Ana Vale, uma humanista facilitadora de inovação

PR | 28 de setembro de 2020 | Informação

por Carlos Ribeiro

Deixou-nos Ana Vale e com ela desaparece a referência central da Inovação Social em Portugal cuja expressão máxima residiu na Iniciativa Comunitária EQUAL que funcionou entre 2001 e 2007.

As marcas do Programa foram de tal ordem que a sua eliminação pura e dura depois do primeiro ciclo de execução representa o primeiro grande sinal da imposição do neoliberalismo nas políticas da União Europeia e o fim das expectativas de um Estado Social com outras vertentes que não as destinadas à mera remediação.

Exigência e flexibilidade

Ana Vale era conhecida pelo rigor e pela persistência nos objetivos e nos rumos definidos. Combinava exigência com flexibilidade. Ouvia e incentivava a escuta activa em todos os sistemas de inovação.

Com ela alguns conceitos fundamentais como discriminação, empoderamento, participação, comunidade de prática, interculturalidade, responsabilidade social, inclusão, parceria, rede, empreendedorismo social, e muitos outros, passaram a ter um novo significado e uma nova abordagem no processo de mudança e inovação social no país.

Nada sobre nós, sem nós!

Nada sem nós, sobre nós! Foi o grande Manifesto dos discriminados e desfavorecidos deste país que tiveram palco, presença e participação activa nos seus destinos durante os anos de vigência da IC Equal e da liderança facilitadora de Ana Vale.

Quando o primeiro ciclo da IC Equal terminou foi proposto que 5% das verbas do FSE fossem dedicadas à Inovação Social para intensificar o esforço colectivo realizado e fornecer uma nova escala às experiências bem-sucedidas daquela fase inicial. A recusa desta proposta em nome de uma futura abordagem transversal da inovação social bloqueou um autêntico Movimento de esperança e de potencial reforço da coesão social, da criatividade colectiva e da justiça social.

O assassinato deliberado

Depois deste assassinato, Ana Vale nunca mais acreditou na possibilidade de uma mudança social a sério no país.

Recentemente quando surgiu o Programa DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária no qual antevi elementos muito próximos das estratégias da IC Equal e envolvi-me nas iniciativas de dinamização do programa, contactei a Ana Vale para ela participar numa sessão sobre Inovação Social e ela respondeu-me “Ó Carlos você ainda acredita nessas coisas!”.

Para além da Equal

Foi esta amargura e de alguma forma a desilusão que levou uma pessoa discreta por natureza a retirar-se do espaço público e a colocar-se numa posição reservada, privando o país de saberes e uma experiência absolutamente únicos.

Ana Vale não foi só IC Equal. Foi muito mais que um Programa Europeu. Foi a todos os títulos uma mulher defensora de novos direitos e de novas condições sociais.

Uma facilitadora de inovação com profundas convicções humanistas e com uma visão única do sentido de comunidade.

Marcou-nos. Marcou-me para sempre.

© foto IC Equal .

O Presidente que fez um processo RVCC, Então eu passei?

Praça das Redes | 19 setembro 2020 | Jorge Sampaio e a educação de adultos | Na foto com o seu Dossiê RVCC.

A propósito dos 81 anos de Jorge Sampaio e das formas de estar no espaço público recordo um aspeto muito peculiar deste ex-Presidente da República que foi para muitos portugueses uma inspiração e um exemplo em matéria de posicionamento ético e de defesa do pluralismo que estrutura a própria democracia.

Recentemente um ato institucional e de comunicação que levou Marcelo Rebelo de Sousa a uma operação de valorização do slogan “nunca é tarde para aprender” que é alimentado pela Agência Nacional para as Qualificações e o Ensino Profissional e que procura mobilizar os adultos com baixas qualificações para processos formativos e de reconhecimento e validação de competências, traduziu-se numa sessão realizada em Belém que envolveu Nelson Semedo um jogador de futebol.

Sampaio colaborou no dossiê

De fato podemos falar de estilos e de relacionamento muito diferentes do mais Alto-Magistrado da nação e sobretudo de preocupações bem distintas com a participação em eventos de projeção e interesse nacional. Uma coisa é a mediatização das ações, as selfies, os abraços e os beijinhos,

outra é a compreensão sobre o funcionamento dos sistemas, partilhar as potencialidades e as dificuldades e acompanhar a reflexão produzida sobre o impacto das políticas públicas na sociedade.

Jorge Sampaio, para o mesmo objetivo que o citado para Marcelo, passou uma jornada numa aldeia situada a Norte do país, colaborou antecipadamente à sua visita num processo de RVCC relativo às suas próprias competências realizado por adultos da localidade em apreço e presidiu a um Júri tendo assistido e participado em todas as fases daquela atividade tida por avaliativa.

