19 de Maio, 2024

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TEATRO E COMUNIDADE: Nem Teatrinho, nem Teatrão!

Rita Wengorovius, Professora do Mestrado Teatro e Comunidade da Escola Superior de Teatro e Cinema, Investigadora The Social and Community Theatre Centre of the University of Turin (SCT Centre | UNITO) Directora Artistica Teatro Umano

A utopia está lá, no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais (a) alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

Eduardo Galeano

O Teatro e Comunidade não é nem Teatrinho, nem Teatrão! É arte.

É um teatro de investigação e pesquisa, uma área de estudo reconhecida em Portugal, nomeadamente, desenvolvida desde 2010 no mestrado em Teatro e comunidade da Escola Superior de Teatro e Cinema.

Existem actualmente diversos grupos de Teatro e comunidade, vários dirigidos por mestres em Teatro e Comunidade em Portugal e no mundo.

Apoiado em processos criativos específicos e em espectáculos esteticamente válidos e com um universo simbólico muito próprio.

Quase sempre o Teatro que se faz nas comunidades, escolares, amadoras, sociais entre outras; é um Teatrinho ou o Teatrão, o teatro é utilizado como um instrumento de entretenimento ou imitação do mau teatro profissional.

Muitas vezes, dirigidos por profissionais, sem habilitação especifica na área, nem prática artística, quer ao nível da fruição como da contemplação de teatro.

Defendemos que teatro e comunidade é uma área de investigação que tem de ser reconhecida pela sua especificidade, e também por o seu carácter estético, ético e poético.

É um processo de construção de uma linguagem artística, conseguido através de processos criativos, de auto e hétero da descoberta de si e do outro.

Através do domínio das diversas gramáticas do trabalho de ator em teatro e comunidade: um longo trabalho de apropriação e consciência de corpo expressivo e extra-quotidiano até á escrita de composições corporais, muitas vezes apoiadas na coralidade e no movimento de cena. Um trabalho de dramaturgia de comunidade construído a partir dos processos criativos, e de transposição para a cena que muitas vezes revela o pulsar e o sentir da urgência do dizer daquele grupo específico.

A vivência do processo criativo enquanto desafio permite, tornar a própria vida – arte.

O desafio do teatro e comunidade, propõe ao actor passar de espectador passivo a actor-criador.

A educação teatral, artística e estética desenvolve as competências individuais e coletivas nos domínios da autoconfiança, melhoria do autoconceito, competências sociais de colaboração e liderança; capacidade de assumir riscos, concentração de atenção, perseverança, empatia pelos outros, persistência em tarefas difíceis, aprendizagem autoral, neste sentido, é fomentada uma participação ativa do aluno sénior como interprete e agente de mudança.

Os projetos de Criação em Teatro e comunidade, são muitas vezes baseados na investigação-ação, construída, analisada e interpretada a partir de um quadro teórico comum. Apoiado nos seguintes princípios orientadores:

1. Fundamentar a relevância do desenvolvimento de projetos artísticos em contextos comunitários;

2. Promover e definir boas práticas profissionais (teatrais, poéticas, estéticas e éticas) neste âmbito de ação, através de uma gramática de criação artística de símbolos e significados compartilhados, estéticos e culturais;

3. O trabalho em teatro e comunidade são ações que se desenvolvem segundo uma estrutura de projeto e com constante carácter de visibilidade territorial nos diversos momentos e modalidades de intervenção, a saber: criação da rede, percurso de laboratório teatral, momentos de comunicação em espetáculo, momentos de retrospeção e avaliação;

4. A comunidade é simultaneamente finalidade e condição necessária do processo criativo. Os participantes são intérpretes e “material dramatúrgico”, que é recolhido a partir da provocação criativa e da escuta, aprofundando o trabalho de encenação dos profissionais de teatro comunitário. Um conceito de arte e participação que promove o sentido de pertença e identidade social;

5. O trabalho é realizado em rede e equipes com a pluralidade de experiências e competências

6. O Teatro na Comunidade deve valorizar a perspetiva artística privilegiando um processo criativo que construa uma linguagem teatral, fomentando a experimentação de linguagens teatrais e de cruzamento de linguagens artisticas , ou seja, os artistas dão voz à comunidade cruzando-a com a sua própria pesquisa teatral;

7.O trabalho teatral e de projeto está constantemente em contacto com a verdade do processo social: os sujeitos envolvidos no processo teatral são coletivamente os autores das formas e dos conteúdos artísticos. O espectáculo colectivo final, permite uma experiência participativa no mundo social contemporâneo.

Queremos dar visibilidade aos invisíveis da sociedade, porque este é também um papel do Teatro e Comunidade, contrariar estigmas e preconceitos, e criar pontes do imaginário com a realidade.

“Existe teatro sem vida? Qual o propósito essencial da nossa ida ao teatro: – vamos ao teatro para reencontrar a vida que é, em simultâneo, a mesma coisa e uma coisa um tanto diferente, aceitando que nele a vida se torna mais visível, mais legível, mais intensa do que no exterior, porque está mais concentrada, mais condensada no tempo e no espaço. O teatro é feito no vento todos os dias se destrói, todos os dias se cria, não há fórmulas, não há preconceitos, o teatro é como um jogo, uma brincadeira – play is play.(1)

Neste sentido os eixos de ação do Teatro e comunidade são:

– CIDADANIA E ARTE: desenvolvimento da criatividade, democratização no acesso às artes; á educação artística através de processos de fruição, contemplação e criação. O exercício do teatro e comunidade e das artes participativas assume assim uma condição fundamental para a cidadania e o combate á exclusão

– REDES E PARCERIAS CRIATIVAS: Criação continua e avaliada de redes de desenvolvimento, através do Teatro e comunidade. Através de uma abordagem das comunidades, tanto das suas potencialidades como fragilidades, efetuada através de uma lógica de projecto, criatividade e educação artística ; integrando os recursos locais de modo a aumentar a eficácia da intervenção e a promover processos participativos, envolvendo os atores relevantes e as comunidades locais numa lógica de parceria, assente em objetivos comuns consensualizados e partilhados, remetendo para uma mudança de práticas institucionalizadas nomeadamente com crianças, jovens e idosos, criando novos hábitos e condições de diálogo e de entendimento interinstitucional.

– REPRESENTAR PARA EXISTIR / COOPERAR PARA APRENDER: Práticas artísticas comunitárias de ensino-aprendizagem através da gramática teatral e expressiva e de modo a que as comunidades que os utilizam, para serem mais criativas e inovadoras, indo ao encontro às necessidades de participação e cooperação.

O teatro pode assim invocar as comunidades e envolvê-las num processo de mudança onde estas, devem ser as principais protagonistas.

A arte teatral é um rito dessacralizado que une. O teatro não é apenas prazer. É também dever. É um divertimento empenhado. Não é só racionalidade, mas também emoção.

Não se ocupa apenas da formação pessoal, mas também daquela social. A arte teatral conjuga o imaginário e a realidade, a mente e corpo, o público e privado. Une a disciplina ao jogo.

Por isso, o meu teatro é H. Umano.

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(1) Peter Brook no livro “O Teatro e o Seu Espaço”, editora vozes, Brasil: 1970

Reproduzido de Colectivo A Tribo – Mafra

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