSilva – Roteiro pela participação

3 – Cidades criativas

4 – Promoção da educação para a Cidadania

5 – Participação eleitoral dos jovens

6 – Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa

7 – Estudo realizado pela Comissão Europeia em 2017

8 – Educação para a Cidadania

© foto José Carlos Mota

Quando os professores e formadores forem artistas sociais

Carlos Ribeiro | Praça das Redes | Coordenador e dinamizador da Caixa de Mitos, 11 de agosto 2020

A propósito das novas tecnologias nas escolas e nos dispositivos de educação-formação.

A invasão descontrolada e acrítica dos meios auxiliares de aprendizagem, principalmente os associados às tecnologias digitais, não facilitará a mudança que se espera e deseja na educação.Na inicial e na de adultos. Esta inversão nos meios poderá complicar e até camuflar os verdadeiros desafios que se colocam ao sistema, aos subsistemas e aos seus actores.

Ambientes pedagógicos

A reformulação dos ambientes pedagógicos que devem abandonar o modelo fabril/taylorista de forma radical e definitiva é sim questão relevante dos tempos que correm. Sem alteração do paradigma dominante não haverá progressão.

Artistas sociais

Espera-se que um modelo dominado pela liberdade e pelo enfoque no desenvolvimento humano de educação adopte como figura central a figura do “professor/pedagogo/artista social” cuja missão fundamental será “construir contextos de aprendizagem” em vez de “animar ou reproduzir conteúdos de manuais que condensam o conhecimento enciclopédico”.

Contextos de aprendizagem

Para cenarizar as aprendizagens todas as tecnologias são válidas, importa é que sejam mobilizadas, na sua diversidade, para qualificar e valorizar os contextos adoptados ou co-produzidos ou seja desenvolvidos com os próprios aprendentes.

Paixão pela educação

Os professores, os formadores os mediadores de aprendizagens não têm que ficar angustiados por terem que adoptar e assumir esta figura do pedagogo/artista social. Podem crer que a paixão pela educação resolve metade das dificuldades que podem emergir neste processo de transformação, que vale a pena viver!

Carlos Ribeiro

O vigarista-mor

@Praça das Redes | Helder Costa, Dramaturgo | Opinião

Não, o Trump não merece a palavra mentiroso; esta doce e branda designação que é usada para corrigir os “jogos” infantis. Neste caso, trata –se de um vigarista, ladrão, esclavagista e genocida.

A ultima jogada foi dizer que o Lincoln do partido Republicano é que tinha acabado com a escravatura. É verdade, mas a história é outra.Abraham Lincoln venceu as eleições presidenciais de 1860 defendendo o fim da escravatura. Em 4 de fevereiro de 1861, nasceu uma união política com sete estados do Sul dos Estados Unidos (Carolina do Sul, Alabama, Mississippi, Geórgia, Flórida, Texas e Louisiana), agrários e esclavagistas com o nome Confederação. Um mês depois, em 4 de março de 1861, Abraham Lincoln tornou-se o novo Presidente dos Estados Unidos , e então começou a guerra que durou de 1861 a 1865 e custou 750.000 mortos.A Confederação perdeu a guerra.

Lincoln confirmou o fim da escravatura. Mas a História não acaba aqui. Seis dias depois de tomar posse, foi assassinado. REPITO: 6 DIAS!A escravatura continuou nesses Estados do Sul e só começou a ceder relativamente durante as lutas dos anos 60, cem anos depois, com mortes e perseguições de que se salientam os irmãos Kennedy e Luther King.Mas o espírito e os ódios da Confederação continuam bem vivos e renasceram com o estímulo e apoio deste criminoso que mancha indelevelmente a bem frágil democracia Norte Americana

Optimismo e pessimismo

Por Helder Costa, dramaturgo | Opinião | 18 junho 2020

É fascinante ver a alegria indisfarçável com que o analista (ou His master voice) da Sic anuncia a inevitável bancarrota de Portugal (só faltam os Vampiros do Zeca).

E alegria, porquê? Porque essa gente sabe e cultiva más notícias – ou previsões, ou desejos -, para espalhar o Pessimismo. E com essa carga negativa, surgem o Medo, a Descrença, e as pessoas estando mais inseguras, são mais manipuláveis.