Interesse pelo futuro dos adultos

Depois do júri de RVCC Sampaio preocupou-se com os projetos das pessoas e das consequências concretas que teria o investimento que cada adulto realizou nesta atividade de educação de adultos.

O dossiê com as evidências e a relação com o Referencial de Competências foi apresentado ao Presidente que reconheceu alguns dos contributos que deu nos meses que antecederam a sua visita e do então Ministro da Educação David Justino.

Jorge Sampaio não foi à aldeia onde ocorreu esta dinâmica para fazer discursos. Tinha sempre uma pergunta para fazer e sobre o seu processo RVCC teve a humildade de perguntar “então e eu, passei?“.

Carlos Ribeiro

OPINIÃO | Libertem as competências da prisão neoliberal

PR | 15 setembro 2020 | OPINIÃO

Por Carlos Ribeiro, Caixa de Mitos

Nas atividades formativas que não se inscrevem nos processos lineares da formação inicial e da formação contínua e que se inscrevem no registo da educação a escolha é simples: ou se forma para a competitividade ou para a pessoa e para a sua liberdade.

Não, não! As meias tintas não valem! O argumento de ser inevitável também formar para o emprego, para a dita empregabilidade, para aquilo que “as empresas necessitam” serve apenas para autovalorizar os processos formativos e contornar o que é essencial em educação.

Precários e formação

Não iremos tanto pelo lado das teorias do precariado “porquê formar se os empregos disponíveis são precários e mal remunerados” ou dos “empregos de merda -título de David Graeber) afinal “que formação é necessária para empregos tendencialmente pouco qualificados?”, mas mais pelo lado da desocultação de um conceito feito prisioneiro pelo neoliberalismo ascendente na Europa em meados dos anos 90 do século passado e que, nos tempos que correm, está cada vez mais consolidado, para mal dos nossos pecados.

Isto a propósito das capacidades e dos saberes dos adultos que alguns teimam, propositadamente, em denominar competências.

Conceito não admite fragmentação

O conceito que na sua dimensão plena, leboterfiana, desenha um quadro de desenvolvimento e integra uma dinâmica criativa no processo de combinação das três vertentes estruturantes, o conhecimento, o desempenho técnico e a atitude adotada na situação concreta de mobilização das duas outras, foi propositadamente capturado pelo mundo empresarial e pelas estratégias desenvolvimentistas para simular inovação e uma nova abordagem (dita não-taylorista) da formação.  

As formulações foram sendo cada vez mais ambíguas, mas os resultados esperados mantiveram-se os mesmos: formar para a qualidade/produtividade na vida profissional e exigir o “zero defeitos” através de estratégias colaborativas e punitivas de formação em torno das denominadas competências.

A motivação de pacotilha

Importa destacar o aproveitamento realizado pelos “formadores de competências” que destacaram as abordagens “atitudinais” de forma isolada das outras dimensões da competência e situarem os quadro formativos principalmente das dimensões motivacionais o que justificou o surgimento dos subprodutos como os Team Buildings, os Out-doors motivacionais, as dinâmicas de equipas baseadas nas ditas competências sociais, etc.

Mas o contrabando não consegue fazer esquecer que houve o Relatório da UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI “Educação: um tesouro a descobrir” que Jacques Delors coordenou e que desta reflexão de fundo sobre o futuro da Europa emergiram 4 pilares com quatro tipos fundamentais de educação: 

  • aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), 
  • aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), 
  • aprender a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades humanas), e finalmente 
  • aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores).  

Estas quatro vias do saber, na verdade, constituem apenas uma, dado que existem pontos de interligação entre elas., eleitos como os quatro pilares fundamentais da educação.

Delors existiu, mesmo

Os 10 anos de Delors à frente da Comissão Europeia, até 1995, lançaram as bases de  uma nova visão para a educação na Europa. Entretanto surgiu Mastricht, Santer colocou-se ao leme de um barco que pessoas sinistras como Durão Barroso veio a comandar e que atualmente tem a sua continuidade com Von der Leyen do mesmo grupo ideológico.

A abordagem pelas competências se é desligada da sua dimensão libertadora e criativa reduz-se à eficácia e à eficiência útil aos negócios. Estar a funcionar numa ótica neo-talorysta do conceito deve ser triste e enganador. Mas o pior é não saber ou nem sequer pensar no assunto. Ou então aplica-se o provérbio “O pior cego é aquele que não quer ver”.

