Europa em chamas


Não vou falar do incêndio de Notre Dame. Foi um acidente – dizem – e haverá a recuperação do monumento.
Quero falar de um mosteiro em Itália, dito COLLEPARDO, de um pequeno povoado de angélico nome Parisis.

Steve Bannon
Acontece que esse mosteiro já é a base de uma Escola- Universidade? onde Steve Bannon vai ensinar o nazismo, o populismo e como trabalhar com mentiras, falsidades e intrigas.
Este ex- Goldamn Sachs e conselheiro do Trump assumiu descaradamente que viria ressuscitar o nazi -fascismo por toda a Europa. E por aí anda impunemente reabilitando Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e outras figuras das trevas da II Guerra Mundial!

Ataque ao euro
Em 2014 deu uma conferência dentro do Vaticano…talvez o reaparecimento da múmia Benedito anunciando que a pedofilia e os abusos sexuais se devem ao Maio de 68!!!( tanto medo dessa data!!!), e a insistência sobre a escravatura a que a comunidade Europeia submete os países, e o ataque ao € uro clarifique o verdadeiro plano do imperialismo USA…atacar a Europa, liquidando a sua moeda e . se necessário fòr, criar guerras localizadas.
O que foi a destruição da Jugoeslávia? um ataque a um país forte que iria integrar a comunidade!
E o ódio ao €? a defesa total do dólar. Saddam Hussein e Kadaphi foram liquidados porque queriam abandonar o dólar.

Vigilância
Tudo isto implica uma enorme vigilância e mobilização para as eleições Europeias que estão a ser o alvo preferencial da actual campanha nazi.
Usarem a democracia para se infiltrarem, destruir o projecto do interior e…ainda por cima fazerem o sale boulot continuando a serem bem pagos..como Farage, Bolsonaro e outros capangas.
Basta de passividade. A defesa da PAZ exige mobilização e atenção permanentes.

Helder Costa, dramaturgo

Alfama (e Intendente)

José Alberto Rio Fernandes, Geógrafo, Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos

Surpreendi-me há dias em Alfama pela quantidade de gente que havia numa segunda-feira de março. Enquanto passava uma excursão em segway, uma senhora explicou-me que o seu café com uns 30m2 ia fechar apesar de pagar mil euros de aluguer mensal e o proprietário nem sequer discutia o valor futuro. Ao lado, duas vendedoras de ginja (com mesa aberta a um canto do largo) disseram que tudo ia bem. Mas, poucos metros adiante, na Rua de S. Pedro, a proprietária duma de muitas casas de petiscos (e ginjinhas) falava-me da ausência de residentes e da “morte da alma do bairro”. Acima, no Miradouro de Santa Luzia, havia filas para as fotos, na vizinhança dum parque com dezenas de tuctucs, cada um garantindo 200 euros por dia (disse-me o proprietário de quinze). Passados vários grupos de pessoas de auscultadores a ouvir guias, entramos no Bairro do Intendente, onde, em contraste, os estrangeiros com pequenos negócios são mais que os turistas. Mas aí, apesar do comércio popular, de restaurantes onde ainda se come barato e das vielas onde nem todos se atrevem a passar, os sinais de gentrificação são evidentes, nos anúncios em inglês a ginja, água e outras bebidas, ou pela reabilitação de imóveis, como na rua do Bemformoso, onde a Casa dos Amigos do Minho encerrou. Para (mais um) hotel, supõe-se.

“O mundo é feito de mudança”? Sim! De permanências também. O turismo é essencial à economia? Sim, apesar de haver muito mais além de turismo. Todavia, não desejando ninguém a ruína da cidade antiga, será desejável não haver mais do que T0 impróprios para famílias? E será bom para as cidades – e para o turismo – a concentração de visitantes em pequenas partes históricas de Lisboa e Porto, num país com tanto para ver, mas por onde estes apenas passam (quando passam)?

Esta crónica foi publicada no JN e aqui reproduzida com autorização do autor.

No regresso de Oslo

José Alberto Rio Fernandes, Professor catedrático e geógrafo. Presidente da Associação Portuguesa de Geografia

Se fosse tudo semelhante, o mundo seria muito desinteressante, é certo. Mas também é verdade que se todos os países fossem mais parecidos com a Noruega (clima aparte), ele seria significativamente melhor!

Veja-se o caso de Oslo, a capital. Não há grandes igrejas ou palácios, nem praças majestosas. Sobressai talvez a arquitetura criativa e a qualidade do espaço público na frente de água (que resultam de intervenção recente), a câmara municipal (de entrada livre) e o palácio real, no alto duma colina, amarelo e pequeno, sem qualquer proteção, senão dois guardas na frente e grades à volta do pequeno jardim das traseiras, onde vi umas crianças a brincar (netos dos reis, talvez).

A nova ópera não tem camarotes e ninguém incomoda a rainha na rua quando vai às compras, ou um ministro na sua bicicleta. Recompensam-se as profissões com menos candidatos: no início de carreira, um pescador ou picheleiro ganha mais que um médico, professor ou engenheiro. A relativa igualdade é notável também na saúde, no ensino, ou entre homens e mulheres, incluído o facto de nenhum homem ousar dar o assento a uma mulher, abrir-lhe uma porta, ou privilegiá-la de qualquer outra forma. O respeito pelo outro é tanto que o silêncio é a regra: há poucos carros e a maioria são elétricos; veem-se muitas pessoas na rua de auscultadores, todos falam pouco e de modo a serem ouvidos apenas por quem está mais próximo e, nos comboios, há até uma carruagem onde se requere silêncio absoluto. Não há ostentação, nem pobreza à vista, apesar de cerca de 25% da população da cidade ser composta de imigrantes.

Será isto o socialismo? Aproxima-se! De qualquer modo, antes de tudo, é o resultado de uma boa educação ao longo de gerações, na aprendizagem pelo respeito ao outro e da prioridade ao bem comum.

Crónica do autor no JN, reprodução autorizada pelo autor CR/ caixa de mitos

Une république réellement citoyenne!

Proposition déposée par Samuel Thirion dans le vrai débat (site des gilets jaunes)

Titre de la proposition : Pour une démocratie citoyenne permanente depuis les quartiers et villages jusqu’au niveau international

Description

La seule vraie démocratie est la démocratie directe organisée dans chaque lieu de vie. Cela peut prendre la forme d’assemblées citoyennes dans chaque commune, s’il s’agit d’une petite commune, ou au niveau de quartiers ou villages pour les communes plus grandes, de façon à permettre à TOUS les habitants d’y participer. Ces assemblées citoyennes gagneront à être formellement constituées, par exemple sous la forme d’une association de tous les habitants du lieu considéré. Elles peuvent se réunir par exemple une fois par mois, de façon à ce que chacun puisse y exprimer ses attentes et ses problèmes et qu’ils soient discutés collectivement pour trouver des solutions ensemble. C’est aussi le lieu de co-construction d’une vision partagée de la société que nous souhaitons et des politiques publiques que cela implique à d’autres niveaux. Les visions de chaque assemblée, sous forme d’une synthèse consensuelle des paroles de chacun (en respectant les principes de démocratie citoyenne – voir ci-dessous) peuvent être ensuite réunies dans des assemblées à des niveaux supérieurs (villes, arrondissements, départements, région, pays, etc). Pour que cela puisse se développer IL EST ESSENTIEL DE L’INSCRIRE DANS LE FONCTIONNEMENT DE LA REPUBLIQUE: Créer une république réellement citoyenne!

Principes de démocratie citoyenne :

  • Le respect des principes de démocratie directe : droit de parole égal pour tous, sans intermédiaire, libre expression de chacun par des questions ouvertes n’introduisant pas des réponses à priori, respect des temps de réflexion individuelle et collective.
  • Le principe de la représentativitéen s’assurant que tous ont eu l’occasion de participer, ou du moins toutes les catégories sociales, d’âge et de genre et la possibilité de le vérifier de manière transparente et accessible par tous.
  • Le principe de la traçabilité, permettant à chacun et à chaque groupe de voir comment sa parole a été prise en compte et se retrouve dans les synthèses. C’est un principe essentiel pour que la motivation à participer aille au-delà de la simple curiosité et ne se limite pas à ceux qui en ont le temps.

Bénéfices apportés

Ceci présenterait de multiples avantages:

1- Faire des synthèses des attentes et propositions des citoyens d’abord au niveau local puis ensuite aux niveaux supérieurs, évitant ainsi de faire une synthèse directement au niveau national comme cela se passe dans le grand débat, totalement dépendant d’algorithmes avec tous les inconvénients que cela présente.

2- Sortir de la verticalité pour une véritable horizontalité au plus proche des citoyens, porteuse de dynamiques de solidarité directement dans les lieux de vie.