Recentemente surgiram umas vozes amaldiçoando o anátema dito “ marxismo cultural”. Pois, o Marx tem as costas largas, mas deixem o Homem em paz. Se querem perceber um pouco da História do pensamento progressista, podem começar pelo Demócrito, “ o Filósofo que ri”, Epicuro, “ O elogio da Loucura” de Erasmo, “Utopia” de Thomas More, mais recentemente “ O nome da rosa” de Umberto Ecco onde assassinatos num convento surgiam porque era preciso eliminar páginas que elogiavam a alegria num livro clássico…

Estas breves referências servem para referir o Optimismo como arma de transformação social e cultural. Curiosamente, surgem várias frases que tentam travar essa reacção Emocional…” “muito riso, pouco siso”, “são jovens, não pensam” ; o mais interessante é que esses comportamentos até têm a sua dose de verdade. E são mais frequentes nos jovens, mais afectivos, directos e de fácil indignação. E por isso, dispostos a arriscar nas lutas difíceis. Recordo os movimentos estudantis dos anos 60, surgiram quando se percebeu que o Pessimismo tinha sido o caldo cultural alicerce do nosso Fascismo de 48 anos. E a juventude dos “Capitães de Abril”, as várias lutas contra a guerra Colonial…

Fernando Pessoa escreveu “ se o coração pudesse pensar, parava” . Felizmente , o coração está bem vivo para nos insuflar de Optimismo, e também não se perde nada em pensar um bocadinho….

Termino com uma convicção : “ O Humor é a seiva do Revolucionário”

Assim vai todo o comércio local por água abaixo!

Carlos Ribeiro | Opinião | Praça das redes | 28 de Maio de 2020

O encerramento compulsivo dos estabelecimentos foi violento. Para um comerciante parar é morrer. Mesmo quando a loja está fechada, o comércio não para. Mas esta dose ligada ao confinamento foi demais. Agora a reabertura em condições de acesso muito limitadas coloca vários problemas. Mas, na verdade, os problemas sérios são outros. E esses é preciso ter a coragem de os enfrentar. No fundo é preciso colocar-nos do lado dos desafios e deixar a lógica dos problemas para trás.

Formação, pau para toda a colher

Andam alguns actores institucionais, autarquias, associações, etç,  a agitarem-se como baratas tontas com respostas milagrosas que não passam das velhas soluções, que nem no passado funcionaram e, por mil razões, não irão agora funcionar.

Qual é a aspirina tradicional que é oferecida aos comerciantes: formação. Formar os comerciantes é a grande descoberta, apoiá-los com técnicas de venda online, com marketing e vendas etc.

Vendas, a falsa solução

Francamente a criatividade é muito reduzida. O coelho da cartola é fraco. Mas não são tanto os meios, as soluções formativas, que constituem o problema em si. 

Na verdade a ideia-força que está associada às soluções proclamadas com grande alarido é a ideia que AS VENDAS devem ser a prioridade dos comerciantes para eles recuperarem dos seus prejuízos.

Sustentabilidade, um imperativo

E aí está! A velha opção de esconder o sol com uma peneira. Que fique claro, a prioridade dos comerciantes, neste momento é aproveitar a oportunidade para lançar um grande movimento de mudança de paradigma comercial e tratar seriamente algumas questões que já todos perceberam que são os DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE NO COMÉRCIO. Não o conceito de sustentabilidade que é utilizado de forma abusiva em substituição de rentabilidade. Sustentabilidade mesmo: a  combinação auto-regulada dos factores económicos,  ambientais e sociais através de sistemas de governança colaborativos.

Agir, com outro rumo

Não há volta a dar.  Urge estabelecer pontes essenciais entre o futuro do comércio local e os modos de vida que a pandemia COVID-19 veio despertar de forma categórica:

– o comércio de proximidade tem que acelerar a sua configuração unilateral actual para o multicanal;

– a capacidade competitiva das actividades comerciais está mais do lado da integração de recursos e das soluções logísticas do que das vendas;

– o consumidor como ele é visto na leitura convencional do comerciante, morreu. Só uma estratégia coerente de Consum´actor pode fornecer novos elementos para ser possível ajustar de forma quotidiana a acção comercial e  hábitos de compra tendencialmente em extinção;

– trabalhar na surpresa, na incerteza, nas remodelação dos cenários comerciais , com a introdução de Pop Up stores , de fusões de espaços comerciais temporários, etc…

Programa para novos horizontes

Bem, seria longa e exaustiva a base de um programa que verdadeiramente colocaria o comércio de proximidade numa rápida reformulação, dolorosa, mas com horizontes.

