A Carta Aberta pelo Direito ao Lugar e as políticas de valorização do interior

praça das redes | Reunião 24 de junho 2021

Realizou-se hoje uma reunião, organizada e dinamizada pela Equipa do Projeto Ligações, com responsáveis da Secretaria de Estado da Valorização do Interior cujo tema central foi a Carta Aberta pelo Direito ao Lugar.

A Caixa de Mitos que participa no projeto e é naturalmente subscritora da Carta Aberta destaca a importância destas ferramentas de intervenção pública resultantes de processos de participação e com uma orientação para soluções. Confirma-se que o trabalho colaborativo das associações e das entidades presentes nos territórios deve estar em permanente interação com o desenho das políticas públicas para dar utilidade social aos projetos e explorar caminhos de uma cidadania ativa mais efetiva.

Brevemente a Equipa do Ligações divulgará os apontamentos desta iniciativa e é previsível que o debate sobre os passos seguintes venha a ocorrer na rede de organizações e pessoas subscritoras da Carta. Mas desde já, e tendo em conta a nossa presença e participação no encontro a distância, podemos afirmar: estamos no bom caminho. Um caminho difícil, mas que vale a pena percorrer.

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos

Valorizar a missão mediadora nos territórios, na educação de adultos

COMENTÁRIO PÓS-WEBINAR da Comunidade de Prática de 15 de junho 2021. Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos | EPALE

Não atender à diversidade de situações que existem nos territórios relacionadas com a panóplia de percursos de qualificação e com as mais variadas necessidades dos adultos em matéria de educação-formação é restringir o investimento público em dispositivos de apoio de base territorial a uma missão única e unilateral: recuperar os baixos níveis de escolaridade da população portuguesa que são consequência dos tempos do regime salazarista inimigo declarado da educação para todos e dos períodos crónicos de elevado abandono e insucesso escolar.

Educação de adultos e dinâmicas dos territórios

Para um país com recursos limitados e com profundas necessidades de ajustar as suas competências coletivas aos desafios de uma economia local mais verde, mais criativa, mais sustentável, mais relacionada com as dinâmicas do desenvolvimento local dos territórios, com temas como a comercialização de produtos locais em circuitos curtos, a ecoconstrução, o turismo sustentável, a produção local com incorporação de mais-valias de design e de bases identitárias locais, é um LUXO andar a tratar de recuperação e remediação fechando os olhos à realidade existente. Veja-se a dinâmica da Dieta Mediterrãnica no sul; as rotas turísticas naturais, a nova restauração baseada nos produtos locais; os espaços comerciais partilhados- as pop stores-, o turismo literário, a recuperação de património esquecido, as dinâmicas cidadãs locais…

Podem as políticas públicas de educação de adultos de um país alhearem-se disto tudo?

Será que isto pode continuar?

Podem os profissionais desta área de atuação sentir uma verdadeira realização profissional e viverem num sistema que não interage com as dinãmicas inovadoras e criativas dos territórios?

Podem os adultos que poderão sentir um novo impulso pelo valor das aprendizagens manterem-se afastados destas oportunidades?

Será legítimo negar ou excluir dos benefícios do financiamento publico em educação a esmagadora maioria dos adultos dos territórios em nome de uma missão que importa cumprir mas não eleger como única e até canabilizadora das energias locais para iniciativas de aprendizagem?

O financiamento e as políticas públicas

O que impede que haja equilíbrio e espírito de inclusão neste terreno de difícil gestão e de dinamização que inclui à partida as escolas, os diversos estabelecimentos de ensino , as bibliotecas?

A existência de uma estrutura cuja missão poderá ser a de uma plataforma de incentivo, de prática e de animação de processos educativos de base local que se articule com trabalho, cultura, cidadania ativa, animação digital e que estabeleça pontes com todas as entidades da educação-formação e de cultura e recreio locais, impõe-se!