3- Avoir une vraie légitimité pour interpeller les responsables politiques à différents niveaux puisque les visions partagées et synthèses seront construites à partir de la parole de tous. A terme les responsables politiques qui seront élus seront ceux qui sont le plus à même d’écouter et prendre en compte les attentes des citoyens.

4- Lancer un processus d’apprentissage de la démocratie citoyenne dans tous les lieux de vie, et permettre cet apprentissage dans les écoles.

5- L’existence formelle des assemblées de citoyens sous la forme d’associations d’habitants leur permettra de disposer de leurs propres moyens qui auront de ce fait le statut de biens communs. A termes ces bien communs pourront s’étendre à divers moyens de vie, gérés collectivement et mis à disposition de ceux qui en ont besoin le temps où ils en ont besoin.

A titre d’information cela existe déjà au Cap Vert (information non incluse dans la proposition)

Samuel Thirion, ex-perito do Conselho da Europa é um activista da democracia directa e do desenvolvimento local.

Os nazis irão perder a jogada

Quando aquela humanista invasão do Iraque para salvar o pobre povo do Hitler Saddam e ir buscar as tais armas de destruição maciça, fiquei preocupado com a intoxicação televisiva. E fui a Grandola jantar com a minha mãe…Mãe, o que acha da invasão do Iraque? – o que acho, oh Hélder, era o que faltava que eu admitisse que alguém viesse dar ordens na minha casa!  
Isto vem a propósito daquele boss gordo e careca de madeixa loira ao vento que só sabe falar em guerra para esconder as suas derrotas…sim, já perdeu a Síria, e vai continuar, de derrota em derrota até à implosão final. Basta que a dignidade patriótica supere a cobardia e a traição dessas Mafias vendidas. E nos USA, algo está a mexer como na Europa e pelo mundo que não tem direito à divulgação mediática. Movimentos feministas e juventude estão arregaçando as mangas. Os nazis irão perder a jogada.

Helder Costa, dramaturgo

“O Mercado precisa de amigos!”, por José Rafael Nascimento

Os amigos são para as ocasiões e a ocasião é agora: o Mercado Municipal de Abrantes precisa urgentemente de muitos e bons amigos! Dois factos devem ser conhecidos e ponderados pelos abrantinos: 1- A autarquia deliberou demolir o antigo edifício do Mercado Municipal e essa decisão é previsivelmente desastrosa; 2- A autarquia abrantina instalou o Mercado Municipal num edifício inadequado e essa decisão é comprovadamente desastrosa.

Mercado de Abrantes, anos ’30 | Foto: DR

Pode uma cidade – e um concelho – existir sem um bom Mercado Municipal?

Os resultados estão à vista: Abrantes não tem, ao contrário de muitas outras cidades (com quem está em concorrência), um mercado municipal genuíno e atractivo para clientes e turistas, o qual constitua simultaneamente uma forte referência e motivo de orgulho para os cidadãos que aqui nasceram ou habitam. Pode uma cidade – e um concelho – existir sem um bom Mercado Municipal? Poder, pode, mas não é a mesma coisa TER ou NÃO TER um mercado diário tradicional de frescos autêntico, identitário, atractivo e dinâmico. Ora, o que Abrantes tem nesta matéria são dois problemas: por um lado, o Mercado Municipal está instalado num edifício pós-modernista e estilisticamente rebuscado, considerado pela autarquia “um pequeno mercado a funcionar num espaço polivalente”, o qual não reúne características comerciais nem condições ambientais para o efeito e, por outro lado, a autarquia já tomou a decisão de demolir o antigo edifício, sem que se percebam claramente as vantagens, os benefícios ou mesmo a necessidade de o fazer, até porque já lhe tinha sido dado um destino apropriado que, incompreensivelmente, se esfumou (porquê?). Pelo contrário, o anterior edifício do mercado constitui uma referência mnemónica, geracional e comunitária dos abrantinos (à semelhança do que acontece noutras terras) e, a fazer fé em fontes credíveis, possui valor histórico patrimonial que merece ser preservado.

Operação Estratégica do PUA que aplica a sentença de morte ao antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes.


Evitar a transacção de mercadorias roubadas

A História do nosso Mercado Municipal começa há muitos, muitos anos. As feiras e mercados desenvolveram-se na Idade Média, pela necessidade de “promover a troca de produtos entre o homem do campo e o da cidade; eles representavam o ponto de contacto entre o consumidor e o produtor, o ponto onde se concentrou a vida mercanti­l de uma época em que a circulação de pessoas e mercadorias era dificultada pela falta de comunicação, pela pouca segurança das jornadas e pelo excesso de portagens e peagens” (Rau, 1983). Os mercados, semanais ou diários, surgiram para influenciar e regular a produção e o domínio dos campos pelas vilas na sua área de jurisdição, procurando assegurar o abastecimento entre muros e evitar a transacção de mercadorias roubadas. Eram designados por “açougues” (reuniões diárias onde se vendia carne, peixe, hortaliça, azeite e outros) e supervisados por “almotacés” (inspectores de pesos e medidas que fixavam os preços dos géneros). As feiras, por sua vez, eram o ponto de troca, uma ou duas vezes por ano, entre mercadores de profissão onde a transacção por grosso procurava atrair o maior número de pessoas e produtos de qualquer proveniência. Abrantes, que à época sofria a concorrência de outros núcleos urbanos como Alter do Chão, Sardoal e Constância, afirmou-se como um ponto nevrálgico de comércio devido à sua localização geográfica e parece ter tido pela primeira vez a sua feira numa época anterior a 1379 (Vilar, 1988).

O “novo mercado coberto” de Abrantes

Segundo Campos (1989), o comércio local e regional em Abrantes realizava-se em três locais principais: no antigo Rossio (actual Praça da República), no Largo Visconde de Abrançalha (actual Largo da Ferraria) e no Largo de Santo António (aqui realizava-se o mercado mensal de gados e quinquilharias). Tentativas das gentes de Alvega e do Rossio ao Sul do Tejo de organizarem ou desenvolverem os seus mercados foram travadas pelas autoridades camarárias, sob o pretexto de virem a prejudicar o comércio realizado no centro de Abrantes. No início dos anos 30 do Século XX é construído o “novo mercado coberto” de Abrantes, obra da responsabilidade do Engenheiro Bernardo Ernesto Moniz da Maia. A localização foi polémica, mas prevaleceram os argumentos de “abundante iluminação solar do espaço, absolutamente livre e afastado de outras construções estranhas, e o fácil escoamento das águas e dos detritos, abrindo-se horizontes para uma nova ampliação citadina”. Para além da sua principal finalidade – mercado diário de frescos – admitiu-se desde sempre a possibilidade de o mesmo poder ser usado para outros fins, designadamente de natureza social ou cultural, o que é confirmado pela realização de um festival do Grémio Instrução Musical de Abrantes, um ano e pouco após a sua abertura.

Ao som da Banda do Grémio Instrução Musical

A inauguração do “novo mercado coberto”, a que hoje chamamos o antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes, ocorreu há 86 anos, a 1 de Janeiro de 1933 (um Domingo). Tinha como objectivo “acabar com esses antiquados mercados que, ao ar livre, se realizavam diariamente na Praça Raimundo Soares e na chamada Praça do Peixe, à Ferraria”. A imprensa da época assinalou a efeméride, dando conta do “muito povo que aclamava a Pátria, a República, a Ditadura e o Dr. Oliveira Salazar”, bem como as entidades oficiais e convidados presentes. O então presidente da Câmara Dr. Martins de Carvalho abriu o portão do mercado ao som da Banda do Grémio Instrução Musical, a que se seguiu um breve discurso no qual refutou as acusações de utilização de fundos das freguesias para a construção do mercado, justificando as críticas de má escolha do local com a necessidade de “ocultar às pessoas que nos visitam o espectáculo pouco interessante de, logo à entrada da cidade, depararem com um amontoado de carroças, lixo e outras imundícies que só depunham em desabono do nosso Município”. Prometeu, depois, o embelezamento desta entrada da cidade, com a expropriação de terrenos para a construção de uma ampla avenida, de casas baratas para operários e de um campo de jogos desportivos, assim como para a instalação da chamada Feira de S. Matias.

A banda do Grémio Instrução Musical, acompanhada por populares, na inauguração do novo mercado coberto de Abrantes (1933).