Como está ser tratado neste momento, por cirurgiões que operam de óculos escuros, a coisa vai dar buraco.

E o comércio e os comerciantes merecem melhor!

De sorriso nos olhos

José Alberto Rio Fernandes

A caminho do desconfinamento, vamos despertando para um “novo normal”. Andaremos alguns meses relativamente afastados uns dos outros, mas, ao mesmo tempo, seguimos juntos!
Teremos regras. Fala-se até de limitações no acesso à praia. Inimaginável! Todavia, compreensível. Ainda que pareça complicado, dada a extensão da nossa costa: 800km só na parte continental!

Preparar o regresso

É bom haver regras. E planeamento. Também nas cidades, preparando-as para o nosso regresso, em condições que promovam o afastamento, ou seja, o nosso bem-estar. Ainda que o essencial seja o civismo e nada substitua a capacidade de cada um de nós respeitar o espaço do outro e as indicações que o Governo, a DG de Saúde e a Câmara Municipal nos façam chegar.

Como contributo, modestíssimo, seguem sugestões a esse planeamento, a precisar de afinação e desenvolvimento:

Empregadores
– Os grandes empregadores (ou suas associações) poderiam, talvez, além de favorecerem o tele-trabalho (sempre que possível e de preferência parcial), alargar os horários de serviços essenciais e, em articulação entre si, coordenar horas de entrada e saída diferentes, fazendo com que as “horas de ponta” sejam “achatadas”, facilitando assim a possibilidade das pessoas não se juntarem nos transportes públicos, evitando também as filas de automóveis;

Municípios
– Os municípios poderiam definir sentidos únicos de circulação a pé nos passeios, sempre que sejam estreitos (como já vi fazer na Régua), reforçar a pedonização de ruas e considerar, já, um aumento significativo do espaço de estar e de repouso para as pessoas, em praças e jardins, sem esquecer a salvaguarda do espaço de passagem.
Mas, o que vai ser essencial mesmo? O nosso civismo! De máscara na boca e nariz e, se possível, de sorriso nos olhos!

José Alberto Rio Fernandes (JN 29Abril2020) – reprodução da crónica com autorização do autor.

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Nova porta de acesso para os trabalhadores-estudantes

Isabel Moio, TORVC Centro Qualifica do Agrupamento de Escolas de Pombal, Investigadora Doutorada Integrada do CEIS20-UC | GRUPOEDE | Editado CR|Praça das Redes | 22 de abril 2020

Os habituais pequenos grandes luxos da rotina foram-nos subtraídos num ápice. Sem nos dar tempo para estruturarmos adaptações que ainda não adivinhávamos. Estava instalada a incerteza, a insegurança, a dúvida. Ainda está. Enquanto trabalhadora-estudante, estava ciente de que também aqui seriam trilhados novos caminhos, para os quais a nossa cultura (ainda) não está formatada (nem preparada).

Alternativas de ensino-aprendizagem

Na Universidade de Coimbra, o despacho reitoral de 9 de março a informar a comunidade académica sobre a suspensão de todas as atividades letivas presenciais foi o passaporte para a edificação de alternativas de ensino-aprendizagem. Foi ainda, o anúncio para estudantes estrangeiros pegarem no seu passaporte real e nas suas malas para regressarem aos seus países de origem, onde também encontrariam uma novo dia-a-dia. As dinâmicas de vida estavam a sofrer mutações e o tempo estava desarrumado. Também ainda está.

Liberdade para conciliar as tarefas

Devido a horários e compromissos profissionais, mas também ao tempo das viagens (os contornos do Estatuto não são compatíveis com o tempo despendido em viagens, pois só nelas esgotar-se-iam as horas por lei permitidas para assistir a aulas), nunca me foi possível marcar presença nem em um quarto da componente letiva presencial. Nos novos moldes, tornou-se possível assistir a vídeos das aulas em horários que nos são mais favoráveis e temos uma maior liberdade para conciliar as tarefas académicas com as profissionais, sem que nenhuma seja prejudicada. Tal como ocorre nas espécies animais que estabelecem uma relação de mutualismo.

