Rita Wengorovius, Professora do Mestrado Teatro e Comunidade da Escola Superior de Teatro e Cinema, Investigadora The Social and Community Theatre Centre of the University of Turin (SCT Centre | UNITO) Directora Artistica Teatro Umano
A utopia está lá, no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais (a) alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano
O Teatro e Comunidade não é nem Teatrinho, nem Teatrão! É arte.
É um teatro de investigação e pesquisa, uma área de estudo reconhecida em Portugal, nomeadamente, desenvolvida desde 2010 no mestrado em Teatro e comunidade da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Existem actualmente diversos grupos de Teatro e comunidade, vários dirigidos por mestres em Teatro e Comunidade em Portugal e no mundo.
Apoiado em processos criativos específicos e em espectáculos esteticamente válidos e com um universo simbólico muito próprio.
Quase sempre o Teatro que se faz nas comunidades, escolares, amadoras, sociais entre outras; é um Teatrinho ou o Teatrão, o teatro é utilizado como um instrumento de entretenimento ou imitação do mau teatro profissional.
Muitas vezes, dirigidos por profissionais, sem habilitação especifica na área, nem prática artística, quer ao nível da fruição como da contemplação de teatro.
Defendemos que teatro e comunidade é uma área de investigação que tem de ser reconhecida pela sua especificidade, e também por o seu carácter estético, ético e poético.
É um processo de construção de uma linguagem artística, conseguido através de processos criativos, de auto e hétero da descoberta de si e do outro.
Através do domínio das diversas gramáticas do trabalho de ator em teatro e comunidade: um longo trabalho de apropriação e consciência de corpo expressivo e extra-quotidiano até á escrita de composições corporais, muitas vezes apoiadas na coralidade e no movimento de cena. Um trabalho de dramaturgia de comunidade construído a partir dos processos criativos, e de transposição para a cena que muitas vezes revela o pulsar e o sentir da urgência do dizer daquele grupo específico.
A vivência do processo criativo enquanto desafio permite, tornar a própria vida – arte.
O desafio do teatro e comunidade, propõe ao actor passar de espectador passivo a actor-criador.
A educação teatral, artística e estética desenvolve as competências individuais e coletivas nos domínios da autoconfiança, melhoria do autoconceito, competências sociais de colaboração e liderança; capacidade de assumir riscos, concentração de atenção, perseverança, empatia pelos outros, persistência em tarefas difíceis, aprendizagem autoral, neste sentido, é fomentada uma participação ativa do aluno sénior como interprete e agente de mudança.
Os projetos de Criação em Teatro e comunidade, são muitas vezes baseados na investigação-ação, construída, analisada e interpretada a partir de um quadro teórico comum. Apoiado nos seguintes princípios orientadores:
1. Fundamentar a relevância do desenvolvimento de projetos artísticos em contextos comunitários;
2. Promover e definir boas práticas profissionais (teatrais, poéticas, estéticas e éticas) neste âmbito de ação, através de uma gramática de criação artística de símbolos e significados compartilhados, estéticos e culturais;
3. O trabalho em teatro e comunidade são ações que se desenvolvem segundo uma estrutura de projeto e com constante carácter de visibilidade territorial nos diversos momentos e modalidades de intervenção, a saber: criação da rede, percurso de laboratório teatral, momentos de comunicação em espetáculo, momentos de retrospeção e avaliação;
4. A comunidade é simultaneamente finalidade e condição necessária do processo criativo. Os participantes são intérpretes e “material dramatúrgico”, que é recolhido a partir da provocação criativa e da escuta, aprofundando o trabalho de encenação dos profissionais de teatro comunitário. Um conceito de arte e participação que promove o sentido de pertença e identidade social;
5. O trabalho é realizado em rede e equipes com a pluralidade de experiências e competências
6. O Teatro na Comunidade deve valorizar a perspetiva artística privilegiando um processo criativo que construa uma linguagem teatral, fomentando a experimentação de linguagens teatrais e de cruzamento de linguagens artisticas , ou seja, os artistas dão voz à comunidade cruzando-a com a sua própria pesquisa teatral;
7.O trabalho teatral e de projeto está constantemente em contacto com a verdade do processo social: os sujeitos envolvidos no processo teatral são coletivamente os autores das formas e dos conteúdos artísticos. O espectáculo colectivo final, permite uma experiência participativa no mundo social contemporâneo.
Queremos dar visibilidade aos invisíveis da sociedade, porque este é também um papel do Teatro e Comunidade, contrariar estigmas e preconceitos, e criar pontes do imaginário com a realidade.
“Existe teatro sem vida? Qual o propósito essencial da nossa ida ao teatro: – vamos ao teatro para reencontrar a vida que é, em simultâneo, a mesma coisa e uma coisa um tanto diferente, aceitando que nele a vida se torna mais visível, mais legível, mais intensa do que no exterior, porque está mais concentrada, mais condensada no tempo e no espaço. O teatro é feito no vento todos os dias se destrói, todos os dias se cria, não há fórmulas, não há preconceitos, o teatro é como um jogo, uma brincadeira – play is play.(1)
Neste sentido os eixos de ação do Teatro e comunidade são:
– CIDADANIA E ARTE: desenvolvimento da criatividade, democratização no acesso às artes; á educação artística através de processos de fruição, contemplação e criação. O exercício do teatro e comunidade e das artes participativas assume assim uma condição fundamental para a cidadania e o combate á exclusão
– REDES E PARCERIAS CRIATIVAS: Criação continua e avaliada de redes de desenvolvimento, através do Teatro e comunidade. Através de uma abordagem das comunidades, tanto das suas potencialidades como fragilidades, efetuada através de uma lógica de projecto, criatividade e educação artística ; integrando os recursos locais de modo a aumentar a eficácia da intervenção e a promover processos participativos, envolvendo os atores relevantes e as comunidades locais numa lógica de parceria, assente em objetivos comuns consensualizados e partilhados, remetendo para uma mudança de práticas institucionalizadas nomeadamente com crianças, jovens e idosos, criando novos hábitos e condições de diálogo e de entendimento interinstitucional.