Encerramento do mercado por ordem da ASAE

A construção deste edifício não foi isenta de dificuldades técnicas, tendo as mesmas sido resolvidas antes da inauguração do mercado coberto, com os necessários reforços estruturais. Foi também acrescentada uma cavalariça nos terrenos anexos ao mercado, para a guarda dos animais de transporte de géneros. Em 1946 foi suscitada a reparação e ampliação do mercado, bem como a alteração das fachadas e a protecção das montras e portas envidraçadas exteriores. Os responsáveis pelo projecto, já em 1948, foram os conceituados Arquitecto António Varela e Engenheiro Jorge de Sena, coadjuvados pelo Desenhador Manuel Rodrigues. A obra foi adjudicada em 1949 à Construtora Abrantina e recepcionada provisoriamente em 1951 (definitivamente um ano mais tarde). O Arq. António Varela introduziu o seu traço modernista no projecto fundador do Engenheiro Moniz da Maia, “conferindo uma expressão mais geométrica e abstracta a estes pequenos equipamentos públicos de província”, ao mesmo tempo que reforçava a estrutura interior composta por pilares e vigas em betão armado. Em 1956 foram realizadas obras no sistema de cobertura e aplicado revestimento (lambrim) com azulejo branco, e em 1967 procedeu-se à vedação do alçado norte do Mercado Municipal de Abrantes. Já em Democracia, foram electrificadas em 1978 as instalações sanitárias e em 1984 foi aprovada a adaptação de um anexo do mercado a Posto de Artesanato. Entretanto, a decisão de construção de um novo Mercado Municipal vinha sendo ponderada desde 1981, devido à crescente degradação e desadequação das condições higiénico-sanitárias e regulamentares (a autarquia não via?), ocorrendo em Março de 2010 o encerramento do mercado por ordem da ASAE.

Antigas oficinas da Rodoviária do Tejo

“Em 2010, numa manhã muito cedo, fui surpreendida com um problema sério: a ASAE tinha acabado de encerrar o Mercado Municipal. Não sabia muito bem o que fazer com este menino que me tinha caído nas mãos, mas tínhamos a responsabilidade de criar condições para que os comerciantes pudessem continuar a exercer a sua actividade e trabalhámos, com eles, numa solução”, afirmou a presidente da Câmara Municipal de Abrantes, sem explicar a razão da “surpresa”. Os vendedores foram instalados em dois locais distintos da cidade – no edifício S. Domingos (240 m2) e na R. Luís de Camões (130 m2) – adquiridos e adaptados pela autarquia por cerca de 400 mil euros. No mesmo ano, foi apressadamente elaborado e aprovado o projecto das novas instalações do Mercado Municipal de Abrantes (da autoria da ARX Portugal, Arquitectos José Mateus e Nuno Mateus), localizadas no espaço das antigas oficinas da Rodoviária do Tejo. As obras, previstas para durarem até 2013 (em 2010 previa-se apenas 1 ano), sofreram um atraso de dois anos e, no dia 25 de Abril de 2015, foi inaugurado o novo edifício do Mercado Municipal de Abrantes, ao qual foi agregado um posto de turismo baptizado de “Welcome Center”. O estilizado empreendimento, com 1.280 m2, custou mais de 1,5 milhões de euros (inicialmente previa-se 1 milhão de euros), montante co-financiado por fundos europeus, e conta com 30 bancas e outros equipamentos comerciais e auxiliares distribuídos por 5 pisos (!), com elevador interno e escada exterior coberta ligando o Largo 1º de Maio e a Rua de Nossa Senhora da Conceição. “Um lote extraordinariamente estreito para o programa em causa – que normalmente se organiza ‘ao baixo’ e que foi preciso encaixar em vários andares –, o qual marca decisivamente o projecto desenhado”, reconhecem os próprios projectistas no seu portal online, como que adivinhando e justificando o desastre comercial e social que é hoje o espaço do nosso disfuncional mercado, rejeitado por clientes e comerciantes, apesar das panaceias sabatinas que a autarquia se esforça por receitar sob a forma de workshopsculinários e nutricionistas. “Havia uma solução, voltar ao antigo mercado, era plano e amplo, muito melhor que isto, que não tem jeito nenhum” diz quem está no mercado, para acrescentar “os clientes são idosos que vivem no centro de Abrantes, não andam a subir e a descer escadas”.

Instalações actuais do paradoxal e problemático Mercado Municipal de Abrantes, caracterizado pela presidente da Câmara como “um pequeno mercado que funciona num espaço polivalente”.

Mercado criativo

Entretanto, em 2011, o edifício encerrado pela ASAE foi convertido num espaço de artes e ofícios designado por “Mercado Criativo”, sendo apresentado como “uma lufada de ar fresco no centro da cidade de Abrantes” e “um novo conceito que permite criar condições para o desenvolvimento da economia local, numa lógica do fomento do empreendedorismo com base na criatividade”. Foi inaugurado com pompa e circunstância no Dia da Cidade, tendo estado presente o Ministro da Agricultura. “É um espaço onde se vai poder assistir a um concerto de guitarra, ao lançamento de um livro, saborear um copo de vinho ou provar um cubo de marmelada. Esperamos que os nossos jovens gostem do que vão encontrar e se entusiasmem até para criar o seu próprio posto de trabalho naquele espaço”, anunciou na altura a presidente da Câmara Municipal, acrescentando que o espaço iria estar aberto todos os dias, a partir da tarde, destinando-se a jovens empresários e criativos que quisessem aproveitar o espaço para divulgar os seus produtos ou serviços. Considerando-o “uma marca do seu mandato” onde gastou uns milhares de euros numa esplanada e em novos sanitários e equipamentos para tornar o “espaço acolhedor mas mantendo as suas características”, esta iniciativa borregou ao fim de cinco anos, sem que fossem esclarecidos os motivos da enigmática desistência (em 2015 e 2016, a Feira de Doçaria parecia ali funcionar sem problemas de maior). Desapareceram do local o ateliê de pintura da artista plástica Susana Rosa, as criações de designers portugueses representadas por Ana Sousa Dias, da Alma Lusa, e a Praça dos Sabores da Tagus – Ribatejo Interior, entre outros, esfumando-se a promessa de Maria do Céu Albuquerque de “devolver à cidade um espaço que durante oito décadas funcionou como mercado municipal e que faz parte do imaginário dos abrantinos” (já não faz?!).

Petição pública

Em 29 de Setembro de 2016, numa sessão tumultuosa em que a presidente da Câmara foi acusada pela bancada do PSD de “prepotência, teimosia, capricho e desrespeito” e de “cometer sucessivos atentados contra a identidade da cidade e do património dos abrantinos”, a Assembleia Municipal de Abrantes (de maioria PS) deliberou, com 20 votos a favor, 8 contra (5 PSD, 2 PS e 1 BE) e 2 abstenções (1 CDS e 1 PSD), aprovar a Revisão do Plano de Urbanização de Abrantes (PUA). Nesta revisão do PUA, foi aprovada a “operação estratégica” de demolição e substituição do edifício do Mercado por edifício-fronteira miradouro entre o Vale da Fontinha e a Avenida 25 de Abril, com o objectivo de criar uma entrada qualificada e perceptível no centro histórico, valorizar a relação deste com o Vale da Fontinha, alargar e qualificar o espaço público e pedonal, e garantir fácil circulação automóvel com velocidade reduzida. Pretende-se, para o efeito, levar a cabo uma operação urbanística integrada de iniciativa municipal no valor previsto de 2.981.280 euros, com possível associação de parceiro investidor privado, recomendando-se a realização de um concurso de ideias. Opondo-se a esta decisão e qualificando-a de “atentado irreparável ao património e à alma abrantina, insensível e insensato”, os cidadãos António Cartaxo e António Castelbranco lançaram em Dezembro de 2016 a petição pública “Não à demolição do histórico Mercado Diário de Abrantes! Não à destruição da alma abrantina!”, apelando à autarquia para mudar o seu propósito e apostar na requalificação do edifício, considerando-o um “espaço nobre de comércio e de interacção entre as gentes de Abrantes, marco cultural, patrimonial e histórico que robustece o sentimento de identidade local, merecedor de um carinho inegável da população”.

Contra a demolição do antigo edifício do Mercado

A petição, que até ao presente recolheu mais de 750 assinaturas (continua online), foi apreciada na sessão de 6 de Abril de 2018 da Assembleia Municipal de Abrantes, tendo sido chumbada pela maioria PS na sessão de 20 de Abril, com o argumento de que o antigo edifício do mercado constitui “um entrave à entrada na cidade e sem grande valor histórico ou arquitectónico” (!), apesar da tentativa da oposição de reverter a decisão de demolição do antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes. O PSD defendeu a “revisão do PUA, expurgando-o dessa previsão […] e dando à comunidade abrantina a hipótese de apresentar propostas de requalificação do imóvel correspondente ao antigo mercado diário, tendo sempre em atenção que tais propostas não podem alterar a traça do edifício e eliminar os seus elementos identitários”. Mais acrescentou que “a comunidade abrantina ficará mais bem servida se este histórico imóvel voltar a ser afecto às suas funções iniciais, ou seja, acolher o mercado diário de Abrantes”. Por sua vez, o BE alertou para a “histórica responsabilidade de evitar um desastre irreparável”, o movimento autárquico independente de Rio de Moinhos (MIFRM) lembrou que “na política tem de haver a coragem de assumir o erro” e a CDU defendeu a necessidade de “valorizar a iniciativa e a vontade dos cidadãos”. Alguns destes, entrevistados pelo semanário “O Mirante”, manifestaram-se contra a demolição do antigo edifício do Mercado, tendo Luísa Silva afirmado que “o dinheiro que foi gasto no novo mercado diário deveria ter sido aplicado na recuperação do antigo, tinham gasto muito menos e tinham preservado um marco histórico da cidade” e Eduardo Costa dito que “a demolição, a concretizar-se, representa um erro histórico, o antigo mercado faz parte da história dos abrantinos e em vez de demolirem é preferível ser recuperado”.