Relações interpessoais que se estreitam e fortalecem

Aulas que decorrem com naturalidade. Estudantes que têm intervenções pertinentes. Fóruns que provocam o sentido crítico. Solidariedade entre estudantes. Indiscutível (e ímpar) flexibilidade de um corpo docente que se desdobra em emails, vídeos, Zoom e aulas de dúvidas (que não constavam do horário académico, mas que atendem às necessidades de tod@s). Não foi do nada que se chegou a este patamar. Foram horas, dias e semanas de autoaprendizagem de ambas as partes: docentes e estudantes. Nunca foi tão fácil entrar em casas alheias e apesar do sabor agridoce disso, há relações interpessoais que se estreitam e fortalecem. Há palavras de solidariedade que chegam pela mesma via em que se reportam dúvidas e há retorno. Não, não estamos sós nem sozinhos.

Saldo positivo

Volvido um mês e meio, o saldo é(-me) francamente positivo, embora consciente de que o ensino-aprendizagem através de meios digitais não é equiparável à riqueza do contacto presencial (nem se poderiam comparar grandezas diferentes), por toda a experiência educativa transversal que proporciona.

Novas portas de acesso

Ao longo dos anos, tem aumentado o número de estudantes adultos não tradicionais no ensino superior. No entanto, não é importante apenas proporcionar-lhes uma porta de acesso, mas garantir também oportunidades de (maior) sucesso. Por isso, talvez esta seja uma das lições: a capacidade de, enquanto seres aprendentes, reinventarmo-nos e moldarmo-nos às condições que não está ao nosso alcance contrariar. E depois de a tempestade passar, quem sabe se esta não poderá precisamente ser uma das alternativas a considerar: garantir um regime não presencial que permita a trabalhadores-estudantes ter acesso à matéria-prima direta das aulas. Talvez seja o momento de também as Universidades se reinventarem.

Isabel Moio, TORVC Centro Qualifica do Agrupamento de Escolas de Pombal, Investigadora Doutorada Integrada do CEIS20-UC | GRUPOEDE

Confinamento, inclusão ou exclusão digital?

David LOPEZ Embaixador da EPALE em França “Educação Popular”, editado e traduzido por Carlos Ribeiro | Praça das Redes | 21 de Abri l2020

Desde 16 de março de 2020, quando todos os centros de formação escolas, escolas secundárias, universidades e espaços abertos ao público foram fechados, muito rapidamente os operadores de formação e os responsáveis ​​pela educação reorganizaram-se para divulgar através de meios digitais cursos, webinars e outras propostas nestes domínios.

1) ENCONTRAR SOLUÇÕES DIGITAIS IMEDIATAS… PARA MANTER AS PESSOAS LIGADAS

a) Educação formal

A ideia inicial era manter o contato, assegurar uma continuidade educativa. Não vou falar sobre escolas e do sistema de educação formal. Os professores tiveram que manter uma ligação ativa com os alunos para que eles “não perdessem” o contato com os programas. Esta situação revelou o que todos já sabiam. Há uma fratura entre vários setores da sociedade. As áreas rurais ou subúrbios desfavorecidos têm dificuldades de acesso a ferramentas digitais (problemas financeiros, culturais, espaço na habitação, cobertura da Internet, formação do utilizador). O próprio Ministro da Educação Nacional disse que entre 5 a 8% dos alunos “ficaram perdidos”. Sindicatos e profissionais acham que é muito mais.

b) Formação profissional e aprendizagem

Interessa-me particularmente a área da formação profissional e da Aprendizagem, o Ministério do Trabalho reagiu na semana seguinte criando uma página em seu site nacional.

O objetivo era fornecer ferramentas e recursos educativos para centros de formação e de Aprendizagem (centros dirigidos às pessoas que estão desempregadas, em reorientação vocacional ou na formação profissional inicial ou contínua). Três tipos de ferramentas foram disponibilizados “gratuitamente”, enquanto anteriormente alguns sites tinham acesso pago: a) soluções técnicas que permitem a disseminação de conteúdos e de atividades, (realizar cursos de formação e garantir as  relações pedagógicas a distância), b) recursos de ensino à distância acessíveis para os dispositivos de formação e c) recursos para centros de Aprendizagem.