– REPRESENTAR PARA EXISTIR / COOPERAR PARA APRENDER: Práticas artísticas comunitárias de ensino-aprendizagem através da gramática teatral e expressiva e de modo a que as comunidades que os utilizam, para serem mais criativas e inovadoras, indo ao encontro às necessidades de participação e cooperação.
O teatro pode assim invocar as comunidades e envolvê-las num processo de mudança onde estas, devem ser as principais protagonistas.
A arte teatral é um rito dessacralizado que une. O teatro não é apenas prazer. É também dever. É um divertimento empenhado. Não é só racionalidade, mas também emoção.
Não se ocupa apenas da formação pessoal, mas também daquela social. A arte teatral conjuga o imaginário e a realidade, a mente e corpo, o público e privado. Une a disciplina ao jogo.
Por isso, o meu teatro é H. Umano.
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(1) Peter Brook no livro “O Teatro e o Seu Espaço”, editora vozes, Brasil: 1970
José Alberto Rio Fernandes, Professor catedrático e geógrafo. Presidente da Associação Portuguesa de Geografia
Se fosse tudo semelhante, o mundo seria muito desinteressante, é certo. Mas também é verdade que se todos os países fossem mais parecidos com a Noruega (clima aparte), ele seria significativamente melhor!
Veja-se o caso de Oslo, a capital. Não há grandes igrejas ou palácios, nem praças majestosas. Sobressai talvez a arquitetura criativa e a qualidade do espaço público na frente de água (que resultam de intervenção recente), a câmara municipal (de entrada livre) e o palácio real, no alto duma colina, amarelo e pequeno, sem qualquer proteção, senão dois guardas na frente e grades à volta do pequeno jardim das traseiras, onde vi umas crianças a brincar (netos dos reis, talvez).
A nova ópera não tem camarotes e ninguém incomoda a rainha na rua quando vai às compras, ou um ministro na sua bicicleta. Recompensam-se as profissões com menos candidatos: no início de carreira, um pescador ou picheleiro ganha mais que um médico, professor ou engenheiro. A relativa igualdade é notável também na saúde, no ensino, ou entre homens e mulheres, incluído o facto de nenhum homem ousar dar o assento a uma mulher, abrir-lhe uma porta, ou privilegiá-la de qualquer outra forma. O respeito pelo outro é tanto que o silêncio é a regra: há poucos carros e a maioria são elétricos; veem-se muitas pessoas na rua de auscultadores, todos falam pouco e de modo a serem ouvidos apenas por quem está mais próximo e, nos comboios, há até uma carruagem onde se requere silêncio absoluto. Não há ostentação, nem pobreza à vista, apesar de cerca de 25% da população da cidade ser composta de imigrantes.
Será isto o socialismo? Aproxima-se! De qualquer modo, antes de tudo, é o resultado de uma boa educação ao longo de gerações, na aprendizagem pelo respeito ao outro e da prioridade ao bem comum.
Crónica do autor no JN, reprodução autorizada pelo autor CR/ caixa de mitos
Proposition déposée par Samuel Thirion dans le vrai débat (site des gilets jaunes)
Titre de la proposition : Pour une démocratie citoyenne permanente depuis les quartiers et villages jusqu’au niveau international
Description
La seule vraie démocratie est la démocratie directe organisée dans chaque lieu de vie. Cela peut prendre la forme d’assemblées citoyennes dans chaque commune, s’il s’agit d’une petite commune, ou au niveau de quartiers ou villages pour les communes plus grandes, de façon à permettre à TOUS les habitants d’y participer. Ces assemblées citoyennes gagneront à être formellement constituées, par exemple sous la forme d’une association de tous les habitants du lieu considéré. Elles peuvent se réunir par exemple une fois par mois, de façon à ce que chacun puisse y exprimer ses attentes et ses problèmes et qu’ils soient discutés collectivement pour trouver des solutions ensemble. C’est aussi le lieu de co-construction d’une vision partagée de la société que nous souhaitons et des politiques publiques que cela implique à d’autres niveaux. Les visions de chaque assemblée, sous forme d’une synthèse consensuelle des paroles de chacun (en respectant les principes de démocratie citoyenne – voir ci-dessous) peuvent être ensuite réunies dans des assemblées à des niveaux supérieurs (villes, arrondissements, départements, région, pays, etc). Pour que cela puisse se développer IL EST ESSENTIEL DE L’INSCRIRE DANS LE FONCTIONNEMENT DE LA REPUBLIQUE: Créer une république réellement citoyenne!
Principes de démocratie citoyenne :
Le respect des principes de démocratie directe : droit de parole égal pour tous, sans intermédiaire, libre expression de chacun par des questions ouvertes n’introduisant pas des réponses à priori, respect des temps de réflexion individuelle et collective.
Le principe de la représentativitéen s’assurant que tous ont eu l’occasion de participer, ou du moins toutes les catégories sociales, d’âge et de genre et la possibilité de le vérifier de manière transparente et accessible par tous.
Le principe de la traçabilité, permettant à chacun et à chaque groupe de voir comment sa parole a été prise en compte et se retrouve dans les synthèses. C’est un principe essentiel pour que la motivation à participer aille au-delà de la simple curiosité et ne se limite pas à ceux qui en ont le temps.