Petição “Não à demolição do histórico Mercado Diário de Abrantes! Não à destruição da alma abrantina!”

Orçamento participativo

O geógrafo Herculano Cachinho diz que “as cidades vivem hoje entre dois mundos, um de tempo rápido, representado em termos comerciais pelos grandes shoppings, replicáveis em qualquer lado, e um segundo mundo de tempo lento, assente no comércio tradicional de rua e nos mercados municipais, onde se pode respirar e usufruir o espaço pelo espaço, e onde o tempo não existe”. Por seu lado, o especialista em património cultural David Ferreira afirma que os mercados tradicionais portugueses são monumentos não intencionais e lugares de memória e identidade que devem ser defendidos. Baseado neste pressuposto e preocupado com a degradação do antigo edifício do Mercado Municipal, o munícipe Fernando Jorge Silva Pereira submeteu ao Orçamento Participativo de Abrantes de 2018 a proposta de “realização de obras de manutenção do edifício do antigo Mercado Diário, nomeadamente: pintura exterior, beneficiação do espaço exterior – relocalização de armários de electricidade, colocação de mobiliário urbano (bancos, papeleiras, floreiras) – e manutenção das instalações sanitárias”, por um valor estimado de 61.500,00 euros. A autarquia rejeitou esta proposta, com o argumento de que “a estimativa orçamental elaborada pelos serviços técnicos do Município ascende a 156.805,00€+IVA, pelo que contraria o disposto no nº 1 do art.º 9º do Regulamento do OP, nomeadamente, a sua al. d) que estipula que as propostas têm de respeitar o limite orçamental anualmente definido pelo órgão executivo do Município, conjugado com a cláusula quarta das Normas de Participação para 2018, que definiu para o ano 2018, o montante máximo de 100.000,00€”. O munícipe reclamou desta rejeição, afirmando que “o valor apresentado de 61.500€ refere-se a esses trabalhos e não a uma obra de média dimensão como indicado na estimativa dos serviços do município. Trata-se simplesmente de ‘lavar a cara’ do edifício, o que valorizará bastante o centro histórico da cidade de Abrantes e contribuirá para eliminar a imagem de degradação da cidade”.

Reabilitar a imagem exterior do edifício

Mais justificava o proponente que “o objectivo principal da proposta apresentada é eliminar a imagem de degradação da cidade que o actual estado do edifício transmite aos abrantinos e a todos os que circulam na via principal de Abrantes, designadamente no acesso ao centro histórico. Pretende-se que seja reabilitada a imagem exterior do edifício, nomeadamente com a pintura exterior de paredes, lavagem de alvenarias e pintura de vãos exteriores. A par da reabilitação da imagem exterior propõe-se a reabilitação das instalações sanitárias existentes, para apoio das actividades que ali se venham a desenvolver. As fachadas terão uma área aproximada de 900m2. Se estimarmos em 50€/m2 o custo unitário da reabilitação das fachadas, obtemos 45.000€. Os restantes 16.500€ aplicar-se-ão na reabilitação das IS e outros trabalhos que valorizem o edifício”. Apesar desta bem fundamentada e justificada estimativa, a autarquia decidiu manter o indeferimento, argumentando que “não faz qualquer sentido avançar para a requalificação, ainda que de imagem, daquele edifício, sem garantir a recuperação da sua cobertura, uma vez que as infiltrações a que o mesmo estaria sujeito, rapidamente degradariam a pintura e arranjos na fachada que se fizessem”.

O limite máximo de 100 mil euros

E acrescentava a autarquia, na sua decisão final de manter a rejeição da proposta, que “não é possível disponibilizar sanitários ao público, sem que os mesmos tenham um mínimo de 20m2 cada, o que significará uma área de 40m2 e, portanto, um valor estimado nunca inferior a 40.000,00€. Mesmo retirando o item referente às infraestruturas eléctricas exteriores, não se poderia abdicar de arranjos exteriores que, mesmo minimalistas, teriam de concorrer para a dignificação do espaço em linha com o edifício e nesse caso a reparação dos muros, grades e pavimento, drenagem de águas pluviais, teria um custo mínimo estimado de 20.000,00 €. Em resumo e seguindo a linha de raciocínio da exposição apresentada, ou seja, efectuar apenas uma ‘lavagem de cara’ ao edifício, essa intervenção rondaria sempre 118.405,00€ + IVA”. Este preciosismo (quiçá má vontade) da autarquia abrantina é no mínimo curioso (ou mesmo estranho) pois, além desta última estimativa pouco superar o limite máximo de 100 mil euros estabelecido para as propostas apresentadas ao Orçamento Participativo de Abrantes 2018, ainda há meia dúzia de anos a mesma autarquia, através da sua presidente da Câmara, afirmava na inauguração do “Mercado Criativo” (nas mesmas instalações) que as obras então realizadas, incluindo a instalação de uma esplanada e de novos sanitários, custaram uns meros 5 mil euros, ou seja, vinte e quatro vezes menos (!)…

A autarquia decidiu pela inexplicável demolição do antigo edifício do Mercado quando este ainda era um espaço multiusos funcional que acolhia a Feira de Doçaria e outras actividades e eventos.

Regressar ao antigo edifício

Entretanto, no novo edifício do Mercado, os comerciantes têm sido confrontados com falta de clientes e condições ambientais adversas (frio, vento e chuva), respondendo a presidente da Câmara que “o Mercado não pode ser hermético, sob pena de deixar de ser funcional, é aberto, tem de haver passagem de ar, todos são assim” (!). Esta situação levou os vendedores a manifestar a vontade de regressar ao antigo edifício, hipótese que a autarca rejeitou liminarmente, o que não surpreendeu pois, já em Outubro de 2016, aquando da realização da última edição da Feira de Doçaria no Mercado Criativo (antigo edifício do Mercado), Maria do Céu Albuquerque havia sibilinamente prometido que este espaço seria “levado a obra dentro de algum tempo e ter outro fim” (qual, a demolição?). A verdade é que os Mercados Municipais construídos em Portugal durante o Estado Novo têm vindo a ser objecto de requalificação imobiliária e de finalidade ou actividade, ou seja, de tudo menos de demolição. Desde meras obras de conservação e beneficiação, mantendo a função retalhista, até alterações profundas de estrutura e actividade, mantendo a traça original, a tudo se tem assistido na vontade de preservar o referencial patrimonial e identitário dos velhos mercados cobertos, os quais constituem uma das principais e mais distintas atracções turísticas das cidades, assim como ponto de encontro diário, semanal ou anual, de novas e antigas gerações de habitantes e visitantes. Os exemplos são numerosos e facilmente localizáveis na Internet, pelo que me limito a referir apenas alguns aleatoriamente. Assim, o município de Arruda dos Vinhos está a requalificar o seu Mercado Municipal e a adaptá-lo a “Mercadinho d’Arruda”, um investimento máximo de 200 mil euros co-financiados pelo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020. O projecto visa “dotar aquele espaço de um conjunto de novas valências (p.e. produtos biológicos, Enoteca e eventos), apostando em novas metodologias de marketing e comunicação, valorização de produtos e marcas locais e modernização e adaptação aos hábitos de consumo atuais”.

A opção de requalificar

Há três anos, o município de Caminha lançou um concurso de ideias, em conjunto com uma escola superior local, para a reabilitação e requalificação do Mercado Municipal. O objectivo foi de o “adaptar às novas dinâmicas de mercado, fortalecer o seu posicionamento no comércio de proximidade e criar novas estratégias de divulgação dos produtos de produção local, transformando-o num elemento de referência, evidente e apelativo, na área envolvente”. O ano passado, Cruz de Pau decidiu igualmente requalificar o seu Mercado Municipal, através da “ampliação e melhoramento do actual edifício, reorganização do espaço do mercado e espaços evolventes, e ainda a beneficiação dos espaços exteriores, criando assim melhores condições quer para os comerciantes, quer para os utentes do mercado”. A opção de requalificar, no valor aproximado de 500 mil euros, foi considerada melhor do que construir o mercado noutro local, pois “a deslocalização podia prejudicar os comerciantes, tendo em conta que os hábitos de compra da população seriam alterados”. Já este ano, Santarém quer requalificar o seu Mercado Municipal, um edifício de 1930 do arquitecto Cassiano Branco. As obras, no valor de dois milhões de euros, visam “resolver os problemas existentes nas estruturas de alvenaria, nas coberturas e nas infraestruturas (eléctrica, de água e de saneamento), mantendo todas as características notáveis do edifício, ocorrendo as maiores alterações na lógica funcional”.