Essas propostas surgiram como resposta para que  os objetivos de transformar a formação  presencial em formação a distância, tanto quanto possível, de adiar os cursos que não podem ser realizados a distância, de acabar com o acolhimento presencial do público e de limitar reuniões com presença física evitando as deslocações dos funcionários das suas empresas, fossem atingidos.

c) educação popular

Todas as associações que atuam com um público de jovens ou adultos, sejam culturais, de interesse geral, educação ou formação ao longo da vida reagiram muito rapidamente, a fim de disponibilizar informações e ferramentas relacionadas com o seu setor. As associações culturais pediram a seus membros que criassem imagens, textos, podcasts. Outros distribuíram recursos para aprender, para reagir. O acesso gratuito foi um elemento importante para o acesso mais aberto possível. Alguns exemplos:

Guide de survie des associations

Commenta parler du COVID-19 avec les enfants et les jeunes

Centre du graphisme

2) INCLUSÃO DIGITAL OU EXCLUSÃO?

Essa nova situação sem precedentes coloca várias questões. Fazemos como se todos estivessem conectados atrás dos écrãs e com um domínio perfeito das ferramentas. No entanto, sabemos que nesses períodos difíceis em que o encontro físico com o outro é quase impossível, uma exclusão de fato vai acontecer (territórios, classes sociais, diferenças de idade). A primeira pergunta é, portanto: “Como não deixar de fora uma grande parte dos franceses?” O acesso é uma resposta, mas também a formação para o domínio das ferramentas como utilizadores.

A segunda questão relaciona-se com as  pedagogias que foram implementadas. Desde março de 2020, as várias organizações estão a adaptar os conteúdos e os métodos para fazer a transição da formação presencial para o digital. No entanto, será necessário repensar as ferramentas digitais para formar e apoiar as pessoas de uma maneira diferente. Será necessário pensar em termos de conteúdo (eles serão os mesmos que os presenciais?), em termos de metodologias (duração das conexões, interação entre alunos e formadores), em termos de apoio (como encontrar uma resposta ativa e disponível para tratar perguntas deixadas em aberto? On-line? Off-line?)

CONCLUSÕES MUITO PROVISÓRIAS

A França, ao contrário de outros países, não está muito avançada nas aprendizagens em base digital, longe disso. Muitas vezes somos constrangidos por um modelo bastante padronizado de aprendizagem e de formação, focado no conteúdo e não no “aprender a aprender”. Se as novas pedagogias, que elas venham da educação formal, lazer educacional ou da formação profissional, têm mais de 150 anos em França, a sua tradução para a prática, em grande escala, praticamente não existe. Surgem aqui e ali experiências, maneiras de fazer as coisas e metodologias postas em prática.

O confinamento relacionado com o Coronavírus pode impulsionar um caminho para uma aprendizagem e formação digital. Mas isso deve ser feito de maneira inclusiva, para não criar novas pessoas excluídas: já havia territórios abandonados sem acesso ao digital, não devemos pois ter cidadãos abandonados e excluídos do digital.

Para fazer isso, na minha opinião, é necessário desmembrar os setores de educação e formação para aprender uns com os outros e criar juntos.

David LOPEZ Embaixador da EPALE em França “Educação Popular”, Presidente da Plataforma de Aprendizagem ao Longo da Vida (rede europeia) de 2011 a 2018, eleito para a Liga de Ensino Ille et Vilaine (França)

Metam a tecnologia na Eira

Carlos Ribeiro | Praça das Redes | Coordenador e dinamizador da Caixa de Mitos – Agência para a Inovação Social

Leio com alguma apreensão as propostas que estão a surgir de vários quadrantes, sobre a compra de tablets e computadores em grande escala para os alunos mais carenciados do sistema de ensino. Não porque discorde da sua aquisição e da necessidade de intervir face ao agravamento das desigualdades, mas antes porque constato que em vez de se aproveitar as actuais circunstâncias facilitadoras da  reformulação dos modelos dominantes de educação, pouco eficazes e eficientes e tendencialmente orientados para a descriminação social, está-se a dar cobertura voluntária ou involuntariamente ao que vai na cabeça dos educotayloristas que pretendem modernizar as cadeias de produção recorrendo à tecnologia para tornar a escola mais produtiva e mais competitiva.