Carlos Ribeiro

OPINIÃO | O Lixo

Por Helder Costa, dramaturgo

O Lixo, aquela coisa desagradável, feia, ordinária e repelente, causador de doenças e epidemias, invade – desde sempre – os nossos dias.

Péssimas condições de vida, saúde e habitação ajudam ao seu aparecimento e desenvolvimento.

Mas a questão fundamental é que somos nós quem cria esse lixo.

Mais grave ainda, é que existem o Lixo físico e o mental.

O que é o Lixo mental? é um desânimo que se acumula, que nos paralisa e faz com que a nossa auto -confiança nos abandone. Porque olhamos à nossa volta, e vemos crescer incompetências, crimes e impunidades.

Os exemplos são diários e permanentes. Falando do nosso Presidente, não, não sejam ingénuos , não é o Marcelo, chama –se Trump, dono e senhor da guerras, dos roubos e falências, um genocida que apela à morte de gente que reage contra o racismo e contra a miséria a que são reduzidos milhões. Um exemplo grave do Lixo mental? Estão a sair vários Livros que denunciam os crimes, as mentiras e a manipulação do sujeito…

Ao mesmo tempo, as suas sondagens sobem!

O que é que isto prova? Que os milhões de fanáticos que o apoiam ou não sabem, ou não querem ler. Porque têm medo de “ abrir os olhos” e mudar de opinião. O grande manipulador tem milhões para corromper e comprar votos, e já provou que está disposto a tudo para boicotar as eleições.

Quando chegamos a este ponto …em que o Lixo avançou e te submergiu…

 Que fazer, senão intensificar a luta, acreditando na força das ideias?

Eu sei que o problema é grave – HOJE, infelizmente Mundial, com culpas acrescidas para a nossa Europa – de quem se fala da grande herança cultural.

Há realmente motivos para querer defender essa herança – o brilhante século XVI com Da Vinci, Durer, Maquiavel , Erasmo, Thomas More, e tantos outros que  ajudaram a criar um novo mundo longe das trevas inquisitórias da Idade Média e do fundamentalismo Islâmico. Pagando com perseguições, exclusão social e a morte 

Mas no século XIX  comentando essa época , alguém elogiou “ essa gente com a plenitude e força de caracter que os faziam homens completos. Mas acrescentou…” Os sábios de gabinete são excepção. Ou se trata de gente de segunda e terceira ordem, ou de filisteus prudentes que não querem queimar os dedos —Engels – “ Dialéctica da Natureza”

Programas de intervenção nos bairros e o poder de agir das populações locais

PR | 13 setembro 2020 | A propósito do programa Bairros Saudáveis e de outros que não saem da cepa torta.

Quando surgiu a primeira linha de apoio específico para os bairros ditos críticos , depois da vaga de incidentes nos bairros a nível europeu e com destaque para a La Courneuve nos arredores de Paris, o desenho do programa foi realizado com o envolvimento de organizações diversas e foram até experimentadas metodologias de levantamento de problemas participadas e de construção de soluções numa abordagem colaborativa.

A ideia-força que presidiu a todo o processo foi a da construção de autonomias e até de empoderamento das populações locais. Mas na verdade os resultados ficaram muito aquém do esperado. Importa saber porquê e sistematizar algumas ideias para as ações futuras.

A experiência que vivi nesse âmbito foi no Porto, no Bairro do Lagarteiro, como coordenador dos temas do emprego, da formação e do empreendedorismo numa equipa da FLUP – Faculdade de Letras da Universidade do Porto liderada pela Teresa Sá Marques.

Boas intenções

A abordagem que tinha sido sistematizada em ações de formação com equipas do ISCTE e do Instituto de Urbanismo e Habitação assentava na organização de grupos locais que seriam o suporte das iniciativas de diagnóstico e da posterior implementação de medidas e ações do plano de intervenção local.

Tendo sido uma das primeiras equipas a ir para o terreno, levávamos connosco intenções de promoção do autoemprego, de processos de validação de competências numa base comunitária, de iniciativas de cultura popular e até de modalidades de auto-organização que tínhamos experimentado nas Oficinas de Projectos em São João da Madeira. Ou seja, da nossa parte não íamos descalços e teríamos sempre algo a sugerir ou a propor face a condições locais muito concretas.

O universo do bairro

Realizávamos as nossas atividades de auto-organização na escola, um espaço central no bairro que beneficiava de uma espécie de estatuto de “equipamento intocável”.

Ali não entravam dealers, bebidas alcoólicas, confusões inter-familiares e tudo o que no dia-a-dia marcava aquele território.

Recordo-me que para entrar no bairro tinha o cuidado de telefonar antecipadamente a alguém que asseguraria que a viatura passaria pelas malhas da “operação stop” física ou de observação a distância, sem problemas.