Um rumo diferente aos velhos edifícios

Por idêntico caminho seguem actualmente (ou seguiram) outros mercados antigos a necessitar de obras, como os de Sines, Alpiarça, Sesimbra, Covilhã, Serpa, Pinhal Novo, S. João da Madeira, Póvoa do Varzim, Vila Real de Santo António e tantos outros. O Mercado Municipal de Leiria, cuja requalificação visa a “modernização das instalações e da oferta comercial, integração com a envolvente e a gestão comercial, para melhoria de um espaço que actualmente se encontra em mau estado de conservação”, tem uma empreitada no valor de 3,5 milhões de euros contemplando a “renovação da linguagem arquitectónica com ligação do edifício à envolvente exterior, nomeadamente aos produtores, atenuação do efeito da volumetria com libertação do piso térreo e criação de fachada ventilada exterior para acondicionamento de sistemas de climatização e beneficiação térmica das fachadas”. Contudo, outros municípios decidiram dar um rumo diferente aos velhos edifícios dos seus Mercados Municipais. É o caso de Mira, por exemplo, que está a fazer a conversão para um auditório com 270 lugares, investindo cerca de 700 mil euros. Ou de Gouveia, onde serão investidos cerca de 3 milhões de euros na criação de lugares de estacionamento exteriores e interiores, espaços para ateliês/associações, comércio e serviços, café/restaurante e bar de apoio e 80 bancas de mercado diário. Ou ainda do Redondo, onde foi instalado um centro de apoio às microempresas, vocacionado para a “dinamização da actividade económica através do apoio à constituição, instalação e desenvolvimento de empresas na sua fase embrionária e de arranque e consolidação de micro e pequenas empresas, proporcionando-lhes condições para o seu crescimento e reafirmação”

Mercado Municipal da Chamusca, com obras de beneficiação realizadas em 2018.

Centro de promoção de produtos regionais

O Mercado Municipal de Santana, no concelho de Leiria, inaugurado em 1931, foi convertido em 2003 num espaço cultural com dois auditórios, sala de exposições, galeria de pintura, bar, café e restaurante, proporcionando a realização de diversas actividades culturais. No Bairro do Carandá (Braga), o mercado foi transformado em escola de música, espaço cultural e jardim público, um projecto do arquitecto Souto de Moura. Em Belmonte, o antigo mercado municipal foi convertido numa “Academia Gimno”, com desportos aquáticos virados para a saúde e o bem-estar. Lousada pretende construir um novo mercado e instalar uma incubadora de empresas no actual edifício. Castelo de Paiva transformou-o num centro de promoção de produtos regionais. Em Valongo, o antigo edifício do mercado vai acolher um serviço público. E em Lisboa, mercados como o do Forno do Tijolo, de Santa Clara ou do Bairro Alto oferecem espaços-oficina (Fab Lab) acessíveis aos munícipes comuns, onde são fornecidos materiais e máquinas para estimular a criatividade e o empreendedorismo, no âmbito de uma estratégia municipal de reabilitar e reutilizar espaços abandonados para fins ligados às artes e ofícios, às indústrias criativas e ao empreendedorismo.

Noutros países

Também noutros países se observa a preservação e requalificação de velhos mercados municipais, nalguns casos salvos in extremis por acção de movimentos e sobressaltos cívicos que confrontam poderes institucionais ou fáticos, movidos por enchouriçada ignorância ou inconfessados interesses económicos. A valorização desses mercados baseia-se nas mesmíssimas razões que levam a fazê-lo por cá: história, identidade, comunidade, sociabilidade, intergeracionalidade, património, tradição e turismo, entre outras. Na vizinha Espanha, por exemplo, o município de Moraña (província de Pontevedra, Galiza) está a converter o antigo edifício do Mercado Municipal num moderno centro sociocultural e multiusos, com um amplo auditório, duas salas de formação, um pátio coberto para actividades de lazer, uma zona polivalente para a terceira idade e diversos serviços de apoio. A obra contemplará a restauração integral do imóvel, mantendo a fachada tradicional. Já o município de Vilagarcía de Arousa, na mesma província galega, está a fazer a conversão para um centro de formação em Cozinha e Restauração. E em Getafe (Madrid), o antigo mercado municipal foi transformado num centro multiusos de cultura e lazer, onde podem ser realizadas feiras e eventos comerciais, exposições de arte e actividades culturais. Muitíssimos mais exemplos poderiam ser dados de regeneração, requalificação, modernização, conversão ou transformação dos Mercados Municipais, quer no nosso país quer no estrangeiro. Ad contrarium, são raríssimos os casos de demolição de edifícios antigos que guardam em si preciosas e imperdíveis histórias, memórias, cultura, comunidade e identidade.

Os erros ainda podem ser revertidos

Recordada a história do nosso mercado, apontados os dois problemas fundamentais (e existenciais) com que se defronta actualmente e alvitradas soluções alternativas, concluo esta crónica como comecei: considero um erro muito grave a imprudente e precipitada decisão de demolir o antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes. E, como se essa insensatez não bastasse, considero um erro de palmatória, um disparate mesmo – tanto do ponto de vista técnico como político e orçamental –, a instalação do Mercado Municipal no edifício onde se encontra actualmente, um edifício projectado apressadamente para o efeito e que não oferece condições adequadas de circulação e atracção de clientes e visitantes. Tudo isto feito nos gabinetes e salões da autarquia, praticamente de costas voltadas para a população. Felizmente que ambos os erros ainda podem ser revertidos, embora a custo de muito dinheiro gasto e tempo perdido. Espero que as forças políticas autárquicas e a sociedade civil abrantina, que têm a obrigação de estar unidas e em consenso nesta matéria, ponham a mão na consciência e compreendam que foram escolhidos caminhos errados e desastrosos (seria também importante que percebessem porquê e não voltassem a repeti-los). O Mercado Municipal de Abrantes – os seus actuais comerciantes e o seu antigo edifício – precisa urgentemente de clientes, mas precisa muito mais de amigos. Amigos novos e velhos amigos que se cheguem à frente e se disponham a defendê-lo e valorizá-lo pois, sem amigos que o façam, o nosso Mercado perderá os poucos clientes que ainda lhe restam e será apagado definitivamente da nossa alma colectiva. Se os amigos são para as ocasiões, esta é a ocasião para dizer NÃO à demolição e SIM à valorização do Mercado Municipal de Abrantes.

Referências

Campos, Eduardo (1989). Toponímia Abrantina (2ª edição). Abrantes: CMA.

Rau, Virgínia (1983). Feiras Medievais Portuguesas, subsídios para o seu estudo (2ª edição).Lisboa: Editorial Presença.

Vilar, Hermínia Vasconcelos (1988). Abrantes Medieval, Séculos XIV-XV. Abrantes: CMA

José Rafael Nascimento

José Rafael Nascimento tem 62 anos de idade e reside, com a sua esposa, na aldeia de Vale de Zebrinho (São Facundo), na casa que foi dos seus avós maternos. É bacharel em Economia, licenciado em Organização e Gestão de Empresas e mestre em Psicologia Social e Organizacional, com pós-graduação em Marketing Político e Social. Tem desenvolvido atividade docente no ensino superior, assim como formação e consultoria empresarial, depois de uma carreira de gestor em organizações multinacionais e públicas. Tem dedicado a sua vida cívica à atividade associativa e autárquica, interessando-se pelos processos de participação e decisão democráticos.

Madrid

José Alberto Rio Fernandes | Opinião

Madrid obriga-nos a repensar o país que somos. Afinal, por cá, temos bandeiras nacionais nas varandas apenas como sinal de apoio à seleção de futebol e não em defesa dum nacionalismo nostálgico, em versão castelhanamente bafienta do “great again”.

A capital de Espanha obriga-nos também a rever o conceito de interior. Porque, o mais importante espaço metropolitano da Península Ibérico e o mais populoso – com 6,5 milhões de habitantes – fica a cerca de 5h do mar, de automóvel, ou a 3 horas e 100 euros, em TGV.