Bénéfices apportés
Ceci présenterait de multiples avantages:
1- Faire des synthèses des attentes et propositions des citoyens d’abord au niveau local puis ensuite aux niveaux supérieurs, évitant ainsi de faire une synthèse directement au niveau national comme cela se passe dans le grand débat, totalement dépendant d’algorithmes avec tous les inconvénients que cela présente.
2- Sortir de la verticalité pour une véritable horizontalité au plus proche des citoyens, porteuse de dynamiques de solidarité directement dans les lieux de vie.
3- Avoir une vraie légitimité pour interpeller les responsables politiques à différents niveaux puisque les visions partagées et synthèses seront construites à partir de la parole de tous. A terme les responsables politiques qui seront élus seront ceux qui sont le plus à même d’écouter et prendre en compte les attentes des citoyens.
4- Lancer un processus d’apprentissage de la démocratie citoyenne dans tous les lieux de vie, et permettre cet apprentissage dans les écoles.
5- L’existence formelle des assemblées de citoyens sous la forme d’associations d’habitants leur permettra de disposer de leurs propres moyens qui auront de ce fait le statut de biens communs. A termes ces bien communs pourront s’étendre à divers moyens de vie, gérés collectivement et mis à disposition de ceux qui en ont besoin le temps où ils en ont besoin.
A titre d’information cela existe déjà au Cap Vert (information non incluse dans la proposition)
Samuel Thirion, ex-perito do Conselho da Europa é um activista da democracia directa e do desenvolvimento local.
Quando aquela humanista invasão do Iraque para salvar o pobre povo do Hitler Saddam e ir buscar as tais armas de destruição maciça, fiquei preocupado com a intoxicação televisiva. E fui a Grandola jantar com a minha mãe…Mãe, o que acha da invasão do Iraque? – o que acho, oh Hélder, era o que faltava que eu admitisse que alguém viesse dar ordens na minha casa! Isto vem a propósito daquele boss gordo e careca de madeixa loira ao vento que só sabe falar em guerra para esconder as suas derrotas…sim, já perdeu a Síria, e vai continuar, de derrota em derrota até à implosão final. Basta que a dignidade patriótica supere a cobardia e a traição dessas Mafias vendidas. E nos USA, algo está a mexer como na Europa e pelo mundo que não tem direito à divulgação mediática. Movimentos feministas e juventude estão arregaçando as mangas. Os nazis irão perder a jogada.
Os amigos são para as ocasiões e a ocasião é agora: o Mercado Municipal de Abrantes precisa urgentemente de muitos e bons amigos! Dois factos devem ser conhecidos e ponderados pelos abrantinos: 1- A autarquia deliberou demolir o antigo edifício do Mercado Municipal e essa decisão é previsivelmente desastrosa; 2- A autarquia abrantina instalou o Mercado Municipal num edifício inadequado e essa decisão é comprovadamente desastrosa.
Mercado de Abrantes, anos ’30 | Foto: DR
Pode uma cidade – e um concelho – existir sem um bom Mercado Municipal?
Os resultados estão à vista: Abrantes não tem, ao contrário de muitas outras cidades (com quem está em concorrência), um mercado municipal genuíno e atractivo para clientes e turistas, o qual constitua simultaneamente uma forte referência e motivo de orgulho para os cidadãos que aqui nasceram ou habitam. Pode uma cidade – e um concelho – existir sem um bom Mercado Municipal? Poder, pode, mas não é a mesma coisa TER ou NÃO TER um mercado diário tradicional de frescos autêntico, identitário, atractivo e dinâmico. Ora, o que Abrantes tem nesta matéria são dois problemas: por um lado, o Mercado Municipal está instalado num edifício pós-modernista e estilisticamente rebuscado, considerado pela autarquia “um pequeno mercado a funcionar num espaço polivalente”, o qual não reúne características comerciais nem condições ambientais para o efeito e, por outro lado, a autarquia já tomou a decisão de demolir o antigo edifício, sem que se percebam claramente as vantagens, os benefícios ou mesmo a necessidade de o fazer, até porque já lhe tinha sido dado um destino apropriado que, incompreensivelmente, se esfumou (porquê?). Pelo contrário, o anterior edifício do mercado constitui uma referência mnemónica, geracional e comunitária dos abrantinos (à semelhança do que acontece noutras terras) e, a fazer fé em fontes credíveis, possui valor histórico patrimonial que merece ser preservado.
Operação Estratégica do PUA que aplica a sentença de morte ao antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes.
Evitar a transacção de mercadorias roubadas
A História do nosso Mercado Municipal começa há muitos, muitos anos. As feiras e mercados desenvolveram-se na Idade Média, pela necessidade de “promover a troca de produtos entre o homem do campo e o da cidade; eles representavam o ponto de contacto entre o consumidor e o produtor, o ponto onde se concentrou a vida mercantil de uma época em que a circulação de pessoas e mercadorias era dificultada pela falta de comunicação, pela pouca segurança das jornadas e pelo excesso de portagens e peagens” (Rau, 1983). Os mercados, semanais ou diários, surgiram para influenciar e regular a produção e o domínio dos campos pelas vilas na sua área de jurisdição, procurando assegurar o abastecimento entre muros e evitar a transacção de mercadorias roubadas. Eram designados por “açougues” (reuniões diárias onde se vendia carne, peixe, hortaliça, azeite e outros) e supervisados por “almotacés” (inspectores de pesos e medidas que fixavam os preços dos géneros). As feiras, por sua vez, eram o ponto de troca, uma ou duas vezes por ano, entre mercadores de profissão onde a transacção por grosso procurava atrair o maior número de pessoas e produtos de qualquer proveniência. Abrantes, que à época sofria a concorrência de outros núcleos urbanos como Alter do Chão, Sardoal e Constância, afirmou-se como um ponto nevrálgico de comércio devido à sua localização geográfica e parece ter tido pela primeira vez a sua feira numa época anterior a 1379 (Vilar, 1988).