Os elementos metodológicos estruturantes e até críticos da primeira fase de intervenção podem resumir-se a algumas referências centrais tais como:

  • transparência nos processos pondo todas as cartas em cima da mesa e principalmente partilhando as dificuldades e até as incompatibilidades. Uma delas consistia na secundarização dos elementos da comunidade de etnia cigana que no entendimento de muitos não deveriam participar nos projetos concretos;
  • a co-gestão das atividades e a comunicação sistemática das decisões tomadas e da evolução das tarefas em curso. Existia um painel (papel cenário) de grandes dimensões com um cronograma das ações e com informação sobre recursos, responsabilidades e períodos de execução. Uma das incompatibilidades situava-se na composição da estrutura de coordenação do projeto que devendo ter maioria dos residentes deveria também assegurar uma representação com igualdade de género o que não acontecia por opção de várias mulheres que não queriam participar certamente pressionadas pelos maridos ou namorados;
  • a co-responsabilização na implementação das medidas, sendo invariavelmente um elemento da comunidade local o-a coordenador-a de cada projeto específico. A incompatibilidade neste campo das relações de poder e da construção dos processos de autonomia surgia por via da contradição que se verificava nos timings desenhados para as ações e as disponibilidades reais dos residentes do bairro para assegurarem, por eles próprios e ao ritmo compatível com as suas ocupações, as ações previstas.

 Estes três elementos de processo são apenas ilustrativos de algumas questões que se colocam neste tipo de programas nomeadamente a criação de condições para que alguns objetivos fundamentais sejam atingidos:

Facilitar e promover o Pode de Agir

1º O primeiro objetivo de toda e qualquer associação não-local ou estrutura de intervenção neste tipo de situação

é de assegurar que se torna dispensável no final do programa.

Para tal terá que ter um projeto preciso, dentro do programa,  de promoção do PODER DE AGIR das pessoas e das comunidades locais facilitando processos de autonomia e de auto-organização.

2º Os programas com financiamento público devem ser colocados à disposição das populações locais e devem ser avaliados localmente nas suas vertentes programáticas e financeiras. Uma total transparência deve ser assegurada e todos os elementos relativos aos projetos devem ser públicos.

3º O programa deve ser coordenado por uma Equipa mista que deve incorporar maioritariamente homens e mulheres do local.  

A relação das comunidades locais com o programa não deve ser de participação apenas, deve assumir um caráter de comprometimento e de co-responsabilização que necessita de ser traduzido numa co-gestão democrática e sistematicamente negociada.

4ª As funções de coordenação e animação nos projetos devem ser partilhadas e progressivamente colocadas na responsabilidade dos membros da comunidade local. As competências dos técnicos que intervêm neste tipo de programas devem ser avaliadas principalmente nesta vertente da construção de novas relações de poder no seio das equipas.

5º A batalha pela continuidade das ações que o programa lançou, quando ela se justifica, deve ser assumida pelos participantes naquelas ações em concreto e, ainda no decorrer do processo, serem levadas a cabo iniciativas nesse sentido.

6º As ações para serem viáveis e exequíveis têm que basear-se nas prioridades dos potenciais participantes. Nesses termos a ideia dominante deverá ser sempre resolver problemas imediatos com recursos de pequena escala e imediatamente mobilizáveis. Nesta linha de simplicidade e utilidade é possível assegurar processos de co-gestão e de governança geral participada.

Estes temas serão partilhados no âmbito da consulta pública a decorrer no Programa Bairros Saudáveis.

Carlos Ribeiro – 13 de setembro de 2020

Metam COVID-19 nas aprendizagens!

PR | 10-09-2020 | Educação de Adultos | EPALE

A máscara não se coloca nos olhos! Eleger a situação de pandemia como ponto fulcral das aprendizagens na educação de adultos.

Por que raio não é em torno das questões complexas e de difícil gestão, no plano pessoal, social e profissional, relacionadas com a pandemia de COVID-19 que se concretizam todas as aprendizagens na alfabetização e na educação não-formal e informal de adultos?

Podemos imaginar contexto de aprendizagem mais evidente e mais adequado para abordagens educativas, formativas e promotoras da cidadania que aquele que a pandemia de COVID-19 proporciona de forma espontânea e natural?

Outra abordagem pedagógica

Claro, todo e qualquer contexto de aprendizagem tem que resultar de processos de negociação e até de co-construção com os adultos envolvidos, mas está à vista que é preciso ADAPTAR URGENTEMENTE A ABORDAGEM PEDAGÓGICA a uma situação tão gravosa que condiciona e aflige as famílias, os cidadãos e os territórios locais no seu quotidiano.