Até agora foi sempre declarado pelos decisores, não há dinheiro para tudo e para esta tarefa de elevar os níveis de qualificação dos portugueses e de trabalhar fundamentalmente para a Certificação tem financiamento comunitário. Há dinheiro de Bruxelas para isto e é isso que se faz!

O que fazer?

Com o PRR e as verbas adicionais que serão colocadas à disposição de Portugal para educação-formação admitia-se que o argumento do dinheiro e de quem paga sairia enfraquecido. Mas não. O reforço orçamental é para aumentar o número de certificados!

Resta saber se as associações que existem neste campo sistematicamente secundarizado nas políticas públicas de desenvolvimento do país se vão manter silenciosas e a gerir pequenos projetos locais ou se admitem que a Grande Coligação pela Educação em Portugal terá que fazer-se com a educação de adultos e com os adultos portugueses e juntar as entidades representativas das Coletividades de Cultura e Recreio, as Universidades e Academias Seniores, o INATEL, os Clubes de Leitura, as Cooperativas Culturais, das Bibliotecas e assumir que a construção de territórios aprendentes carece de INVESTIMENTO PÚBLICO pelo menos igual ao das empresas e dos negócios

Existe um Programa de Valorização do Interior! Pois que avance um Programa de Valorização das Competências Coletivas, com Unidade de Missão, com fase-piloto, com financiamento intensivo e apoio do Conselho Nacional da Educação!

Impõe-se pois um serviço público de educação! Já não se trata de educação de adultos mas de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PAÍS!

Carlos Ribeiro, 21 de junho 2021

Skills ou PC?

EDUCAÇÃO DE ADULTOS | Sem PC não há nada para ninguém!

por Carlos Ribeiro – Caixa de Mitos

A encomenda que é feita aos sistemas de educação-formação nos nossos tempos é clara como água: preparar os adultos para o emprego e para as necessidades das empresas embrulhando as ações a realizar ou realizadas numa espécie de grande meta coletiva denominada empregabilidade.

Empregabilidade é, recorde-se, a disponibilidade para todo e qualquer adulto ou jovem ser mobilizado pelas empresas ou outras organizações empregadoras, quando e como elas quiserem. Soit disant a vontade de empregar não dependeria dos empregadores mas antes da economia.

Estamos perante um conceito pré-militar que as organizações para -militares bem conhecem, com continência a reforçar: SEMPRE PRONTO!

O sistema de educação-formação está alinhado com o objetivo da competitividade das empresas e dos negócios e prossegue o trabalho normativo e normalizador da formação inicial enquadrando os adultos em processos de aprendizagem escolarizados que omitem as diferenças profundas e radicais que existem entre o adulto que tendo cessado uma participação escolar aprende agora a partir de experiências e tendo em conta a sua experiência peculiar.

O modelo escolar transferido para a salas de formação e de educação de adultos é profundamente discriminatório porque coloca o adulto em situação de relação com o conhecimento num quadro desfavorável e inapropriado (anti-andragógico) e ainda por cima etiqueta as abordagens nesse campo com o conceito de competências e consequentemente manipula os adultos num terreno que exige ação, mobilização de recursos e demonstração concreta de um processo combinatório visando a resolução de problemas. Ou seja vende-se gato por lebre.

O que pode ser feito para colocar a educação de adultos e a ALV ao serviço do desenvolvimento sustentável e humano e não apenas ou principalmente do mercado e das empresas?

A primeira linha de atuação é assumir que mais vale um PC na mão que muitos skills a voar!

Sendo aqui PC as iniciais de PENSAMENTO CRÍTICO e de rotura com a educação-formação normativa e controladora no plano ideológico e social.

A segunda linha de atuação passa por estruturar a participação ativa dos adultos em iniciativas e causas locais, impulsionando processos de educação-ação e de educação comunitária que facilitem as aprendizagens de cada um dos participantes em função das suas opções e preferências e prioridades na própria vida.

Duas linhas de atuação que justificam aprofundamento, em próximos capítulos.