O “novo mercado coberto” de Abrantes
Segundo Campos (1989), o comércio local e regional em Abrantes realizava-se em três locais principais: no antigo Rossio (actual Praça da República), no Largo Visconde de Abrançalha (actual Largo da Ferraria) e no Largo de Santo António (aqui realizava-se o mercado mensal de gados e quinquilharias). Tentativas das gentes de Alvega e do Rossio ao Sul do Tejo de organizarem ou desenvolverem os seus mercados foram travadas pelas autoridades camarárias, sob o pretexto de virem a prejudicar o comércio realizado no centro de Abrantes. No início dos anos 30 do Século XX é construído o “novo mercado coberto” de Abrantes, obra da responsabilidade do Engenheiro Bernardo Ernesto Moniz da Maia. A localização foi polémica, mas prevaleceram os argumentos de “abundante iluminação solar do espaço, absolutamente livre e afastado de outras construções estranhas, e o fácil escoamento das águas e dos detritos, abrindo-se horizontes para uma nova ampliação citadina”. Para além da sua principal finalidade – mercado diário de frescos – admitiu-se desde sempre a possibilidade de o mesmo poder ser usado para outros fins, designadamente de natureza social ou cultural, o que é confirmado pela realização de um festival do Grémio Instrução Musical de Abrantes, um ano e pouco após a sua abertura.
Ao som da Banda do Grémio Instrução Musical
A inauguração do “novo mercado coberto”, a que hoje chamamos o antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes, ocorreu há 86 anos, a 1 de Janeiro de 1933 (um Domingo). Tinha como objectivo “acabar com esses antiquados mercados que, ao ar livre, se realizavam diariamente na Praça Raimundo Soares e na chamada Praça do Peixe, à Ferraria”. A imprensa da época assinalou a efeméride, dando conta do “muito povo que aclamava a Pátria, a República, a Ditadura e o Dr. Oliveira Salazar”, bem como as entidades oficiais e convidados presentes. O então presidente da Câmara Dr. Martins de Carvalho abriu o portão do mercado ao som da Banda do Grémio Instrução Musical, a que se seguiu um breve discurso no qual refutou as acusações de utilização de fundos das freguesias para a construção do mercado, justificando as críticas de má escolha do local com a necessidade de “ocultar às pessoas que nos visitam o espectáculo pouco interessante de, logo à entrada da cidade, depararem com um amontoado de carroças, lixo e outras imundícies que só depunham em desabono do nosso Município”. Prometeu, depois, o embelezamento desta entrada da cidade, com a expropriação de terrenos para a construção de uma ampla avenida, de casas baratas para operários e de um campo de jogos desportivos, assim como para a instalação da chamada Feira de S. Matias.
A banda do Grémio Instrução Musical, acompanhada por populares, na inauguração do novo mercado coberto de Abrantes (1933).
Encerramento do mercado por ordem da ASAE
A construção deste edifício não foi isenta de dificuldades técnicas, tendo as mesmas sido resolvidas antes da inauguração do mercado coberto, com os necessários reforços estruturais. Foi também acrescentada uma cavalariça nos terrenos anexos ao mercado, para a guarda dos animais de transporte de géneros. Em 1946 foi suscitada a reparação e ampliação do mercado, bem como a alteração das fachadas e a protecção das montras e portas envidraçadas exteriores. Os responsáveis pelo projecto, já em 1948, foram os conceituados Arquitecto António Varela e Engenheiro Jorge de Sena, coadjuvados pelo Desenhador Manuel Rodrigues. A obra foi adjudicada em 1949 à Construtora Abrantina e recepcionada provisoriamente em 1951 (definitivamente um ano mais tarde). O Arq. António Varela introduziu o seu traço modernista no projecto fundador do Engenheiro Moniz da Maia, “conferindo uma expressão mais geométrica e abstracta a estes pequenos equipamentos públicos de província”, ao mesmo tempo que reforçava a estrutura interior composta por pilares e vigas em betão armado. Em 1956 foram realizadas obras no sistema de cobertura e aplicado revestimento (lambrim) com azulejo branco, e em 1967 procedeu-se à vedação do alçado norte do Mercado Municipal de Abrantes. Já em Democracia, foram electrificadas em 1978 as instalações sanitárias e em 1984 foi aprovada a adaptação de um anexo do mercado a Posto de Artesanato. Entretanto, a decisão de construção de um novo Mercado Municipal vinha sendo ponderada desde 1981, devido à crescente degradação e desadequação das condições higiénico-sanitárias e regulamentares (a autarquia não via?), ocorrendo em Março de 2010 o encerramento do mercado por ordem da ASAE.