Mas ao assumirmos simultaneamente que as dinâmicas da vida quotidiana podem constituir per si um quadro potencialmente relevante para as aprendizagens, podemos então combinar os acontecimentos da jornada do dia-a-dia com as ligações e com os riscos da COVID-19 desenhando um percurso de aprendizagem pragmático e claramente percetível por parte dos adultos.

Temas fulcrais

PODE, A PRÓPRIA PANDEMIA DE COVID-19 SER A BASE DE TODAS AS ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM, nas ações relacionadas com a educação de adultos?

O contrário é que é absurdo, adultos que estão a viver um período absolutamente extraordinário, dramático e de alto risco que são envolvidos em temas de aprendizagem impingidos à força, como se nada estivesse a acontecer na vida quotidiana de quem participa em processos de alfabetização ou qualificação.

Que temas emergem como evidentes? Três exemplos apenas:

O tema do “viver juntos”

A consciência da importância dos comportamentos solidários em matéria de prevenção sanitária constrói-se na compreensão e na apropriação dos mecanismos do contágio e das formas de o contrariar com pleno conhecimento de causa. A resposta coletiva, como é caso do confinamento, deve ser associada a outras realidades históricas e a processos gregários no plano antropológico e sociológico. A solidariedade salva vidas e reforça a capacidade dos coletivos.

Os temas da saúde.

Afinal porque se fala de grupos de risco? Quem são? Porque o são? O prórpio/ria pertence a esse grupo? Que iniciativas podem ser levadas a cabo para contrariar uma fragilização face a situações críticas de saúde pública.

O tema da alimentação

A reformulação dos processos de abastecimento dos alimentos-base e a necessidade de reequilibrar a composição das refeições, nomeadamente com o consumo de produtos locais e da época.

Educação de adultos e desenvolvimento social

Estas abordagens estão focadas no quotidiano e nas questões concretas que a pandemia coloca.

Mas pode ainda haver outra abordagem que radica na resposta a uma interrogação central do desenvolvimento social:

PODE A EDUCAÇÃO DE ADULTOS CONTRIBUIR PARA AJUDAR A COMBATER A PANDEMIA E A REFORÇAR AS COMUNIDADES LOCAIS?

Ou seja, estabelecer como finalidade das atividades de educação de adultos o seu contributo para a resolução de problemas da sociedade e a mobilização dos recursos locais para reforçar as comunidades e o sentido da vida em coletivo.

Carlos Ribeiro

EDUCAÇÃO |Nano-Manifesto. Coisas simples para fazer amanhã, na alfabetização

PR | 5 de setembro 2020 | DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO | Nano-Manifesto. Coisas simples para fazer amanhã, na alfabetização | Por Carlos Ribeiro

Estes dias internacionais servem sobretudo para proferir grandes declarações. Frases pomposas e afirmações de confiança no futuro.

Não se começa assim “no ano passado havia 750 milhões de jovens e adultos que não sabiam nem ler nem escrever e dois-terços eram mulheres. Este ano são 710 milhões e 60% são mulheres. Valeu a pena o Dia Internacional da Alfabetização do ano passado. E esperemos que os próximos anos também valham”.

Não. Não é isto que acontece. A conversa repete-se de ano para ano.

Então mais vale definir metas de pequena escala e de implementação simplificada.

É esse o objetivo deste Nano-Manifesto. Aqui vai:

Princípio geral

A prioridade é agir com os mais pobres, com os mais desfavorecidos e nos territórios mais necessitados.

Repete-se,

a prioridade é agir com os mais pobres, os mais desfavorecidos e nos territórios mais necessitados e, sendo os recursos do país limitados no investimento em educação, no mínimo 70% das verbas para a educação de adultos e alfabetização devem ser canalizadas para esta prioridade.

Princípios básicos para a implementação

Nada sobre nós sem nós!

Todas as instituições e profissionais que intervêm nos domínios da alfabetização assumem que os adultos que participam em ações de educação-formação passam a dispor de mecanismos de auto-organização e desta forma disporem de condições para integrar o sistema de governança da alfabetização nos seus territórios.

Só poderão aceder a fundos públicos instituições que comprovem ter instalado sistemas de auto-representação dos adultos aprendentes

Nunca é tarde para (decidir o que) aprender

Todo e qualquer adulto tem o direito de exigir que os contextos de aprendizagem no seu percurso formativo que sejam co-construídos com os animadores de educação-formação e estejam relacionados com as suas experiências e a sua vida quotidiana.