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos – 10 de junho 2021

A certificação, um bem que vem por mal

DEBATE| Educação de adultos

Nos debates da última iniciativa promovida pela Lifelong Learning Platform – LLL Lab que dirigentes portugueses como Luis Costa e Susana Oliveira conduziram com arte e engenho, a par de outros protagonistas europeus, uma verdadeira questão foi colocada de forma informal mas com peso e medida que foi a seguinte: sim, aprendizagem ao longo da vida mas qual é a verdadeira finalidade?

A questão colocada num plano político deixou de ser uma mera curiosidade numa conversa entre peritos da ALV, que como sabemos é o que acontece sistematicamente neste tipo de eventos,

O emprego ou a vida…

A aprendizagem ao longo da vida e a educação de adultos terão por finalidade uma preparação para o mundo do trabalho e para o emprego ou a sua missão está principalmente associada à auto-construção de cidadãos ativos e conscientes que na sua relação com a vida quotidiana e com os desafios do futuro constroem percursos de uma vida que tem valor aos seus próprios olhos e não necessariamente a vida que lhes querem indicar como senso a vida que devem viver.

João Costa, Secretário de Estado da Educação presente no Encontro a quem se reconhece enormes qualidade de governante nestes domínios, colocou-se num dos lados da barricada e foi muito claro: primeiro a CERTIFICAÇÃO , depois as outras consequências ou impactos dos processos de aprendizagem.

Falas muito porque já és diplomado

O argumento utilizado foi decepcionante e roçou a demagogia quando Costa adiantou que quem já tem certificados e diplomas é que os desvaloriza, porque já os tem. No fundo colocando os detentores de diplomas e que pretendem uma outra abordagem para a educação de adultos como cegos e egoístas.

Segundo Costa o certificado é indispensável para todo e qualquer desempregado encontrar emprego e as atividades informais de educação-formação deveriam convergir para o sistema de RVCC para traduzir em diplomas as aprendizagens realizadas.

Na verdade esta afirmação da relação entre certificado e emprego está longe de ser verdadeira. A sua absolutização esconde outras preocupações que mereceriam ser reveladas, como é caso da pressão da OCDE sobre Portugal para que eleve os níveis de escolaridade da sua população ativa. Importa pois relativizá-la sem a desvalorizar.

Valor do certificado

Este campo do valor do certificado para o empregador adquire importância, em áreas profissionais nas quais a oferta de emprego é seletiva ao ponto da certificação exigida ser resultado de ciclos de certificação.

Não é o caso dos empregadores que maioritariamente se relacionam com os desempregados cujos ciclos de certificação são curtos ou inexistentes. Para estes funciona principalmente uma relação de proximidade e de contactos diretos, muitas vezes entre pessoas conhecidas e com contratações baseadas antes de mais na experiência e nas garantias de assiduidade e de responsabilidade.

Importante, mas não determinante

O certificado é importante, é! Mas não é determinante. Temos 500.000 trabalhadores pobres no país e nesta imensa fratura social o certificado não se articula com o elevador social.

Se um adulto que frequenta processos de aprendizagem em dispositivos de educação-formação locais tiver à saída do seu processo formativo ou de RVCC um portefólio de contactos, de experiências e de interações que o liguem ao meio profissional, que facilitem iniciativas de aproximação relacionadas com o emprego ou o trabalho, podemos admitir que se o certificado também o integrar, poderá ser uma mais-valia, mas nestes terrenos da relação profissional é o conjunto que funciona bem e não o certificado per si!

Continuar a atrofiar a educação de adultos em nome do certificado é afinal de contas consensual nas políticas públicas de educação-formação. Para enfrentar esta dramática convergência negativa contra a educação de adultos valeria a pena criar um organismo autónomo de cúpula da EFA portuguesa e, de baixo para cima, dinamizar autênticos Territórios Aprendentes que dêem expressão a uma convergência positiva em torno de uma educação de adultos transformadora.

Carlos Ribeiro | Caixa de Mitos