Novos espaços de aprendizagem

Os novos espaços de aprendizagem, que estão a emergir em formatos muito diversificados nos diversos cantos do globo, são uma clara contra-corrente ao paradigma industrial dominante na educação e constituem uma fonte de esperança para libertar os processos educativos da sua relação castradora, porque unidireccionada, com a economia e o mundo dos negócios.

Uma educação para a liberdade

As abordagens flexíveis na utilização dos espaços e sobretudo nas metodologias de aprendizagem não constituem por si só um quadro de mudança do paradigma mas são um bom ponto de partida quando se tem uma perspectiva reformista dos sistemas. Devem pois coabitar e interagir com experiências inovadoras que oferecem de forma estrutural o que deve prevalecer na educação: a liberdade e a construção de um sentido individual e colectivo de vida.

Espaço-eira como pivot

Exemplificando, hoje os espaços comunitários e de partilha denominados de tiers-lieux ou third places noutras linguagens, que eu gosto de referir como sendo espaços-eira, combinam em áreas amplas e auto-organizadas pelas comunidades locais, trabalho, formação, iniciativas culturais, cinema, biblioteca, educação de adultos, hortas e produção artesanal, recriando ambientes colaborativos e de vida comunitária de proximidade. Estes espaços não se podem tornar nos polos agregadores de toda a vida comunitária local. Mas devem ser tão relevantes para a vida em comum como o são os Centros de Saúde, a Biblioteca, os espaços desportivos, as escola e todas as restantes infraestruturas centrais da vida local.

Cenários

Podemos imaginar num futuro próximo dois cenários para esta matéria da relação da tecnologia com a educação, não me debruçando especificamente sobre as actuais atribulações relacionadas com a aprendizagem acelerada das soluções tecnológicas que também estamos a acompanhar com especial interesse:

Cenário digital: escolas e salas de aula dominadas pelo digital, com uma intensificação dos processos de aprendizagem baseados nos conteúdos, nas disciplinas, nos saberes enciclopédicos, um intensificação dos TPC, estes agora realizados em computadores e tablets modernaços e híper acessíveis. Novos quadros electrónicos nas salas de aula, motivo para inaugurações e discursos dos autarcas locais, programas de intercâmbio Erasmus+ através do Zoom intensificando-se, a internet segura como tema para milhares de workshops dirigidos a professores, tests através do Google Forms ou do Survey Monkey tratados por aplicações baseadas na Inteligência artificial , enfim certificações que dão garantias às empresas do excelente domínio das ferramentas digitais…..

Cenário territórios capacitantes: uma nova relação com os espaços de aprendizagem, por princípio diversificados e relacionados com a vida nos territórios, mas também com uma visão global do mundo; uma abordagem integrada dos saberes, em grande medida tendo por ponto de partida as questões que se colocam a cada um, aos diversos grupos e às comunidades. A emergência de uma figura central dos processos pedagógicos e andragógicos, os facilitadores de aprendizagem. Uma reutilização e reapropriação do conceito de competência, na sua combinação criativa entres os diversos saberes, estruturando sentidos de vida e competências colectivas. Um assumir da incerteza, da dúvida, da interrogação permanente para aprender a viver o seu tempo, fomentar espírito crítico e produção colaborativa através de processos de inteligência colectiva. Uma clarificação, óbvia, do papel das tecnologias ligadas ao digital: serem apenas e só, apesar de muito importantes, uma ferramenta, entre outras, para educação focada na liberdade e no desenvolvimento sustentável dos territórios.

Concluindo, apoiar a aquisição de ferramentas tecnológicas que contrariem o fosso digital torna-se um imperativo, mas a sua valorização plena deve estar associada às iniciativas que farão do seu uso algo que dificulte ou até impeça que a reprodução e intensificação dos modelos educativos proto-tayloristas mais uma vez triunfem, se consolidem e com isso se perca mais uma oportunidade de não matar o futuro.

Carlos Ribeiro | 17 de Abril 2020

Haverá sempre um antes e um depois

Jorge Diogo Oliveira, Coordenador do Centro Qualifica da Profisousa, 15 de Abril 2020 | Edição Carlos Ribeiro | Praça das Redes.