Está vedada a apresentação de programas obrigatórios e pré-definidos para formação de adultos nas atividades de alfabetização

Com artistas sociais as aprendizagens tornam-se efetivas

A arte de acompanhar os adultos aprendentes nos seus percursos de aprendizagem implica colocar o adulto no centro do processo e negociar permanentemente a sua progressão em função das suas prioridades. Desenhar contextos de aprendizagem e  cenarizar terrenos de aplicação e de experimentação requerem facilitadores em vez de professores e formadores que tendem a prescrever programas pré-definidos. Artistas sociais na educação, precisam-se!

30% das equipas pedagógicas desenvolvem competências de facilitação das aprendizagem e concretizam processos de RVCC nesse âmbito ao longo do ano.

Aprender para viver

A vida e as necessidades das comunidades locais são a matéria-prima fundamental das aprendizagens colaborativas

As tensões económicas, sociais, ambientais, culturais dos territórios e as abordagens ao seu desenvolvimento sustentável são um ponto de partida para o envolvimento dos adultos que recorrem às aprendizagens para reforçar a sua capacidade de compreensão e de intervenção na justa medida daquilo que cada um ou cada uma entender.

Uma causa local deve estar associada ao programa de ação de toda e qualquer estrutura de educação-formação, por opção dos adultos que participam nas suas atividades

Espaços partilhados de aprendizagem

As diversas entidades deste universo da educação permanente precisam de trabalhar em rede e tornarem-se permeáveis e acessíveis para todo e qualquer adulto que deseje participar em atividades educativas e formativas. Não se trata de encaminhar, trata-se de criar interseções operacionais entre as diversas instituições e estabelecer uma postura de fundo para todas sem exceção de funcionarem a partir das dinâmicas da procura e não na base da oferta e dos produtos estandardizados.

Uma atividade anual de cada instituição que age no universo da alfabetização deve realizar-se nas instalações e em parceria com uma das restantes entidades locais.

Princípio da inteligência coletiva

Sendo curtas e sintéticas as referências relacionadas com a mudança que importará dinamizar, para as aprofundar e para as operacionalizar, estabelece-se a figura da Comunidade de Aprendizagem e Inovação como modelo de auto-organização dos atores dos territórios interessados em melhorar e adaptar os processos de alfabetização e de educação-formação. Nestas diretores, professores, monitores, vereadores, técnicos ORVC, educadores sociais, voluntários, bibliotecários, adultos anteriormente envolvidos e outros poderão partilhar as suas experiências e opiniões e agir conjuntamente para tornar os seus territórios mais aprendentes.

  • Carlos Ribeiro
  • Caixa de Mitos – Agência para a Inovação Social
  • Embaixador EPALE para a Educação Não-formal e Informal

4 de setembro de 2020, Por ocasião do Dia Internacional da Alfabetização 2020 – 8 set| UNESCO

Manifesto pela Educação para a Cidadania e Desenvolvimento

PR | 04-09-2020 | Manifesto subscrito por associações, entidades e individualidades diversas da sociedade civil. Subscrito também pela Caixa de Mitos e Carlos Ribeiro.

Cidadania e Desenvolvimento: a Cidadania não é uma opção!

Vivemos num mundo com problemas globais como as alterações climáticas, os extremismos, as desigualdades no acesso aos bens e direitos fundamentais e as crises humanitárias, entre outros, em que a solução passa por trabalharmos em conjunto, unindo esforços para encontrar soluções para os desafios que ameaçam a humanidade.

O futuro da Terra, em termos sociais e ambientais, depende da formação de cidadãs e cidadãos com competências e valores não apenas para compreender o mundo que os rodeia, mas também para procurar soluções.

É conhecida, a partir de documentos produzidos por organizações internacionais, a importância da Educação para a Cidadania e dos Direitos Humanos em todos os níveis de ensino. Esta importância encontra-se plasmada no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017) fruto de um saudável consenso quanto à importância de a Escola organizar os vários conhecimentos numa perspetiva holística.

É neste âmbito que se deve entender a criação da disciplina Cidadania e Desenvolvimento, cujo conteúdo principal se relaciona com os Direitos Humanos e os domínios que com eles estão interligados, como a sustentabilidade ambiental, a interculturalidade, a saúde, a segurança rodoviária, a igualdade de género. Trata-se de uma disciplina obrigatória ministrada no 2º e 3º ciclos do Ensino Básico.

Recentemente levantaram-se no espaço público, dúvidas sobre se esta disciplina deveria ter um caráter facultativo, argumentando que as famílias deveriam ter a possibilidade de “objeção de consciência”, dado o caráter “ideológico” destas matérias.

