A coisa e o coiso
José Alberto Rio Fernandes, geógrafo e Presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos.
Perto de Paço Vedro de Magalhães, em Ponte da Barca, onde moravam os pais e terá nascido o famoso Fernão, viveu um certo Tomás que, sendo frade, ficou conhecido por pregar para que se fizesse como ele dizia (e não como fazia). Concordo com ele: independentemente do que se faça, o que se diz não perde valor.
De qualquer modo, hoje, acho que faz mais falta quem pregue para que se ouça o que se diz e se esqueça quem o diz. Porque o que importa é a coisa e não o “coiso”!
Porque digo isto? Porque vários, como eu, bem “pregaram” contra a fluvina no Freixo, junto à foz do Torto, ou o emparedamento do Tinto, no Parque Oriental do Porto. Ninguém ligou à coisa, porque acharam que era ataque ao “coiso”. Também foi assim quando critiquei um estudo sobre alojamento local que considerou apenas os 7258 registos oficiais e contadores de água declarados como AL, onde se esqueceram duma base fiável (AirDna) que atestava a existência de 13.285 propriedades!
Penso que se pensa tanto nos “coisos” que já nem se liga às coisas. Será por isso que tantos dizem “não gosto do”, em vez de “não concordo com, porque” e se multiplicam os silêncios cúmplices, ao mesmo ritmo a que crescem os bajuladores e o poder dos que veem ataque pessoal na diferença de opinião?
Não sei. Sei apenas – e chega-me – que gosto de quem pensa e diz o que pensa, tenha ou não opinião semelhante à minha. Que bom que António Costa é nisso como eu e escolheu o seu antigo opositor e meu amigo José Luís Carneiro para secretário geral adjunto do PS! Que bom também que podemos ler e/ou ouvir todas as semanas Ana Gomes, Daniel Oliveira, Francisco Assis, Henrique Raposo, Pacheco Pereira, Pedro Santos Guerreiro, Miguel Sousa Tavares e tantos outros, a dizer as coisas que pensam. E que nos fazem pensar.