A dimensão também marca a diferença: pela extensão do espaço urbanizado, pela altura e volume dos edifícios, pela largura das avenidas e pelo número e dimensão de jardins e museus. Todavia, o que mais me chamou a atenção em visita de há poucos dias foi a sua qualidade urbanística. Ciudad Lineal, sendo um bairro periférico, tem comércio, passeios largos e gente na rua, em torno do que sobrou do projeto utópico de finais do século XIX de Arturo Soria, que pretendia construir uma “cidade linear” entre Madrid e S. Petersburgo. Já o bairro de Salamanca, nas suas ruas retilíneas e paralelas ou perpendiculares entre si, é enormemente agradável, sobretudo fora da Calle Serrano, onde se concentram as marcas de luxo e chineses, japoneses e árabes nos passeios. Ainda mais perto do centro, no “bairro dos artistas”, é possível entrar em velhos pequenos restaurantes de petiscos espanhóis, frequentados quase só por espanhóis (ao que soube em fuga dos lugares dos turistas).Não, não gosto mais de Madrid que do Porto. Mas lembrei-me o quanto perdemos na comparação se pensarmos em Avintes, Valbom, Alfena, Guifões ou Guifões. Ou na Boavista, onde há mais carros que pessoas na rua. Ou, claro, nas muitas tascas e nos restaurantes que já fecharam.

Crónica publicada no JN, reprodução autorizada pelo autor

CBD

Centro e periferia são conceitos geográficos essenciais à compreensão do mundo. Ajudam na consideração do aumento de influência da China e da periferização da Europa, por exemplo. Na dimensão urbana, o conceito de centro está associado, regra geral, a comércios inovadores e especializados, vários tipos de serviços, monumentos e gente na rua. É o centro, “baixa” ou “downtown”, o que não deve ser confundido com o Central Business District (C.B.D.) ou “área central de negócios”, lugar de concentração de “arranha-céus” ocupados por grandes empresas, designadamente do sector financeiro. 

Todavia, há dias, em palestra a estudantes de Geografia no ensino secundário, surpreendi-me (mais uma vez!) ao verificar que estes continuam a aprender a chamar CBD ao centro da generalidade das cidades, incluindo as portuguesas. Mas, onde estão as grandes torres do setor financeiro no Porto, Braga, Vila Real ou Viana do Castelo? Lamentavelmente, são os livros escolares que reproduzem a falha, apesar de o CBD não constar das “aprendizagens essenciais” recentemente aprovadas! 

Nada disto retira pertinência ao conceito de centro e ao de periferia, nas suas várias dimensões, escalas e combinações, apesar de valorizarem uns mais que outros aspetos ligados à economia, à política, à antiguidade, à acessibilidade ou à cultura. São estes conceitos – e o de (in)justiça espacial (que não consta dos manuais) – que nos ajudam a ver melhor muito do que se passa à nossa volta, por exemplo a forma como os gondomarenses e valonguenses (da periferia), que têm de recorrer ao transporte coletivo, são desvalorizados quando há obras no (centro do) Porto. Ou porque é que se consideram prioritárias mais duas estações de metro da Baixa à Boavista.

José Alberto Rio Fernandes, geógrafo, professor universitário e Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos

Recursos, para criar um mundo melhor

Economia local: ter os melhores recursos do mundo ou criar um mundo melhor com esses recursos?

As estratégias de promoção da economia local podem gerar efeitos positivos em três domínios: (1) justiça social, através da distribuição dos benefícios da actividade económica; (2) sustentabilidade ambiental, pela redução dos impactos, nomeadamente de consumo de recursos naturais; e (3) reforço da democracia, por via da ampliação da participação cívica na definição e acompanhamento das políticas. 

A economia e bem estar colectivo

Na sua raiz grega, a economia toma-se pelo  “governo da casa”, em alternativa às acepções mais redutoras, de cariz exclusivamente mercantil. Neste sentido alargado da economia pontuam outros valores, diversos da suposta racionalidade individualista do homo economicus, patentes, por exemplo, na economia doméstica, que se centra na maximização do bem estar colectivo. 

A dimensão local, que o pensamento económico dominante tende a remeter para um universo residual, corresponde à concretude onde a vida se materializa. Embora a globalização esteja na origem de muitos fenómenos que ocorrem à escala local, a sua expressão em cada território é diversa. 

O potencial do local

O local é simultaneamente espaço de proximidade física e relacional, indissociável da comunidade que o habita e das suas especificidades, sejam elas ambientais, culturais, ou outras. Tal foco permite fugir a armadilhas homogeneizadoras que tendem a aplanar a diversidade do país, como sucede com  a visão dual que opõe interior e litoral e que se revela pouco operativa.

A economia local oferece todo um campo de possibilidades de produção, consumo, distribuição e financiamento mais enraizadas, capazes de contrariar a concentração e a constituição de monopólios. 

Veja-se o impacto económico da promoção do comércio local, cujos benefícios são repartidos por uma vasta teia de pessoas e famílias ou, ao invés, o modo como as grandes superfícies se tornaram em sugadouros dos rendimentos localmente conseguidos. 

Partir dos recursos mais próximos

Enraizar e localizar a actividade económica é orientá-la no sentido de responder a necessidades, partindo prioritariamente dos recursos mais próximos e é também uma oportunidade para criar emprego, aumentar a autonomia e diminuir o impacte ambiental. 

Exemplo disso é o peso dos transportes associado ao consumo de alimentos: quando compramos alhos da China, bananas da Costa Rica ou maçãs do Chile devemos considerar o rol de quilómetros e o consequente consumo de energia implicado na circulação desses produtos. 

Em sentido contrário, estão as opções de abastecimento de espaços públicos colectivos, como cantinas escolares e refeitórios, recorrendo prioritariamente a produções locais, como já acontece em alguns concelhos do país, apesar dos entraves burocráticos.

Promover a economia solidária

Também as estratégias de promoção da economia solidária respondem a necessidades locais e não ao potencial de obtenção de lucro, contribuindo, para  o bem estar colectivo e para a consolidação da democracia directa, já que associam ainda uma dimensão de autogestão forte. Exemplares são ainda as experiências com moedas sociais, cuja circulação tem demonstrado potencialidades na dinamização da economia local, na valorização de outros saberes e na criação de laços comunitários. 

O reforço da economia local  permite ainda, em sentido político, questionar o imaginário hegemónico, favorável às empresas transnacionais, sempre na mira da extracção de recursos baratos (terrenos, mão-de-obra, etc.) e sempre prontas a abandonar o território em favor de uma localização mais apetecível. 

Apostar na economia local

As escolhas sobre os futuros possíveis não são neutras e só um reforço da democracia, nomeadamente ampliando os processos de consulta deliberativos, poderá explicitar as opções que são tomadas e os valores e princípios que lhes subjazem. Apostar na economia local, sem localismos, é um processo mais centrado nas possibilidades que nos limites ou nas dificuldades, isto é, naquilo que potencia a construção de dinâmicas transformadoras que criam processos de negociação tendo em vista o bem comum.

Graça Rojão, Directora da CooLabora

Nota: este artigo foi também publicado no Forum Covilhã, Janeiro 2019

Marketing dos Territórios e as lições de Lewis Carrol
Fonte – Media Storehouse, baseada no desenho de Sir John Tenniel – 1872

As cidades e os territórios do interior estão hoje confrontados com enormes riscos e desafios, não apenas de superioridade competitiva, mas inclusivamente de sobrevivência. As mudanças ocorrem a ritmos cada vez mais acelerados, sendo umas facilmente perceptíveis, mas outras escapando à simples observação e compreensão dos autarcas e de outros actores comunitários, sobretudo quando não existe capacidade ou vontade de as monitorizar e estudar atentamente. A desertificação humana das freguesias rurais, que num primeiro momento alimentou as cidades do interior, já não consegue evitar a crescente desertificação destas (ver o meu post “O Diabo da Demografia”). Com a perda de população, perdem-se serviços básicos de saúde, educação, correios, segurança, bancários e outros, e o abandono destes leva, por sua vez, à intensificação do despovoamento, alimentando um círculo vicioso que compromete a viabilidade de muitos territórios interiores, tal como os conhecemos. A passividade e o imobilismo são inaceitáveis, e a desorientação também não é boa conselheira.

O problema não se deve apenas ao baixíssimo índice de fecundidade(nº médio de filhos por mulher em idade fértil) que se alastrou na sociedade portuguesa, o qual desceu de 3,20 em 1960 para 1,37 em 2017 (tendo atingido 1,21 em 2013), não assegurando sequer a substituição de quem morre. Deve-se, também, à crescente competição entre as cidades e territórios, todos em busca de maior capacidade de atracção de visitantes, investidores e habitantes. E o modelo geral tem sido, não tanto o da inovação e diferenciação, mas o da imitação e concorrência directa, procurando “roubar clientes” a outros. Este modelo está esgotado, pois já não há gente para alimentar tanta oferta igual e repetitiva. É preciso inovar, diferenciar e comunicar com eficácia, mas também cooperar muito mais, nomeadamente a nível regional ou intermunicipal. O portal da CIMT – Comunidade Intermunicipal do Médio Tejodá conta das iniciativas desenvolvidas conjuntamente pelos treze municípios da sub-região, designadamente nas áreas da educação, saúde, transportes, justiça, turismo, cultura, ambiente, protecção civil e outras, mas fica a ideia de que, aquilo que é preciso fazer, é muito mais do que aquilo que está a ser feito.