Por relação às questões suscitadas, os subscritores do presente texto vêm manifestar a sua posição e defendem o seguinte:

a) A ciência e a ética na base da Educação. O facto de a Declaração Universal dos Direitos Humanos garantir aos pais a opção pelo “género de Educação que devem dar aos seus filhos” não se aplica no caso vertente, dado que não se trata de um “género de Educação” mas sim de um conjunto de conteúdos suportados ética e cientificamente;

b) Ideologia versus Conhecimento. A Educação para a Cidadania e para os Direitos Humanos não pode ser classificada como “ideológica”, uma vez que ajuda os alunas e alunos a distinguir entre o que é “ideologia” e “conhecimento”. A produção científica das Ciências Sociais, das Ciências Naturais, Ciências Jurídicas, Medicina, etc.– têm produzido abundante conhecimento sobre Direitos Humanos e este conhecimento não pode ser menosprezado nem considerado como uma ideologia.

c) Responsabilidade individual e bem-estar coletivo. Não é razoável nem aceitável que um conhecimento básico sobre os Direitos Humanos e a Cidadania de todos os humanos seja considerado opcional. Como ainda recentemente aprendemos com a pandemia SARS-Cov-2, precisamos cada vez mais de medidas que impliquem toda a sociedade porque só assim poderemos criar ambientes humanos saudáveis, equitativos e justos. Deixar que o conteúdo dos Direitos Humanos fique reservado apenas para uma parte dos discentes contribuiria para aumentar a desigualdade face a um conhecimento cívico essencial. A Responsabilidade individual é um dos pilares mais importantes na garantia do bem-estar coletivo.

d) Uma base de conhecimento comum e socialmente partilhado.Os conteúdos da cidadania devem continuar a ser competência do sistema educativo. Sabemos que na escola não se aprende tudo e que as famílias, os encarregados de educação, as instituições e as comunidades também têm um importante papel no desenvolvimento de conhecimentos, competências e atitudes nestas áreas. No entanto, deixar estas competências exclusivamente ao encargo das famílias aprofundaria o fosso entre os alunos, não os fortalecendo com uma base de conhecimento comum e alimentando ciclos de ódio e violência.

Desta forma, consideramos que a disciplina Cidadania e Desenvolvimento deve continuar a fazer parte integrante do currículo, formando jovens conhecedores da importância da participação política através do voto. Reafirmamos que a aprendizagem dos Direitos Humanos e da Cidadania não é um conteúdo ideológico.

É uma disciplina que permite que todos conheçam os seus direitos, respeitem os direitos das outras pessoas e conheçam quais os deveres que coletivamente têm para construir uma sociedade que a todos respeite.

Se quiser subscrever este manifesto envie um email para:educacivic@gmail.com

LOCAL | Cidadania Lab em Aveiro

PR | 04-09-2020 | Iniciativas locais de cidadania ativa | Aveiro

Hoje começa oficialmente uma bela aventura cívica com a abertura da votação das propostas do OPAD – https://opad.cm-aveiro.pt/ – do Município de Aveiro! São 11 iniciativas e o Cidadania LAB é uma delas com o número p12. Votem Cidadania Lab e em mais duas iniciativas que gostem. Partilhem e falem deste laboratório cívico municipal aos vossos amigos, colegas e vizinhos! 🙋‍♀️🙋‍♂️🧪@cidadania_lab

🔛 Sobre a votação no Cidadania Lab:

➡️ Quem pode votar? Quem estiver recenseado em Aveiro e tiver mais de 18 anos.

➡️ Como votar? https://bit.ly/3hNVW2K

➡️ Quero votar no site: https://bit.ly/3gOfd2y

➡️ Quero votar por SMS:
Não têm de se registar no site. Enviem um SMS para 4902.
Introduzam o texto: OPAD p12 (introduza o número de mais 2 propostas em que quer votar), o seu nº de Cartão de Cidadão e a sua data de nascimento. No final da mensagem é obrigatório inserir a palavra: aceito.
Exemplo de SMS: OPAD p12 p… p… 123456789 19801203 Aceito Ver menos

OPINIÃO |Agitar as águas da Educação para a Cidadania

PR | 04-09-2020 | José Carlos Mota, docente da Universidade de Aveiro

No discurso de 5 outubro de 2007, o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva desafiou os portugueses para «um novo olhar sobre a escola e o modelo escolar, construído à luz da ideia da inovação social».

Cavaco Silva defendeu, na altura, «a implementação de novas estratégias, conceitos e práticas», apelando ao envolvimento mais ativo e participante dos pais, das autarquias e da sociedade civil de forma a «promover um verdadeiro sentimento de comunidade em relação à escola e ao sucesso educativo» (RTP, 5/10/2007 – *1).