O Centro Qualifica da Profisousa, em Paços de Ferreira, que desenvolve a sua intervenção territorial em todo o Tâmega Sousa, já interagia com os adultos da região através de meios de comunicação muito diversificados. Mas, como afirmou Jorge Oliveira recentemente a uma televisão local, “nessa fase tudo começava com uma relação presencial, só posteriormente realizávamos o acompanhamento a distância em várias modalidades. O nosso problema não é tanto dar continuidade aos adultos que já estão em processo ou formação, as dificuldades irão surgir com os novos participantes”.  E aqui está uma excelente problematização de um novo quadro de relacionamento que o Coordenador do Centro aqui nos apresenta.

Haverá sempre “um antes e um depois” do Covid-19 – é o que me ocorre quando reflito acerca das vicissitudes que vivemos hoje. Assim será também com o Centro Qualifica que coordeno e com todos os outros, com as nossas equipas, com o trabalho que desenvolvemos antes, durante e depois desta crise. Assim será com os formandos e formandas, que apostam, ou pretendem vir a apostar, no aumento das suas qualificações.

Experiência com emigrante

O Centro Qualifica da Profisousa procurou desde o início dar continuidade ao acompanhamento dos candidatos em processos de RVCC neste formato a distância, com o mesmo rigor e empenho com que sempre trabalhou. A transição fluiu com alguma naturalidade, pois já era habitual a troca de documentos, orientações e informações por via eletrónica. Também já estávamos a experienciar o acompanhamento a distância com uma candidata que emigrou. Contudo, era apenas uma experiência, que não tinha em vista a substituição de todo um processo.

Uma realidade diferente

Até então não havia algo que nos fizesse crer que seria assim do início até ao fim. Haveria de chegar sempre o dia em que nos reuniríamos, presencialmente, sem “tropeções” pela falta de sinal de internet, pela câmara que não funciona, pelo facto de o filho precisar do computador à mesma hora que a mãe, porque tem uma aula síncrona… Hoje, a realidade é diferente! Vivemos cada vez mais o momento presente, pois o futuro é incerto, prevalecendo a esperança que em breve tudo voltará ao “normal”.

Maior autonomia e responsabilização

Não obstante as dificuldades que a formação a distância possa apresentar, e embora surja para muitos apenas como uma resposta em tempos crise, o seu potencial é inegável e não estamos a fazer nada de novo: “a roda já foi inventada!” Esta experiência forçada poderá levar a uma mudança de paradigma e justificar ser uma alternativa a manter, para quem não tem tanta disponibilidade para se deslocar às entidades promotoras de formação, pois confere uma maior autonomia aos participantes, por um lado, e uma maior responsabilização sobre os processos que abraçam, por outro.

Complementaridade

É preciso, pois, muita disciplina de ambas as partes: do técnico/do formador e do formando. Na minha opinião, mas é só a minha opinião (a opinião de quem prefere o contexto de sala de formação), o espaço virtual não substitui nem pode substituir o espaço físico. Porém, convivo plenamente com a sua complementaridade, se de alguma forma for possível.

Trabalhar com a diversidade

Do ponto de vista de Isabel Amorim, TORVC no CQ da Profisousa, “o papel do técnico sempre se caracterizou por uma flexibilidade e plasticidade notáveis. Sabemos que trabalhamos com pessoas com pontos de partida, recursos, rotinas, disponibilidades e aspirações diversas. Como já vem sendo habitual, temos de adaptar e redirecionar a nossa ação e orientação no sentido de melhor correspondermos à situação que o momento exige, assim como às projeções de futuro dos nossos candidatos. A intervenção do TORVC deve, obviamente, manter a proximidade, a disponibilidade e a empatia para com o candidato que orienta”.

Isabel Amorim – TORVC

Empoderamento

E Isabel Amorim destaca “O empoderamento do candidato é muito importante, daí que devamos reforçar sempre a sua autonomia, para que possa aceder às ferramentas necessárias e se apropriar de forma significativa da construção do seu trabalho e da(s) mudança(s) que pretende para si. Estas premissas são mantidas, agora, obrigatoriamente, mediadas por outros meios e recursos mais tecnológicos.”

Acreditamos que neste esforço conjunto continuaremos a assegurar um trabalho de confiança, consistente e fidedigno no que toca à educação e formação de adultos.

Jorge Diogo de Oliveira

Coordenador do Centro Qualifica da Profisousa

15 de Abril de 2020