Na estratégica área do Empreendedorismo, por exemplo, o portal da CIMT informa que foi concluído o projecto “Médio Tejo – Empreendedorismo em Rede (EM_REDE) 2011-2015” e está em desenvolvimento o projecto “Médio Tejo – Vive o Empreendedorismo”, o qual terminará no 1º semestre de 2019 (apesar do portal indicar 2017 como prazo de conclusão). O objectivo deste projecto que ascende a quase meio milhão de euros, é “estimular o ecossistema empreendedor”, “reforçar e articular os actores na promoção de um empreendedorismo qualificado e criativo”, e “disseminar uma cultura empreendedora que potencie a criação de condições para atrair potenciais empreendedores, gerar novas ideias de negócio e novas iniciativas”. Propõe-se realizar 4 concursos de ideias, ir às escolas, organizar workshopse encontros temáticos, visitar 2 regiões europeias, elaborar um guia de boas práticas e um mapa interactivo regional, abrangendo com isto 5.000 pessoas e criando 12 novas empresas dos ramos científico-tecnológico e cultural-criativo.

Fonte: autor José Rafael Nascimento

Está a CIMT a cumprir satisfatoriamente as suas responsabilidades no desenvolvimento do Médio Tejo?

Até ao momento, foi elaborado um relatório de caracterização dos elementos do ecossistema empreendedor do Médio Tejo, criado um grupo técnico de acompanhamento (GTA), promovidas actividades de empreendedorismo na escola envolvendo, nos últimos dois anos lectivos, 1500 estudantes, e realizadas quatro edições do concurso Moovideias, mobilizando 58 ideias de negócio. Será isto suficiente e o mais indicado para a vasta e carecida sub-região do Médio Tejo? Quando serão conhecidos os conteúdos e os impactos concretos destas acções na transformação económica e social dos municípios abrangidos? Além deste projecto “Médio Tejo – Vive o Empreendedorismo”, a CIMT está também a dinamizar o Sistema de Incentivos ao Empreendedorismo e ao Emprego (SI2E), tendo sido apresentadas nos últimos dois anos 225 candidaturas, das quais foram aprovadas até ao momento 54, no valor total de 2.644.483,76 euros, estando outras a ser apreciadas pela Autoridade de Gestão do PO Regional do Centro. Desconhece-se, no entanto, o objecto de investimento destes projectos, assim como o seu impacto na criação de riqueza e emprego na sub-região, o que obriga a questionar os modelos de transparência e de prestação de contas praticados na gestão destes sistemas de incentivos com fundos públicos.

Da mesma insuficiência parece padecer o programa Abrantes Invest, também designado por “campanha de desenvolvimento económico”, cujos objectivos, metas e resultados são completamente omissos no portal do município, não se sabendo ao certo que impacto teve, e se prevê que venha a ter, em matéria de investimento (origem e valor), empresas (número e dimensão), riqueza (negócios e valor acrescentado) e emprego (quantidade e qualificações). Contudo, as notícias soltas que vão chegando indiciam um balanço deveras minguado, com inquietações sobre investimentos anunciados (ex. Tectania) e receios sobre empreendimentos em dificuldades (ex. Frasam). O modelo de captação de investimento do Abrantes Invest, baseado em costumeiras reduções, isenções e subsídios financeiros, é manifestamente vulgar e obsoleto, sendo apresentado com uma mensagem ligeira da edil e um apelo tíbio no portal do município, o qual reza assim: “A Unidade de Desenvolvimento Económico do Município de Abrantes está permanentemente disponível para ouvir as necessidades dos Investidores […]. Entre em contacto connosco”. Claro que ninguém entra, pois o que é necessário fazer é aquilo que p.e. a autarquia do Fundão já faz há alguns anos, que é desenhar uma estratégia proactiva, pegar na pasta e ir ter com os potenciais investidores.

Fonte: autor José Rafael Nascimento

Que avaliação deve ser feita da política e da estratégia económica e empresarial do município de Abrantes?

O Marketing dos Territórios é a disciplina que trata da comunicação e promoção dos espaços geográficos que conformam lugares, aldeias, cidades, freguesias, municípios ou regiões, a partir de processos de inovação, qualidade, flexibilidade e diferenciação que criem valor para os consumidores e os investidores. Este valor é criado através de políticas e estratégias territoriais bem delineadas, as quais devem ter em conta todas as dimensões pessoais (p.e. talentos) e impessoais (p.e. tradições) dos territórios, desde as tangíveis e permanentes (p.e. património natural e edificado) até às intangíveis e ocasionais (p.e. eventos). E os públicos consumidores e investidores, internos e externos, devem ser segmentados de acordo com critérios geográficos, demográficos, psicográficos e comportamentais, sendo a comunicação adaptada a cada um dos segmentos. Tanto quanto possível, esta comunicação e relacionamento devem ser realizados individualmente (1:1), seja por via directa e pessoal, seja por interpostos agentes e meios de comunicação.

Os municípios do Médio Tejo não escapam à realidade da desertificação humana e da competição entre as cidades e territórios. Todavia, podem encontrar no Marketing dos Territórios a metodologia de que precisam para enfrentar os problemas do progresso e desenvolvimento. Em apenas três anos, de 2014 para 2017 (últimos dados disponíveis), a sub-região do Médio Tejo perdeu 1,91% da sua população (4.545 pessoas), com Abrantes a perder 3,48% (1.277 pessoas), Tomar 3,22% (1.230 pessoas) e Torres Novas 1,49% (530 pessoas). No domínio do Turismo, já aqui dei conta do que se passa em alguns municípios, designadamente Tomar, Torres Novas e Abrantes, com este último a revelar uma evolução muito preocupante (ver “Abrantes e o Médio Tejo: Que Estratégia para o Turismo?”). Os rankings regional e nacional do “Portugal City Brand Ranking 2018”, da consultora Bloom Consulting, confirmam esta tendência, apresentando os três municípios escolhidos para comparação (com idêntica dimensão populacional) as seguintes posições, nos últimos cinco anos:

RANKING REGIONAL (CENTRO)

Tabela 1 – Posição no Ranking da Região Centro (100 municípios considerados)

Figura 1 – Evolução da Posição no Ranking da Região Centro

RANKING NACIONAL

Tabela 2 – Posição no Ranking Nacional (308 municípios considerados)

Figura 2 – Evolução da Posição no Ranking Nacional

O “Portugal City Brand Ranking” avalia e posiciona os municípios portugueses em função de três categorias de indicadores, designadamente Negócios (dados económicos), Visitar (dados turísticos) e Viver (dados sociais). Os rankings reflectem as posições relativas dos municípios considerados, sendo estas posições determinadas, não apenas pela evolução dos indicadores de cada município per se, mas também quando comparados com a evolução dos indicadores dos outros municípios. Assim, pode dar-se o caso de um município ter melhorado os seus indicadores mas, caso outro tenha melhorado ainda mais, este outro se aproxime ou até ultrapasse aquele na posição do ranking. Verifica-se que, nos dois últimos anos e ao contrário de Tomar e Torres Novas, Abrantes cai em ambos os rankings, o regional e o nacional, tendo em 2018 sido ultrapassado por Torres Novas. O que se deve concluir deste resultado é que, apesar de algumas realizações e progressos, nomeadamente em matéria de desporto, cultura ou infraestruturas, o que foi feito revelou-se insuficiente, tanto para compensar o que se deteriorou, como para acompanhar o que outros municípios fizeram no mesmo período. O que recorda a célebre passagem de Lewis Carrol (1871) em “Alice Através do Espelho”: “Tens de correr tudo o que puderes para ficares no mesmo sítio; se queres chegar a outro lugar, terás de correr pelo menos duas vezes mais rápido”.

A tendência revelada pelos dados da Bloom Consulting é corroborada pelos “Ratings Concelhios” da Marktest, o grupo português de estudos de mercado e processamento de informação “com maior projecção nacional e internacional na sua área de actuação”. Estes Ratings “permitem dar uma notação a cada concelho em função de um conjunto de 37 indicadores base, agrupados em três dimensões: Dinamismo Demográfico (8 indicadores), Dinamismo Económico (16 indicadores) e Qualidade de Vida (13 indicadores). Segundo noticiou o mediotejo.net, de 2017 para 2018 Abrantes caiu 103 posições no Ranking da Qualidade de Vida, tendo passado da posição 50 para a 153 (no ano anterior havia subido 7 posições). Com este trambolhão, Abrantes passou a ser o quinto pior concelho em termos de Qualidade de Vida (no ano anterior fora o oitavo pior e, em 2016, o nono), só à frente de Tomar, V. N. Barquinha, Sertã e Entroncamento.