A formação cívica é essencial

Mais tarde, na alocução das comemorações do 25 de abril, Cavaco Silva alertou para o desinteresse dos jovens face à política. Numa sessão posterior com representantes de associações juvenis, referiu que «a formação cívica é essencial para a qualidade da democracia». Ouviu recomendações para que se «integrasse a formação cívica nos planos curriculares». A sugestão feita «unanimemente foi a de se promover a educação para a cidadania». No final da reunião que considerou muito importante, um verdadeiro «agitar das águas», prometeu dar conta das conclusões a todos os órgãos de soberania referindo que aquelas deviam «ser conhecidas por todos aqueles que se preocupam com a qualidade da nossa democracia e não se resignam à fatalidade» (JN, 13/05/2008 – *2).

Os jovens participam civicamente…desde que

As intervenções do Presidente tiveram eco e contribuíram, por exemplo, para inspirar a realização de um concurso escolar sob o tema «Cidades criativas – reflexão sobre o futuro das cidades portuguesas» (2007/08), desenvolvido no âmbito da Área de Projeto do 12.º ano (*3). O concurso teve uma inesperada adesão, mobilizando mais de 2.000 alunos e 275 professores de 130 municípios que ao longo de nove meses realizaram centenas de projetos num exercício prospetivo das suas vilas e cidades, resultado de uma forte comunhão de esforços entre escolas, famílias, autarquias e os agentes culturais, sociais e económicos locais, mostrando que os jovens participam civicamente desde que se criem as condições adequadas.

Apenas «19% dos jovens se dirigiu às urnas

Treze anos passados, apesar de muitas e meritórias iniciativas de promoção da Educação para a Cidadania (*4), o problema de fundo – o déficit de cidadania jovem – mantém-se. Por exemplo, nas últimas eleições apenas «19% dos jovens se dirigiu às urnas», já o último Eurobarómetro refere que «só 3% dos jovens portugueses admite estar absolutamente seguro da sua participação no próximo ato eleitoral» (*5), um sinal preocupante.

Cidadania ativa

Conscientes de que se trata de um problema global, várias organizações internacionais têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de colocar a Educação para a Cidadania no centro da ação política dos governos. As Nações Unidas, por exemplo, consagram-na na meta da Educação (4.7) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015) e a União Europeia conferiu-lhe importância como eixo principal da Estratégia para a Juventude (2010-2018), o que conduziu a que 2011 fosse considerado o Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa (*6).  

Cavaco promulgou

A nível nacional, a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), promulgada quando Cavaco Silva era primeiro ministro, fundamenta nos seus princípios gerais «a importância do sistema educativo português na formação de cidadãos e cidadãs livres, responsáveis, autónomo/as, solidário/as, que respeitam a outras pessoas e as suas ideias, capazes de intervir democraticamente na sociedade e de se empenharem na sua transformação progressiva». Recentemente, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017) recomendou «o reforço da implementação da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento em todos os níveis de educação e ensino».

Promover a participação

Num estudo realizado pela Comissão Europeia em 2017 (*7), foram analisados vários programas educativos europeus e concluiu-se que a educação para a cidadania está integrada nos currículos nacionais do ensino geral em todos os países. Reconhecendo a heterogeneidade de contextos, são referidas três grandes conclusões: a existência de modelos alternativos de formação, em alguns casos integrados noutras disciplinas; a necessidade de promover a participação dos alunos e encarregados de educação na governança da escola; e a importância de haver professores com formação especializada.

Escola é muito importante

A unidade curricular Educação para a Cidadania foi criada com o objetivo de «contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo» (*8).  Certamente que qualquer cidadão consciente deseja que estes princípios estejam presentes na formação dos jovens deste país. O trabalho da escola pode ser, nesse sentido, muito importante e útil. Certamente que há limitações na capacidade de alcançar aqueles objetivos, seja pela formação e motivação dos professores, seja pela maior ou menor cultura cívica instalada. É, pois, possível que haja aspetos menos conseguidos na lecionação ou práticas que possam, em alguns casos, desvirtuar os pressupostos para que foi criada. Contudo, é importante alguma ponderação na avaliação dos meios e dos resultados e ter o cuidado de «não deitar o bebé com a água do banho».

1 – Cavaco, novo olhar sobre a escola

2 – CavacoSilva – Roteiro pela participação

3 – Cidades criativas

4 – Promoção da educação para a Cidadania

5 – Participação eleitoral dos jovens

6 – Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa

7 – Estudo realizado pela Comissão Europeia em 2017

8 – Educação para a Cidadania

© foto José Carlos Mota