Antigas oficinas da Rodoviária do Tejo
“Em 2010, numa manhã muito cedo, fui surpreendida com um problema sério: a ASAE tinha acabado de encerrar o Mercado Municipal. Não sabia muito bem o que fazer com este menino que me tinha caído nas mãos, mas tínhamos a responsabilidade de criar condições para que os comerciantes pudessem continuar a exercer a sua actividade e trabalhámos, com eles, numa solução”, afirmou a presidente da Câmara Municipal de Abrantes, sem explicar a razão da “surpresa”. Os vendedores foram instalados em dois locais distintos da cidade – no edifício S. Domingos (240 m2) e na R. Luís de Camões (130 m2) – adquiridos e adaptados pela autarquia por cerca de 400 mil euros. No mesmo ano, foi apressadamente elaborado e aprovado o projecto das novas instalações do Mercado Municipal de Abrantes (da autoria da ARX Portugal, Arquitectos José Mateus e Nuno Mateus), localizadas no espaço das antigas oficinas da Rodoviária do Tejo. As obras, previstas para durarem até 2013 (em 2010 previa-se apenas 1 ano), sofreram um atraso de dois anos e, no dia 25 de Abril de 2015, foi inaugurado o novo edifício do Mercado Municipal de Abrantes, ao qual foi agregado um posto de turismo baptizado de “Welcome Center”. O estilizado empreendimento, com 1.280 m2, custou mais de 1,5 milhões de euros (inicialmente previa-se 1 milhão de euros), montante co-financiado por fundos europeus, e conta com 30 bancas e outros equipamentos comerciais e auxiliares distribuídos por 5 pisos (!), com elevador interno e escada exterior coberta ligando o Largo 1º de Maio e a Rua de Nossa Senhora da Conceição. “Um lote extraordinariamente estreito para o programa em causa – que normalmente se organiza ‘ao baixo’ e que foi preciso encaixar em vários andares –, o qual marca decisivamente o projecto desenhado”, reconhecem os próprios projectistas no seu portal online, como que adivinhando e justificando o desastre comercial e social que é hoje o espaço do nosso disfuncional mercado, rejeitado por clientes e comerciantes, apesar das panaceias sabatinas que a autarquia se esforça por receitar sob a forma de workshopsculinários e nutricionistas. “Havia uma solução, voltar ao antigo mercado, era plano e amplo, muito melhor que isto, que não tem jeito nenhum” diz quem está no mercado, para acrescentar “os clientes são idosos que vivem no centro de Abrantes, não andam a subir e a descer escadas”.
Instalações actuais do paradoxal e problemático Mercado Municipal de Abrantes, caracterizado pela presidente da Câmara como “um pequeno mercado que funciona num espaço polivalente”.
Mercado criativo
Entretanto, em 2011, o edifício encerrado pela ASAE foi convertido num espaço de artes e ofícios designado por “Mercado Criativo”, sendo apresentado como “uma lufada de ar fresco no centro da cidade de Abrantes” e “um novo conceito que permite criar condições para o desenvolvimento da economia local, numa lógica do fomento do empreendedorismo com base na criatividade”. Foi inaugurado com pompa e circunstância no Dia da Cidade, tendo estado presente o Ministro da Agricultura. “É um espaço onde se vai poder assistir a um concerto de guitarra, ao lançamento de um livro, saborear um copo de vinho ou provar um cubo de marmelada. Esperamos que os nossos jovens gostem do que vão encontrar e se entusiasmem até para criar o seu próprio posto de trabalho naquele espaço”, anunciou na altura a presidente da Câmara Municipal, acrescentando que o espaço iria estar aberto todos os dias, a partir da tarde, destinando-se a jovens empresários e criativos que quisessem aproveitar o espaço para divulgar os seus produtos ou serviços. Considerando-o “uma marca do seu mandato” onde gastou uns milhares de euros numa esplanada e em novos sanitários e equipamentos para tornar o “espaço acolhedor mas mantendo as suas características”, esta iniciativa borregou ao fim de cinco anos, sem que fossem esclarecidos os motivos da enigmática desistência (em 2015 e 2016, a Feira de Doçaria parecia ali funcionar sem problemas de maior). Desapareceram do local o ateliê de pintura da artista plástica Susana Rosa, as criações de designers portugueses representadas por Ana Sousa Dias, da Alma Lusa, e a Praça dos Sabores da Tagus – Ribatejo Interior, entre outros, esfumando-se a promessa de Maria do Céu Albuquerque de “devolver à cidade um espaço que durante oito décadas funcionou como mercado municipal e que faz parte do imaginário dos abrantinos” (já não faz?!).
Petição pública
Em 29 de Setembro de 2016, numa sessão tumultuosa em que a presidente da Câmara foi acusada pela bancada do PSD de “prepotência, teimosia, capricho e desrespeito” e de “cometer sucessivos atentados contra a identidade da cidade e do património dos abrantinos”, a Assembleia Municipal de Abrantes (de maioria PS) deliberou, com 20 votos a favor, 8 contra (5 PSD, 2 PS e 1 BE) e 2 abstenções (1 CDS e 1 PSD), aprovar a Revisão do Plano de Urbanização de Abrantes (PUA). Nesta revisão do PUA, foi aprovada a “operação estratégica” de demolição e substituição do edifício do Mercado por edifício-fronteira miradouro entre o Vale da Fontinha e a Avenida 25 de Abril, com o objectivo de criar uma entrada qualificada e perceptível no centro histórico, valorizar a relação deste com o Vale da Fontinha, alargar e qualificar o espaço público e pedonal, e garantir fácil circulação automóvel com velocidade reduzida. Pretende-se, para o efeito, levar a cabo uma operação urbanística integrada de iniciativa municipal no valor previsto de 2.981.280 euros, com possível associação de parceiro investidor privado, recomendando-se a realização de um concurso de ideias. Opondo-se a esta decisão e qualificando-a de “atentado irreparável ao património e à alma abrantina, insensível e insensato”, os cidadãos António Cartaxo e António Castelbranco lançaram em Dezembro de 2016 a petição pública “Não à demolição do histórico Mercado Diário de Abrantes! Não à destruição da alma abrantina!”, apelando à autarquia para mudar o seu propósito e apostar na requalificação do edifício, considerando-o um “espaço nobre de comércio e de interacção entre as gentes de Abrantes, marco cultural, patrimonial e histórico que robustece o sentimento de identidade local, merecedor de um carinho inegável da população”.