A aceitação da realidade, por mais que custe, é a primeira condição para encetar um processo de mudança. As cidades e territórios precisam, não só de se conservar, como de se desenvolver e reinventar. O Marketing dos Territórios oferece a metodologia apropriada para a definição de boas políticas e estratégias autárquicas, sabendo-se que os modelos do passado já não respondem aos desafios e necessidades do presente. O programa “Abrantes Invest” é disso um exemplo, como já se referiu, tão fracos são os resultados face à campanha realizada, pois alegar glórias passadas ou exagerar em vantagens presentes, oferecendo uma disponibilidade passiva e duvidosa aos potenciais investidores, atraídos que estes estão por outras ofertas mais interessantes e credíveis, não parece ser o melhor caminho para trazer investimento e prosperidade ao município.

Na sua singular obra “Marketing Places – Atracting Investment, Industry, and Tourism to Cities, States, and Nations”, Philip Kotler e colegas (1993) defendem que “os territórios precisam de aprender a pensar como os negócios, desenvolvendo produtos, mercados e clientes. […] Os territórios devem responder, em vez de resistir à mudança; adaptar-se, em vez de ignorar as forças do mercado. […] Uma abordagem de Marketing ao desenvolvimento dos territórios, é a resposta prioritária que estes precisam para competir eficazmente nesta nova economia. Os territórios devem oferecer produtos e serviços que os actuais e futuros consumidores precisam ou preferem. Os territórios devem vendê-los interna e externamente, a nível nacional e internacional. O Marketing dos Territórios é uma actividade contínua que deve ser ajustada para fazer face às novas condições económicas e oportunidades”. O intuito é o de realizar os sonhos, os desejos e as aspirações de toda uma comunidade, como metaforicamente se depreende do conhecido diálogo de Alice com o Gato Risonho (Cheshire), no livro de Lewis Carrol (1865) “Alice no País das Maravilhas”:

  • “Poderias dizer-me, por favor, que caminho devo tomar para me ir embora daqui?”
  • “Depende bastante de para onde queres ir”, respondeu o Gato.
  • “Não me importa muito para onde”, disse Alice.
  • “Então não importa que caminho tomes”, disse o Gato.
  • “Contanto que eu chegue a algum lugar”, acrescentou Alice à guisa de explicação.
  • “Oh, isso vais certamente conseguir”, afirmou o Gato, “desde que andes bastante”.
Fonte – Felicia Cano – www.deviantart.com

“Quando não sabes para onde queres ir, qualquer caminho serve”, disse o Gato Cheshire a Alice.

É preciso “andar bastante”, mas não para chegar a um lugar qualquer e, pior, não se sabendo onde se está nem por onde se vai. Tudo começa com uma Análise SWOT, isto é, com a identificação dos Pontos Fortes e Fracos, as Oportunidades e as Ameaças. A finalidade é chegar às linhas estratégias de acção e às medidas operacionais que lhes dêem corpo, desde logo no domínio económico-empresarial, com vista à atracção de turistas e agentes de negócios, à retenção e expansão dos negócios existentes, à criação de startups, ao crescimento das exportações e negócios no exterior, e ao aumento da população residente, trabalhadora, visitante, consumidora e investidora. Para que estes objectivos sejam alcançados, é necessário olhar para a demografia, o urbanismo, as infraestruturas, os serviços básicos comunitários e as atracções culturais e de entretenimento. Finalmente, importa definir o plano territorial de comunicação que construa uma boa imagem e atraia os públicos-alvo ao centro urbano e às periferias, designadamente através da utilização das relações públicas, publicidade, marketing directo, venda pessoal e promoções de vendas, seja pelos meios tradicionais, seja pela Internet e redes sociais.

A síntese do livro de Philip Kotler, feita pela TCI Management Consultants, é clara na definição do problema central com que se deparam hoje os territórios: as mudanças e os desafios enfrentados pelas cidades, vilas e aldeias, excedem a tradicional capacidade de reacção e adaptação das suas instituições públicas e privadas, requerendo uma metodologia que fortaleça essa capacidade de resposta e ofereça uma Visão e uma Missão para o território, prevenindo ou enfrentando as ameaças e aproveitando, de forma sustentada, as melhores oportunidades. Toda a comunidade deve ser convocada e estar envolvida neste desiderato, e ser reforçada, quando necessário, por capacidades e competências externas. O Marketing dos Territórios, pese embora as suas características técnicas e gestionárias, é antes de tudo um projecto político de natureza democrática e participativa, pois funda-se no conhecimento das necessidades e aspirações dos diversos públicos, para melhor os servir e satisfazer. Assim sendo, ele ganha com a abertura e vitalidade da vida política local, ou seja, com a dinâmica da participação cívica no processo de debate e tomada de decisão, sobre tudo o que à comunidade diz respeito.

O Marketing dos Territórios não é um instrumento desconhecido para o município de Abrantes, até porque a ESTA-IPT oferece uma pós-graduaçãoneste domínio. Em 2017, a mestranda Maria Inês Moleiro Lopes defendeu no Instituto Politécnico de Leiria (ESAD, Caldas da Rainha) a tese “Uma cidade com identidade – Desenvolvimento de uma marca gráfica para o município de Abrantes”, no âmbito do Mestrado em Design de Comunicação. Nesta tese, a autora defende que “o desenvolvimento progressivo de países, cidades e regiões, e a agressiva competitividade crescente por parte destes para captação de investimento e turismo, deu origem a um crescente recurso a estratégias de marketing por parte dos seus responsáveis”, para depois acrescentar que “estas transformações solicitam novos instrumentos de análise e novas abordagens (como o City Branding), articuladas com os diversos agentes económicos, sociais e culturais, para a construção de uma identidade geográfica consubstanciada em marcas e logótipos”. Anteriormente, em 2009, a autarquia havia encomendado à empresa de consultoria Quaternaire Portugalum Plano de Marketing Territorial, afirmando-se então que o mesmo visava “constituir um instrumento a um tempo estratégico e operativo que contribua para o reforço da atractividade e competitividade da oferta territorial da cidade de Abrantes junto dos seus diferentes segmentos de procura (actuais e potenciais)”.

Fonte – Quaternaire Portugal

Qual o conteúdo e que execução teve o Plano de Marketing de Abrantes? Qual a relação custo-benefício?

Este Plano foi posteriormente analisado por um estagiário que o município acolheu, no âmbito do Mestrado em Gestão do Território e Urbanismo da Universidade de Lisboa (IGOT), tendo dado origem em 2012 a um Relatório intitulado “O Plano de Marketing Territorial da Cidade de Abrantes”. Neste relatório de estágio, Pedro Mendonça Lopes critica o facto de o plano não ter sido implementado (quanto terá custado o plano, mas também a sua não concretização?) e de ter como limitação “uma estratégia direccionada para a cidade, havendo a necessidade de envolver o concelho com uma perspectiva integradora para os territórios de baixa densidade, […] e os antigos espaços industriais em desuso, os quais podem ser mais-valias para o desenvolvimento da região”. À semelhança do que já se defendeu acima, o autor conclui o seu Relatório com um apontamento ético – alertando para a natureza democrática do decisor público e o cuidado que este deve colocar nas escolhas que faz, “não estigmatizando, desconsiderando ou abandonando determinados actores” – e com uma referência à natureza democrática do Marketing Territorial, afirmando que “a complexidade e a dimensão de um Plano de Marketing Territorial implicam a existência de uma forte liderança e participação da sociedade civil”, procurando interligar o território e oferecer às pessoas “uma melhor qualidade de vida e confiança no futuro”.

As cidades e territórios que definham têm de inverter a trajectória de declínio e adoptar estratégias de recuperação e desenvolvimento. Para isso, precisam de mudar de políticas pois, como alguém terá afirmado, não se consegue resolver um problema com base no mesmo raciocínio que foi usado para criá-lo, nem se deve esperar diferentes resultados quando se repete os mesmos erros. O Marketing dos Territórios é uma ferramenta que está disponível e já provou ser eficaz para lidar com a realidade competitiva que desafia hoje as comunidades do litoral e do interior, tanto as urbanas como as rurais. A metodologia que usa é eminentemente participativa e integradora, sendo transversal a todos os sectores e buscando a coerência e a harmonia que falta às abordagens centralistas, egoístas e nepotistas. A visão é de médio e longo prazo, sem prejuízo da resolução dos problemas mais urgentes e imediatos. Neste sentido, importa alcançar amplos consensos pois, sendo a alternância política útil e saudável em democracia, não deve a mesma comprometer sistematicamente os projectos iniciados e as estratégias anteriormente definidas.

José Rafael Nascimento, formador e consultor, dinamizador de processos de participação e decisão democráticos. Abrantes-Medio Tejo.

Esta crónica foi publicada na mediotejo.net no dia 5 de janeiro de 2018 e é divulgado na PRAÇA com autorização do autor na coluna Opinião. CR/Praça das Redes