Contra a demolição do antigo edifício do Mercado
A petição, que até ao presente recolheu mais de 750 assinaturas (continua online), foi apreciada na sessão de 6 de Abril de 2018 da Assembleia Municipal de Abrantes, tendo sido chumbada pela maioria PS na sessão de 20 de Abril, com o argumento de que o antigo edifício do mercado constitui “um entrave à entrada na cidade e sem grande valor histórico ou arquitectónico” (!), apesar da tentativa da oposição de reverter a decisão de demolição do antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes. O PSD defendeu a “revisão do PUA, expurgando-o dessa previsão […] e dando à comunidade abrantina a hipótese de apresentar propostas de requalificação do imóvel correspondente ao antigo mercado diário, tendo sempre em atenção que tais propostas não podem alterar a traça do edifício e eliminar os seus elementos identitários”. Mais acrescentou que “a comunidade abrantina ficará mais bem servida se este histórico imóvel voltar a ser afecto às suas funções iniciais, ou seja, acolher o mercado diário de Abrantes”. Por sua vez, o BE alertou para a “histórica responsabilidade de evitar um desastre irreparável”, o movimento autárquico independente de Rio de Moinhos (MIFRM) lembrou que “na política tem de haver a coragem de assumir o erro” e a CDU defendeu a necessidade de “valorizar a iniciativa e a vontade dos cidadãos”. Alguns destes, entrevistados pelo semanário “O Mirante”, manifestaram-se contra a demolição do antigo edifício do Mercado, tendo Luísa Silva afirmado que “o dinheiro que foi gasto no novo mercado diário deveria ter sido aplicado na recuperação do antigo, tinham gasto muito menos e tinham preservado um marco histórico da cidade” e Eduardo Costa dito que “a demolição, a concretizar-se, representa um erro histórico, o antigo mercado faz parte da história dos abrantinos e em vez de demolirem é preferível ser recuperado”.
Petição “Não à demolição do histórico Mercado Diário de Abrantes! Não à destruição da alma abrantina!”
Orçamento participativo
O geógrafo Herculano Cachinho diz que “as cidades vivem hoje entre dois mundos, um de tempo rápido, representado em termos comerciais pelos grandes shoppings, replicáveis em qualquer lado, e um segundo mundo de tempo lento, assente no comércio tradicional de rua e nos mercados municipais, onde se pode respirar e usufruir o espaço pelo espaço, e onde o tempo não existe”. Por seu lado, o especialista em património cultural David Ferreira afirma que os mercados tradicionais portugueses são monumentos não intencionais e lugares de memória e identidade que devem ser defendidos. Baseado neste pressuposto e preocupado com a degradação do antigo edifício do Mercado Municipal, o munícipe Fernando Jorge Silva Pereira submeteu ao Orçamento Participativo de Abrantes de 2018 a proposta de “realização de obras de manutenção do edifício do antigo Mercado Diário, nomeadamente: pintura exterior, beneficiação do espaço exterior – relocalização de armários de electricidade, colocação de mobiliário urbano (bancos, papeleiras, floreiras) – e manutenção das instalações sanitárias”, por um valor estimado de 61.500,00 euros. A autarquia rejeitou esta proposta, com o argumento de que “a estimativa orçamental elaborada pelos serviços técnicos do Município ascende a 156.805,00€+IVA, pelo que contraria o disposto no nº 1 do art.º 9º do Regulamento do OP, nomeadamente, a sua al. d) que estipula que as propostas têm de respeitar o limite orçamental anualmente definido pelo órgão executivo do Município, conjugado com a cláusula quarta das Normas de Participação para 2018, que definiu para o ano 2018, o montante máximo de 100.000,00€”. O munícipe reclamou desta rejeição, afirmando que “o valor apresentado de 61.500€ refere-se a esses trabalhos e não a uma obra de média dimensão como indicado na estimativa dos serviços do município. Trata-se simplesmente de ‘lavar a cara’ do edifício, o que valorizará bastante o centro histórico da cidade de Abrantes e contribuirá para eliminar a imagem de degradação da cidade”.
Reabilitar a imagem exterior do edifício
Mais justificava o proponente que “o objectivo principal da proposta apresentada é eliminar a imagem de degradação da cidade que o actual estado do edifício transmite aos abrantinos e a todos os que circulam na via principal de Abrantes, designadamente no acesso ao centro histórico. Pretende-se que seja reabilitada a imagem exterior do edifício, nomeadamente com a pintura exterior de paredes, lavagem de alvenarias e pintura de vãos exteriores. A par da reabilitação da imagem exterior propõe-se a reabilitação das instalações sanitárias existentes, para apoio das actividades que ali se venham a desenvolver. As fachadas terão uma área aproximada de 900m2. Se estimarmos em 50€/m2 o custo unitário da reabilitação das fachadas, obtemos 45.000€. Os restantes 16.500€ aplicar-se-ão na reabilitação das IS e outros trabalhos que valorizem o edifício”. Apesar desta bem fundamentada e justificada estimativa, a autarquia decidiu manter o indeferimento, argumentando que “não faz qualquer sentido avançar para a requalificação, ainda que de imagem, daquele edifício, sem garantir a recuperação da sua cobertura, uma vez que as infiltrações a que o mesmo estaria sujeito, rapidamente degradariam a pintura e arranjos na fachada que se fizessem”.
O limite máximo de 100 mil euros
E acrescentava a autarquia, na sua decisão final de manter a rejeição da proposta, que “não é possível disponibilizar sanitários ao público, sem que os mesmos tenham um mínimo de 20m2 cada, o que significará uma área de 40m2 e, portanto, um valor estimado nunca inferior a 40.000,00€. Mesmo retirando o item referente às infraestruturas eléctricas exteriores, não se poderia abdicar de arranjos exteriores que, mesmo minimalistas, teriam de concorrer para a dignificação do espaço em linha com o edifício e nesse caso a reparação dos muros, grades e pavimento, drenagem de águas pluviais, teria um custo mínimo estimado de 20.000,00 €. Em resumo e seguindo a linha de raciocínio da exposição apresentada, ou seja, efectuar apenas uma ‘lavagem de cara’ ao edifício, essa intervenção rondaria sempre 118.405,00€ + IVA”. Este preciosismo (quiçá má vontade) da autarquia abrantina é no mínimo curioso (ou mesmo estranho) pois, além desta última estimativa pouco superar o limite máximo de 100 mil euros estabelecido para as propostas apresentadas ao Orçamento Participativo de Abrantes 2018, ainda há meia dúzia de anos a mesma autarquia, através da sua presidente da Câmara, afirmava na inauguração do “Mercado Criativo” (nas mesmas instalações) que as obras então realizadas, incluindo a instalação de uma esplanada e de novos sanitários, custaram uns meros 5 mil euros, ou seja, vinte e quatro vezes menos (!)…
A autarquia decidiu pela inexplicável demolição do antigo edifício do Mercado quando este ainda era um espaço multiusos funcional que acolhia a Feira de Doçaria e outras actividades e eventos.
Regressar ao antigo edifício
Entretanto, no novo edifício do Mercado, os comerciantes têm sido confrontados com falta de clientes e condições ambientais adversas (frio, vento e chuva), respondendo a presidente da Câmara que “o Mercado não pode ser hermético, sob pena de deixar de ser funcional, é aberto, tem de haver passagem de ar, todos são assim” (!). Esta situação levou os vendedores a manifestar a vontade de regressar ao antigo edifício, hipótese que a autarca rejeitou liminarmente, o que não surpreendeu pois, já em Outubro de 2016, aquando da realização da última edição da Feira de Doçaria no Mercado Criativo (antigo edifício do Mercado), Maria do Céu Albuquerque havia sibilinamente prometido que este espaço seria “levado a obra dentro de algum tempo e ter outro fim” (qual, a demolição?). A verdade é que os Mercados Municipais construídos em Portugal durante o Estado Novo têm vindo a ser objecto de requalificação imobiliária e de finalidade ou actividade, ou seja, de tudo menos de demolição. Desde meras obras de conservação e beneficiação, mantendo a função retalhista, até alterações profundas de estrutura e actividade, mantendo a traça original, a tudo se tem assistido na vontade de preservar o referencial patrimonial e identitário dos velhos mercados cobertos, os quais constituem uma das principais e mais distintas atracções turísticas das cidades, assim como ponto de encontro diário, semanal ou anual, de novas e antigas gerações de habitantes e visitantes. Os exemplos são numerosos e facilmente localizáveis na Internet, pelo que me limito a referir apenas alguns aleatoriamente. Assim, o município de Arruda dos Vinhos está a requalificar o seu Mercado Municipal e a adaptá-lo a “Mercadinho d’Arruda”, um investimento máximo de 200 mil euros co-financiados pelo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020. O projecto visa “dotar aquele espaço de um conjunto de novas valências (p.e. produtos biológicos, Enoteca e eventos), apostando em novas metodologias de marketing e comunicação, valorização de produtos e marcas locais e modernização e adaptação aos hábitos de consumo atuais”.
A opção de requalificar
Há três anos, o município de Caminha lançou um concurso de ideias, em conjunto com uma escola superior local, para a reabilitação e requalificação do Mercado Municipal. O objectivo foi de o “adaptar às novas dinâmicas de mercado, fortalecer o seu posicionamento no comércio de proximidade e criar novas estratégias de divulgação dos produtos de produção local, transformando-o num elemento de referência, evidente e apelativo, na área envolvente”. O ano passado, Cruz de Pau decidiu igualmente requalificar o seu Mercado Municipal, através da “ampliação e melhoramento do actual edifício, reorganização do espaço do mercado e espaços evolventes, e ainda a beneficiação dos espaços exteriores, criando assim melhores condições quer para os comerciantes, quer para os utentes do mercado”. A opção de requalificar, no valor aproximado de 500 mil euros, foi considerada melhor do que construir o mercado noutro local, pois “a deslocalização podia prejudicar os comerciantes, tendo em conta que os hábitos de compra da população seriam alterados”. Já este ano, Santarém quer requalificar o seu Mercado Municipal, um edifício de 1930 do arquitecto Cassiano Branco. As obras, no valor de dois milhões de euros, visam “resolver os problemas existentes nas estruturas de alvenaria, nas coberturas e nas infraestruturas (eléctrica, de água e de saneamento), mantendo todas as características notáveis do edifício, ocorrendo as maiores alterações na lógica funcional”.
Um rumo diferente aos velhos edifícios
Por idêntico caminho seguem actualmente (ou seguiram) outros mercados antigos a necessitar de obras, como os de Sines, Alpiarça, Sesimbra, Covilhã, Serpa, Pinhal Novo, S. João da Madeira, Póvoa do Varzim, Vila Real de Santo António e tantos outros. O Mercado Municipal de Leiria, cuja requalificação visa a “modernização das instalações e da oferta comercial, integração com a envolvente e a gestão comercial, para melhoria de um espaço que actualmente se encontra em mau estado de conservação”, tem uma empreitada no valor de 3,5 milhões de euros contemplando a “renovação da linguagem arquitectónica com ligação do edifício à envolvente exterior, nomeadamente aos produtores, atenuação do efeito da volumetria com libertação do piso térreo e criação de fachada ventilada exterior para acondicionamento de sistemas de climatização e beneficiação térmica das fachadas”. Contudo, outros municípios decidiram dar um rumo diferente aos velhos edifícios dos seus Mercados Municipais. É o caso de Mira, por exemplo, que está a fazer a conversão para um auditório com 270 lugares, investindo cerca de 700 mil euros. Ou de Gouveia, onde serão investidos cerca de 3 milhões de euros na criação de lugares de estacionamento exteriores e interiores, espaços para ateliês/associações, comércio e serviços, café/restaurante e bar de apoio e 80 bancas de mercado diário. Ou ainda do Redondo, onde foi instalado um centro de apoio às microempresas, vocacionado para a “dinamização da actividade económica através do apoio à constituição, instalação e desenvolvimento de empresas na sua fase embrionária e de arranque e consolidação de micro e pequenas empresas, proporcionando-lhes condições para o seu crescimento e reafirmação”
O Mercado Municipal de Santana, no concelho de Leiria, inaugurado em 1931, foi convertido em 2003 num espaço cultural com dois auditórios, sala de exposições, galeria de pintura, bar, café e restaurante, proporcionando a realização de diversas actividades culturais. No Bairro do Carandá (Braga), o mercado foi transformado em escola de música, espaço cultural e jardim público, um projecto do arquitecto Souto de Moura. Em Belmonte, o antigo mercado municipal foi convertido numa “Academia Gimno”, com desportos aquáticos virados para a saúde e o bem-estar. Lousada pretende construir um novo mercado e instalar uma incubadora de empresas no actual edifício. Castelo de Paiva transformou-o num centro de promoção de produtos regionais. Em Valongo, o antigo edifício do mercado vai acolher um serviço público. E em Lisboa, mercados como o do Forno do Tijolo, de Santa Clara ou do Bairro Alto oferecem espaços-oficina (Fab Lab) acessíveis aos munícipes comuns, onde são fornecidos materiais e máquinas para estimular a criatividade e o empreendedorismo, no âmbito de uma estratégia municipal de reabilitar e reutilizar espaços abandonados para fins ligados às artes e ofícios, às indústrias criativas e ao empreendedorismo.
Noutros países
Também noutros países se observa a preservação e requalificação de velhos mercados municipais, nalguns casos salvos in extremis por acção de movimentos e sobressaltos cívicos que confrontam poderes institucionais ou fáticos, movidos por enchouriçada ignorância ou inconfessados interesses económicos. A valorização desses mercados baseia-se nas mesmíssimas razões que levam a fazê-lo por cá: história, identidade, comunidade, sociabilidade, intergeracionalidade, património, tradição e turismo, entre outras. Na vizinha Espanha, por exemplo, o município de Moraña (província de Pontevedra, Galiza) está a converter o antigo edifício do Mercado Municipal num moderno centro sociocultural e multiusos, com um amplo auditório, duas salas de formação, um pátio coberto para actividades de lazer, uma zona polivalente para a terceira idade e diversos serviços de apoio. A obra contemplará a restauração integral do imóvel, mantendo a fachada tradicional. Já o município de Vilagarcía de Arousa, na mesma província galega, está a fazer a conversão para um centro de formação em Cozinha e Restauração. E em Getafe (Madrid), o antigo mercado municipal foi transformado num centro multiusos de cultura e lazer, onde podem ser realizadas feiras e eventos comerciais, exposições de arte e actividades culturais. Muitíssimos mais exemplos poderiam ser dados de regeneração, requalificação, modernização, conversão ou transformação dos Mercados Municipais, quer no nosso país quer no estrangeiro. Ad contrarium, são raríssimos os casos de demolição de edifícios antigos que guardam em si preciosas e imperdíveis histórias, memórias, cultura, comunidade e identidade.
Os erros ainda podem ser revertidos
Recordada a história do nosso mercado, apontados os dois problemas fundamentais (e existenciais) com que se defronta actualmente e alvitradas soluções alternativas, concluo esta crónica como comecei: considero um erro muito grave a imprudente e precipitada decisão de demolir o antigo edifício do Mercado Municipal de Abrantes. E, como se essa insensatez não bastasse, considero um erro de palmatória, um disparate mesmo – tanto do ponto de vista técnico como político e orçamental –, a instalação do Mercado Municipal no edifício onde se encontra actualmente, um edifício projectado apressadamente para o efeito e que não oferece condições adequadas de circulação e atracção de clientes e visitantes. Tudo isto feito nos gabinetes e salões da autarquia, praticamente de costas voltadas para a população. Felizmente que ambos os erros ainda podem ser revertidos, embora a custo de muito dinheiro gasto e tempo perdido. Espero que as forças políticas autárquicas e a sociedade civil abrantina, que têm a obrigação de estar unidas e em consenso nesta matéria, ponham a mão na consciência e compreendam que foram escolhidos caminhos errados e desastrosos (seria também importante que percebessem porquê e não voltassem a repeti-los). O Mercado Municipal de Abrantes – os seus actuais comerciantes e o seu antigo edifício – precisa urgentemente de clientes, mas precisa muito mais de amigos. Amigos novos e velhos amigos que se cheguem à frente e se disponham a defendê-lo e valorizá-lo pois, sem amigos que o façam, o nosso Mercado perderá os poucos clientes que ainda lhe restam e será apagado definitivamente da nossa alma colectiva. Se os amigos são para as ocasiões, esta é a ocasião para dizer NÃO à demolição e SIM à valorização do Mercado Municipal de Abrantes.
José Rafael Nascimento tem 62 anos de idade e reside, com a sua esposa, na aldeia de Vale de Zebrinho (São Facundo), na casa que foi dos seus avós maternos. É bacharel em Economia, licenciado em Organização e Gestão de Empresas e mestre em Psicologia Social e Organizacional, com pós-graduação em Marketing Político e Social. Tem desenvolvido atividade docente no ensino superior, assim como formação e consultoria empresarial, depois de uma carreira de gestor em organizações multinacionais e públicas. Tem dedicado a sua vida cívica à atividade associativa e autárquica, interessando-se pelos processos de participação e decisão democráticos.